CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
Coluna das quintas
17 de setembro de 2009
EMPREGO,
Coluna das quintas
17 de setembro de 2009
EMPREGO,
TEU NOME
É INVESTIMENTO!
Por Enéas de Souza
Uma crise que tinha tudo para virar uma depressão e que se tornou uma grande recessão, ao menos até o momento, nos leva a meditar sobre o lado político dos acontecimentos, inclusive na atuação e os méritos do Estado. Antes de mais nada, o que observamos é que o capital tem o domínio total da sociedade e, dentro do capital, o setor financeiro tem levado a melhor. Ele é o centro solar do universo econômico. No momento, vive um instante dramático porque aquele poder absoluto, vigoroso, charmoso e, ao mesmo tempo, arrogante, impositivo, fazendo apologia de si mesmo, foi substituído por um período onde as finanças foram postas em questão. Por quê?
A coesão na divergência
Primeiro porque o setor sofreu um abalo econômico, político e porque não dizer emocional, uma vez que lhe escapava a lucratividade dos tempos da vertigem especulativa, aquela música que tinha dançado antes. E, em segundo lugar, porque essa decadência da renda financeira dividiu o setor, provocou bancarrotas e diferenças de estatuto do sucesso das entidades da área. E, claro, posições divergentes só trazem posturas distintas quanto às propostas de saída da crise. Seja de como cada um vai sair da crise, seja porque alguns foram eliminados no caminho, seja pelos interesses que se tornam claramente opostos. Portanto, se estabeleceu imediatamente uma luta fratricida e bélica de envergadura. Só que, diante da ameaça do extermínio de sua liberdade, os capitais pastando na área financeira, mesmo com contradições, encontraram uma ação minimamente coerente, uma espécie de reconversão ou uma tentativa de restauração do império financeiro. Nesta direção, nos Estados Unidos, foi trabalhada, ao longo do tempo, uma série de medidas para construir uma frente do setor: jogar pesado política e ideologicamente contra a nacionalização dos bancos; jogar ideológica, congressual e praticamente contra a regulação desejada pela sociedade, aceitando uma regulação que seja favorável e garanta o lado financeiro da economia; construir um cerco ao presidente Obama com titulares de cargos que sejam favoráveis ao seu grupo e à sua visão; resistir o máximo possível à proposição de limitar os amados bônus dos dirigentes financistas; assegurar que a política econômica, na sua parte monetária e financeira, defenda tanto capital e bailouts do Estado como as ajudas financeiras do Banco Central e as mudanças de critério na contabilidade para permitir o manejo dos ativos tóxicos; preparar o Estado para que os déficits fiscais venham a cobrir furos financeiros e não necessariamente necessidades do setor produtivo e da população; manter uma relação de liderança com a mídia, capaz de fazer com que esta apenas desgaste a superfície das finanças, limando as bordas ao atacar Maddof, o vigarista e apoiando o núcleo, ao louvar, por exemplo, o Goldman Sachs, por suas invenções e seu apetite de risco. Como disse um entrevistado num programa de televisão: o risco faz parte da cultura americana (sic!).
Camões inspirando a mídia para as finanças
A conclusão imediata a qual se chega é apenas uma: apesar de um ano de desastre financeiro, o Estado continua dominado pelas finanças, trabalhando, apoiando e aprovando estratégias financeiras para a saída da crise. E tendo conseguido para a área cada vez mais tempo para ela pudesse pensar, planejar e agir. Com isso, conceberam – as finanças e o Estado – um sentimento absolutamente novo: o pior da crise já passou. Pois esta chegou a um patamar de segurança, onde a economia financeira parou de cair. O que parece real, sobretudo com a corneta gloriosa, “a tuba canora e belicosa” como diria Camões, dos múltiplos setores da imprensa. Mas, lá no porão do Estado, as contas públicas estão se deteriorando, e o dólar anda em discórdia com a vida e está sendo um pouco mal visto e até mal aceito. Ninguém mais se espanta: ele começa a ser questionado. O importante é saber se este movimento e esta tendência são passageiros. Sinais contrários apareceram, apontando para um horizonte de cores cinzas, quem sabe, negras, na elevação do preço do ouro e na busca de construção de uma de reserva monetária internacional chinesa.
