CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
06 de abril de 2010
COLUNA DAS QUINTAS
OBAMA
COMEÇA
A ROMPER
O CERCO
Por Enéas de Souza
SÓ EXISTE UMA APOSTA
1) Obama está conseguindo furar o cerco que levou no primeiro ano de seu governo. Isto quer dizer que, depois de muito tempo, começou a produzir atos visando à realização de sua estratégia. Deixou de lado o campo da observação e do constrangimento para lutar por seus objetivos políticos Em primeiro lugar, conseguiu uma semi-vitória, a aprovação do seu Healthcare, que significou, no concreto, uma melhoria de vida para 32 milhões de pessoas. Foi uma semi-vitória, porque não alcançou a universalização dos serviços médicos. Mas, para um país avesso à presença do Estado na economia, a aprovação deste projeto se constituiu, obviamente num passo para os pobres - de um modo geral deserdados no maior potência econômica do mundo. Não há dúvida, o resultado foi espetacular. E Obama, percebendo-se um herói vitaminado, sentiu-se com poder, amparado simbolicamente, para iniciar o longo processo de combate e de solução da questão financeira.
2) Mas, há que considerar o estilo de Obama. Antes de mais nada, Obama é um estrategista. Tem bem claro a sua política e os pontos que organizam a sua ação. O alvo do seu empreendimento é o retorno a um liberalismo econômico e político, através da reorganização do capitalismo. Significa, sem hesitação, desmontar este absurdo capitalismo financeiro, que embora seja um “finance led growth” (as finanças conduzindo ao crescimento), na verdade é muito mais transferência de renda para as finanças do que crescimento, Bom, este é o ponto chave: desmontar as finanças para as finanças. Desartiular um sistema financeiro que deixava apenas sobras miúdas à produção e à camada popular da sociedade. Logo, está em pauta, uma nova batucada e um novo objetivo, uma estratégia de longo prazo. Pretende Obama que as finanças aportem o seu mel para a atividade produtiva. E se esta proposição tiver sucesso e ela ocorrer, teremos a retomada de um capitalismo industrial como centro da economia. E ele virá, não liderado pelas velhas indústrias, mas com outras alavancas e com outros pontos de impulso. Pode-se dizer que terá o seu rosto baseado numa ampliação e numa maturação das novas tecnologias de informação e comunicação, acompanhadas, porque necessária econômica e ambientalmente, de uma transformação da matriz e da infra-estrutura energética. Nesta reviravolta fundamental, o segredo das jóias é a reposição das finanças como motor do financiamento da produção. Ou seja, o que está na ronda da noite e na roda do samba é a estratégia de longo prazo de Obama.
A POLÍTICA DO LONGO PRAZO
No campo político, o objetivo de longo prazo de Obama é retomar e reformar o capitalismo e desenvolver uma forma democrática peculiar, estruturando-o para a paz. Claro, “si vis pacem para bellum” (“se queres a paz prepara-te para a guerra”), pois a estrutura política dos homens – e não seria diferente do capitalismo - não é outra do que uma estrutura de conflito. Nessa visão, os Estados Unidos continuariam a sua liderança, partindo do seu poder militar (apenas como potência, evitando o esforço bélico), e enjambrando no bojo desta força, o poder político e o poder ideológico. Tal manobra daria tempo para reformular a liderança econômica, cuja substância viria da sua vanguarda tecnológica. Embora pareça claro, para os próprios americanos, que eles vão partilhar uma menor figuração no crescimento do PIB mundial, o que lhe interessa é manter o domínio da ordem econômica a partir do político. Eles estão dispostos a tolerarem as presenças renovadas da China e dos emergentes (incluindo o Brasil), tanto na ordem econômica e política, mas não abrem mão da sua “vocação de liderança”. E dada as configurações bélicas, Obama propõe, então, uma liderança militar pela paz, reformulando o mapa do mundo, começando com acordos nucleares com a Rússia, harmonizando o Oriente Médio e tentando trabalhar cooperativamente com os países líderes dos diversos continentes, Por via da política há um objetivo estratégico nítido, a reformulação do capitalismo, com inovações tecnológicas significativas, sob a liderança dos Estados Unidos.
A UTOPIA DE OBAMA
A visão idílico-realista de Obama leva-o a atuar, pelo menos imediatamente, em três frentes: 1. na frente econômica; jogando, por sua vez, três pontos chaves: a desmontagem das finanças, a reorganização das relações com a China e a abertura para o longo prazo na questão energética; 2. na frente da política externa, onde o ponto chave é a construção um outro tipo de liderança, através de um reposicionamento da Europa; de uma estabilização da frente nuclear, ao mesmo tempo, que recompõe um novo equilíbrio na questão do Oriente Médio. De um lado deslocando o eixo da guerra para o Afeganistão e de outro, tentando dar novos contornos ao tema Israel-Palestina, contendo Israel e diminuindo o voluntarismo do Irã. 3) na frente da realidade social americana. Aqui as ações visam à metamorfose da economia a curto e longo prazo, o que significa no primeiro aspecto recuperar o emprego, e no segundo, proporcionar uma proteção maior aos cidadãos comuns americanos.
E O ESTADO COMO FICA?
Nesses três pontos, está embutida uma tentativa de reorganização do Estado. O princípio que gera este movimento é a tentativa de fazer dele, algo independente do capital – basicamente do capital financeiro. Embora pretenda ser, e continue a ser, aliado de diversas facções desta figura econômica da sociedade (de tal forma que possa ser um Estado pró-capital), tem, distintamente, um alvo superior. Tem um “up grade”. tem uma grande proposição: o de querer poder controlar e ser o regulador político dos mercados. Notoriamente, não tem objetivo de ser um Estado social-democrata, mas um Estado capitalista com preocupações sociais - um pouco mais marcantes do que as do governo Buch. Ou seja, um Estado onde as desigualdades entre as classes não atinja o nível selvagem deste capitalismo financeiro. Então, este desenho estatal tem como movimento prioritário a manutenção modificada do capitalismo. E passa, como seria esperado, por uma liderança internacional, onde vai desfazer-se das idéias de unilateralismo dos “neocons”, assumindo um lado liberal mais clássico. Com essa rota, o governo de Obama e os Estdos Unidos se preparam para dar uma ordem política ao mundo, enquanto se preparam para reencontrar o caminho econômico. Nesta trajetórias está em projeto uma disputa e uma reordenação das relações Ocidente e Oriente, baseados, ao menos em intenção explícita, num confronto pacífico com a China. E esta certamente vai colaborar, pela forma do seu governo e de suas instituições políticas, com o reforço do papel do Estado em todo o Ocidente e nos Estados Unidos. O que não estão excluídas rugas num tempo mais distante.
A OPOSIÇÃO CAPITALISTA A OBAMA
1) A questão básica é, no entanto, as diversas frações políticas e econômicas que se opõem à Obama. Ele está cercado. E por essa razão vai ter que matar um leão a cada tarefa. Tem diante de si grandes combates. É verdade que agora está se sentindo com mínimas forças sociais para encarar os monstros. No meu modo de ver, ele tem pelo menos três frentes complexas para desbastar: a área financeira, a área militar e a área energética.
2) A questão financeira é a principal, porque significa pôr um freio, dar um chega para lá, na turma das finanças, que não quer de modo nenhum afastar-se da desregulamentação e da sua concepção exclusiva de fazer negócios. O que se alterou nos últimos tempos no panorama americano foi, sem dúvida, a estratégia de Obama. No meio de um Congresso, inclusive com democratas hostis à regulação, o presidente armou uma dupla ação. De um lado, preparou via Geithner o “Finantial Regulatory Reform”, que deu motivos a grandes discussões e inúmeras sugestões no Congresso, E de outro, a Volker Rule, que o próprio Paul Volker disse ter ido ao Congresso apenas para aparecer na fotografia. O que não expressa a força efetiva e subterrânea da proposta.
3) A “Finantial Regulatory Reform” pretende modestamente criar um FED, um pouco mais forte, com poder de resolver qualquer crise sistêmica que se anuncie. E também um conselho de diretores de agências que orientaria o FED a estas intervenções, etc. Já a Volker rule, tem dois pontos suculentos: um, a necessidade de uma capitalização efetiva para os bancos, e dois, a procura de impedir que os bancos usem os capitais de terceiros para especularem. O que na prática voltaria a divisão, supressa ao longo do processo de desregulamentação, entre os bancos comerciais e os bancos de investimentos.
4) Mas, o importante não foi exatamente isso. Pelo menos até agora. O importante foi o jogo de boxe entre as finanças e Obama. Logo nos primeiro momentos, os banqueiros, que saíram na dianteira, jogaram uma barragem de fogo no Congresso, através do seu Partido dos lobbies. Só que Obama usou uma estratégia mais silenciosa e sutil contra eles. Nosso personagem lembra aquele grande pugilista, meio médio ligeiro, Ray Sugar Robinson, um boxeador elegante, competente nos punhos e de grande estilo. Começou com ataques aparentemente sem muita envergadura, discretos, ao nomear personalidades fiéis as suas visões para as agencias reguladores. (Neste último mês já está tornando o FED com um jeito mais seu). Tratou, enfim, com astúcia, de colocar nomes que não fossem representantes maquiados dos bancos. Só para dar uma idéia da importância destas nomeações. A SEC (o equivalente a Comissão de Valores Mobiliários no Brasil), por exemplo, na crise de 2001, na crise da Enron, uma semana antes dela falir, a corporação era considerada, pela agência reguladora, uma empresa sem nenhum problema.
5) Agora, a fotografia é distinta. A atual SEC fez uma acusação pública e formal contra a Goldman Sachs, levando ao chefe desta instsituição a reconhecer que a conduta da Goldman na crise financeira em 2007, “visto de hoje”, 2009, era de fato altamente questionável. Claro, ela foi a corporação que formou com os títulos podres da Paulson & CO um Collateral Debt Obligation. E depois, saiu olimpicamente a vender estes títulos aos seus clientes, sem falar das porcarias que vendiam. E mais tarde, com a vivacidade delituosa dos atores do mercado financeiro, jogaram contra este Collateral Debt Obligation, um Credit Swapps Default, ou seja, enganaram os seus clientes de forma vergonhosa. E hoje, na imprensa e no Senado, tiveram a cara de pau de dizer que essa era uma prática ética comum no mercado. Dito no acessível: ganharam, por um lado, por vender um título podre e depois ganharam porque jogaram contra ele. No que importa: Obama deu um golpe no fígado deles. Não foi um “knock out”, mas foi ao menos um “knock down”. O que significa que atacando um banco símbolo do sucesso do capitalismo financeiro, e de maneira contundente, Obama acrescentou inúmeros pontos nos “rounds” para a vitória final da luta. E, vejam bem, leitores do esporte financeiro, a estratégia de Obama está montada no longo prazo. E nunca, nunca, joga tudo numa parada; vai minando como Sugar Ray Robinson progressivamente os adversários. São golpes aqui, golpes ali, pausa, novos ataques, até que dá a pancada final. Se esta visão é correta, a luta entre as finanças e Obama não se encerra na presente proposta de regulamentação. Mas de passo em passo, jogando inclusive tanto quanto possível com a população, o presidente vai fazendo recuar o sistema financeiro.
6) Tudo é ainda muito pouco. É preciso encarar os meandros e a duração das discórdias Mas, o decisivo é, como já firmei nos parágrafos acima, que Obama tem projeto de longo prazo. Toda a sua habilidade está empenhada em tentar ligar este ponto mais longínquo com o imediato, para empinar a economia e a política americana para o patamar de uma nova realidade. O que se nota, todavia, é que, com ataque cerrado a Goldman Sachs, se esboça, pela primeira vez, algo inusitado: uma leve ruptura do cerco a que foi submetido desde o seu triunfo eleitoral. Obama sempre esteve acuado. Só que agora com os lances efetuados no tabuleiro social, já pode começar a se olhar no espelho. O que apenas quer dizer que Obama está pronto para agir. Embora se possa escrever que a crise, como o verme dos livros de Machado de Assis, continue a roer.
06 de abril de 2010
COLUNA DAS QUINTAS
OBAMA
COMEÇA
A ROMPER
O CERCO
Por Enéas de Souza
SÓ EXISTE UMA APOSTA
1) Obama está conseguindo furar o cerco que levou no primeiro ano de seu governo. Isto quer dizer que, depois de muito tempo, começou a produzir atos visando à realização de sua estratégia. Deixou de lado o campo da observação e do constrangimento para lutar por seus objetivos políticos Em primeiro lugar, conseguiu uma semi-vitória, a aprovação do seu Healthcare, que significou, no concreto, uma melhoria de vida para 32 milhões de pessoas. Foi uma semi-vitória, porque não alcançou a universalização dos serviços médicos. Mas, para um país avesso à presença do Estado na economia, a aprovação deste projeto se constituiu, obviamente num passo para os pobres - de um modo geral deserdados no maior potência econômica do mundo. Não há dúvida, o resultado foi espetacular. E Obama, percebendo-se um herói vitaminado, sentiu-se com poder, amparado simbolicamente, para iniciar o longo processo de combate e de solução da questão financeira.
2) Mas, há que considerar o estilo de Obama. Antes de mais nada, Obama é um estrategista. Tem bem claro a sua política e os pontos que organizam a sua ação. O alvo do seu empreendimento é o retorno a um liberalismo econômico e político, através da reorganização do capitalismo. Significa, sem hesitação, desmontar este absurdo capitalismo financeiro, que embora seja um “finance led growth” (as finanças conduzindo ao crescimento), na verdade é muito mais transferência de renda para as finanças do que crescimento, Bom, este é o ponto chave: desmontar as finanças para as finanças. Desartiular um sistema financeiro que deixava apenas sobras miúdas à produção e à camada popular da sociedade. Logo, está em pauta, uma nova batucada e um novo objetivo, uma estratégia de longo prazo. Pretende Obama que as finanças aportem o seu mel para a atividade produtiva. E se esta proposição tiver sucesso e ela ocorrer, teremos a retomada de um capitalismo industrial como centro da economia. E ele virá, não liderado pelas velhas indústrias, mas com outras alavancas e com outros pontos de impulso. Pode-se dizer que terá o seu rosto baseado numa ampliação e numa maturação das novas tecnologias de informação e comunicação, acompanhadas, porque necessária econômica e ambientalmente, de uma transformação da matriz e da infra-estrutura energética. Nesta reviravolta fundamental, o segredo das jóias é a reposição das finanças como motor do financiamento da produção. Ou seja, o que está na ronda da noite e na roda do samba é a estratégia de longo prazo de Obama.
A POLÍTICA DO LONGO PRAZO
No campo político, o objetivo de longo prazo de Obama é retomar e reformar o capitalismo e desenvolver uma forma democrática peculiar, estruturando-o para a paz. Claro, “si vis pacem para bellum” (“se queres a paz prepara-te para a guerra”), pois a estrutura política dos homens – e não seria diferente do capitalismo - não é outra do que uma estrutura de conflito. Nessa visão, os Estados Unidos continuariam a sua liderança, partindo do seu poder militar (apenas como potência, evitando o esforço bélico), e enjambrando no bojo desta força, o poder político e o poder ideológico. Tal manobra daria tempo para reformular a liderança econômica, cuja substância viria da sua vanguarda tecnológica. Embora pareça claro, para os próprios americanos, que eles vão partilhar uma menor figuração no crescimento do PIB mundial, o que lhe interessa é manter o domínio da ordem econômica a partir do político. Eles estão dispostos a tolerarem as presenças renovadas da China e dos emergentes (incluindo o Brasil), tanto na ordem econômica e política, mas não abrem mão da sua “vocação de liderança”. E dada as configurações bélicas, Obama propõe, então, uma liderança militar pela paz, reformulando o mapa do mundo, começando com acordos nucleares com a Rússia, harmonizando o Oriente Médio e tentando trabalhar cooperativamente com os países líderes dos diversos continentes, Por via da política há um objetivo estratégico nítido, a reformulação do capitalismo, com inovações tecnológicas significativas, sob a liderança dos Estados Unidos.
A UTOPIA DE OBAMA
A visão idílico-realista de Obama leva-o a atuar, pelo menos imediatamente, em três frentes: 1. na frente econômica; jogando, por sua vez, três pontos chaves: a desmontagem das finanças, a reorganização das relações com a China e a abertura para o longo prazo na questão energética; 2. na frente da política externa, onde o ponto chave é a construção um outro tipo de liderança, através de um reposicionamento da Europa; de uma estabilização da frente nuclear, ao mesmo tempo, que recompõe um novo equilíbrio na questão do Oriente Médio. De um lado deslocando o eixo da guerra para o Afeganistão e de outro, tentando dar novos contornos ao tema Israel-Palestina, contendo Israel e diminuindo o voluntarismo do Irã. 3) na frente da realidade social americana. Aqui as ações visam à metamorfose da economia a curto e longo prazo, o que significa no primeiro aspecto recuperar o emprego, e no segundo, proporcionar uma proteção maior aos cidadãos comuns americanos.
E O ESTADO COMO FICA?
Nesses três pontos, está embutida uma tentativa de reorganização do Estado. O princípio que gera este movimento é a tentativa de fazer dele, algo independente do capital – basicamente do capital financeiro. Embora pretenda ser, e continue a ser, aliado de diversas facções desta figura econômica da sociedade (de tal forma que possa ser um Estado pró-capital), tem, distintamente, um alvo superior. Tem um “up grade”. tem uma grande proposição: o de querer poder controlar e ser o regulador político dos mercados. Notoriamente, não tem objetivo de ser um Estado social-democrata, mas um Estado capitalista com preocupações sociais - um pouco mais marcantes do que as do governo Buch. Ou seja, um Estado onde as desigualdades entre as classes não atinja o nível selvagem deste capitalismo financeiro. Então, este desenho estatal tem como movimento prioritário a manutenção modificada do capitalismo. E passa, como seria esperado, por uma liderança internacional, onde vai desfazer-se das idéias de unilateralismo dos “neocons”, assumindo um lado liberal mais clássico. Com essa rota, o governo de Obama e os Estdos Unidos se preparam para dar uma ordem política ao mundo, enquanto se preparam para reencontrar o caminho econômico. Nesta trajetórias está em projeto uma disputa e uma reordenação das relações Ocidente e Oriente, baseados, ao menos em intenção explícita, num confronto pacífico com a China. E esta certamente vai colaborar, pela forma do seu governo e de suas instituições políticas, com o reforço do papel do Estado em todo o Ocidente e nos Estados Unidos. O que não estão excluídas rugas num tempo mais distante.
A OPOSIÇÃO CAPITALISTA A OBAMA
1) A questão básica é, no entanto, as diversas frações políticas e econômicas que se opõem à Obama. Ele está cercado. E por essa razão vai ter que matar um leão a cada tarefa. Tem diante de si grandes combates. É verdade que agora está se sentindo com mínimas forças sociais para encarar os monstros. No meu modo de ver, ele tem pelo menos três frentes complexas para desbastar: a área financeira, a área militar e a área energética.
2) A questão financeira é a principal, porque significa pôr um freio, dar um chega para lá, na turma das finanças, que não quer de modo nenhum afastar-se da desregulamentação e da sua concepção exclusiva de fazer negócios. O que se alterou nos últimos tempos no panorama americano foi, sem dúvida, a estratégia de Obama. No meio de um Congresso, inclusive com democratas hostis à regulação, o presidente armou uma dupla ação. De um lado, preparou via Geithner o “Finantial Regulatory Reform”, que deu motivos a grandes discussões e inúmeras sugestões no Congresso, E de outro, a Volker Rule, que o próprio Paul Volker disse ter ido ao Congresso apenas para aparecer na fotografia. O que não expressa a força efetiva e subterrânea da proposta.
3) A “Finantial Regulatory Reform” pretende modestamente criar um FED, um pouco mais forte, com poder de resolver qualquer crise sistêmica que se anuncie. E também um conselho de diretores de agências que orientaria o FED a estas intervenções, etc. Já a Volker rule, tem dois pontos suculentos: um, a necessidade de uma capitalização efetiva para os bancos, e dois, a procura de impedir que os bancos usem os capitais de terceiros para especularem. O que na prática voltaria a divisão, supressa ao longo do processo de desregulamentação, entre os bancos comerciais e os bancos de investimentos.
4) Mas, o importante não foi exatamente isso. Pelo menos até agora. O importante foi o jogo de boxe entre as finanças e Obama. Logo nos primeiro momentos, os banqueiros, que saíram na dianteira, jogaram uma barragem de fogo no Congresso, através do seu Partido dos lobbies. Só que Obama usou uma estratégia mais silenciosa e sutil contra eles. Nosso personagem lembra aquele grande pugilista, meio médio ligeiro, Ray Sugar Robinson, um boxeador elegante, competente nos punhos e de grande estilo. Começou com ataques aparentemente sem muita envergadura, discretos, ao nomear personalidades fiéis as suas visões para as agencias reguladores. (Neste último mês já está tornando o FED com um jeito mais seu). Tratou, enfim, com astúcia, de colocar nomes que não fossem representantes maquiados dos bancos. Só para dar uma idéia da importância destas nomeações. A SEC (o equivalente a Comissão de Valores Mobiliários no Brasil), por exemplo, na crise de 2001, na crise da Enron, uma semana antes dela falir, a corporação era considerada, pela agência reguladora, uma empresa sem nenhum problema.
5) Agora, a fotografia é distinta. A atual SEC fez uma acusação pública e formal contra a Goldman Sachs, levando ao chefe desta instsituição a reconhecer que a conduta da Goldman na crise financeira em 2007, “visto de hoje”, 2009, era de fato altamente questionável. Claro, ela foi a corporação que formou com os títulos podres da Paulson & CO um Collateral Debt Obligation. E depois, saiu olimpicamente a vender estes títulos aos seus clientes, sem falar das porcarias que vendiam. E mais tarde, com a vivacidade delituosa dos atores do mercado financeiro, jogaram contra este Collateral Debt Obligation, um Credit Swapps Default, ou seja, enganaram os seus clientes de forma vergonhosa. E hoje, na imprensa e no Senado, tiveram a cara de pau de dizer que essa era uma prática ética comum no mercado. Dito no acessível: ganharam, por um lado, por vender um título podre e depois ganharam porque jogaram contra ele. No que importa: Obama deu um golpe no fígado deles. Não foi um “knock out”, mas foi ao menos um “knock down”. O que significa que atacando um banco símbolo do sucesso do capitalismo financeiro, e de maneira contundente, Obama acrescentou inúmeros pontos nos “rounds” para a vitória final da luta. E, vejam bem, leitores do esporte financeiro, a estratégia de Obama está montada no longo prazo. E nunca, nunca, joga tudo numa parada; vai minando como Sugar Ray Robinson progressivamente os adversários. São golpes aqui, golpes ali, pausa, novos ataques, até que dá a pancada final. Se esta visão é correta, a luta entre as finanças e Obama não se encerra na presente proposta de regulamentação. Mas de passo em passo, jogando inclusive tanto quanto possível com a população, o presidente vai fazendo recuar o sistema financeiro.
6) Tudo é ainda muito pouco. É preciso encarar os meandros e a duração das discórdias Mas, o decisivo é, como já firmei nos parágrafos acima, que Obama tem projeto de longo prazo. Toda a sua habilidade está empenhada em tentar ligar este ponto mais longínquo com o imediato, para empinar a economia e a política americana para o patamar de uma nova realidade. O que se nota, todavia, é que, com ataque cerrado a Goldman Sachs, se esboça, pela primeira vez, algo inusitado: uma leve ruptura do cerco a que foi submetido desde o seu triunfo eleitoral. Obama sempre esteve acuado. Só que agora com os lances efetuados no tabuleiro social, já pode começar a se olhar no espelho. O que apenas quer dizer que Obama está pronto para agir. Embora se possa escrever que a crise, como o verme dos livros de Machado de Assis, continue a roer.
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