A conversa mole da recessão que terminou
Em todo caso, os Estados Unidos continuam em recessão. Aliás, é bom discutir o que é uma recessão. Vamos combinar que diremos que uma economia está em recessão quando ela não cobre a necessidade de investimento capaz de incorporar, no processo de trabalho, os candidatos de uma nova geração de trabalhadores. Portanto, quando não oferece oportunidade de emprego para atender o crescimento anual de uma população de uma determinada sociedade. O leitor pense um pouco comigo. Nos Estados Unidos, temos 9,7% de taxa de desemprego, sem contar os novos pretendentes. Realmente, estes números sustentam a idéia de que a economia saiu da recessão? Obviamente, para começar a afastar-se dela a atividade econômica teria que estar recomeçando a recuperar o emprego daqueles quase 10% que falamos acima e ensaiando um projeto de empregar os novos advindos ao mercado de trabalho, no rumo do pleno emprego (Será que algum dia as finanças ouviram falar no assunto?). Naturalmente, estamos muito longe disso. E por quê? Primeiro, porque a tentativa de saída da economia é continuadamente um pensar a recuperação pelo lado das finanças. E para estas sim, pouco importa, imediatamente, se as pessoas estão empregadas ou não. A solução da economia para as instituições financeiras é provocar uma dinâmica de alavancagem, de crédito e de securitização que leve e retorne aos polpudos rendimentos nas suas aplicações. O emprego é um efeito derivado destas rendas. Pois parte delas, se tornando consumo, por derivação, quando a capacidade ociosa da produção vai se esgotando, se transformam em investimento. E só aí ocorre a recuperação do emprego, que é também ajudado pelo ressurgimento dos serviços ligados à esfera produtiva. O terceiro fato de crescimento do emprego surge de uma reativação do mercado externo. Não existe nesta visão das finanças nenhuma questão social do emprego. A finance led growth não é automática e nem promove a recuperação e criação de postos de trabalho como reativação da economia. Portanto, para quem pensa em termos de sociedade, não pode acreditar que qualquer movimento na área financeira se arma como recuperação dos negócios e do emprego. Para as finanças, este vem por último. (Isso sem falar, que até agora, o desastre financeiro dos compradores de casas não foi resolvido, sequer razoavelmente encaminhado pelo governo, pelo Estado, pela nação.) Assim, a pergunta que se faz é a seguinte: é viável pensar que a recessão acabou? Ou mesmo como nos diz Bernanke: há sinais de que ela está indo embora?
A morte é securitizada
E, efetivamente, as finanças, depois da folga, depois do tempo para recomposição, estão pondo, estão combinando ideologia, prática e teoria, novamente. E estão proclamando que a recessão terminou. E para justificar as suas palavras, elas já estão inventando novos produtos. Um exemplo magnífico é o novo produto da securitização das apólices de seguro de vida. Essa inovação financeira significa que você agora pode fazer um seguro sobre a sua existência, e com esta apólice transferí-la para uma instituição financeira, recebendo com uma taxa de desconto, o valor segurado. Essa operação dá o direito à referida entidade, quando você morrer, o recebimento do valor transacionado. E, portanto, em princípio, neste momento, valorizar a sua aplicação mediante uma renda financeira. Só que isso, dado o próprio sistema de auto-regulação e do processo de securitização, pode encadear uma série de papéis, inclusive “tranches” com ativos tóxicos, que vai nos levar, cedo ou tarde, de retorno aos caminhos já traçados pela financeirização da economia nos últimos tempos. E dizem que o raio não pode cair duas vezes no mesmo lugar... Alea jacta est. O ponto é o seguinte: o que vai fazer o Congresso? O que vai fazer o governo americano? Qual a posição do G-20? Pois, é óbvio, o raio não vai se despencar somente sobre nos Estados Unidos. No mínimo, também sobre a Inglaterra, pois como nos falava Peter Gowan, Wall Street não existe sem a sua valorosa companheira, o apêndice londrino da City.
Olhai os lírios da economia
O Lula agora está convocando os industriais a investirem, depois de ter criado condições para que alguns setores esvaíssem o seu estoque e o emprego não desabasse. Ele não deixa de ser o grande caixeiro viajante da sociedade brasileira, o nosso vendedor de flocos de algodão doce do parque de diversões. Este gesto demonstra várias coisas: em primeiro lugar, revela o limite do Estado numa sociedade neoliberal. O Brasil, que é um país de tradição estatal, o máximo que pôde fazer foi, sem dúvida, isentar de impostos o setor automobilístico, o setor de eletrodomésticos, o setor de material de construção civil, o setor de bens de capital. Ou seja, não pôde assumir um projeto de nação independente, nem fazer um programa de investimento que dirigisse o país para um certo destino. Tudo porque o clima do atual capitalismo é a ginástica complicada de passar os rendimentos financeiros para o consumo, e deste para o investimento. Desta forma, o gasto em consumo, se ocorre, passa por compras de bens duráveis e não-duráveis. E estes dispêndios só levarão ao desembolso de recursos em investimento, só e somente, após a ocupação da capacidade ociosa das empresas. Ou seja, é muita coisa de provável e de improvável. Tem que haver inovações financeiras. Elas tem que dar resultados monetários. E estes resultados não podem ser totalmente poupados ou investidos novamente no mercado financeiro. Eles têm que ser canalizados para o consumo. E as fábricas têm que ser usadas ao máximo. Ao mesmo tempo, os empresários têm que achar que a demanda vai continuar alta, pois se não, a resposta vai ser o aumento de preços, e jamais ao aumento do investimento. As empresas produtivas, por outro lado têm que ter acesso ao crédito, sobretudo de longo prazo. Elas têm que poder lançar papéis em bolsa. Tem que etc., etc. O processo do investimento, portanto, é uma longa trajetória de probabilidades e improbabilidades até chegar a se realizar. E os empresários, com toda razão, ficam temerosos e buscam ter certeza sobre uma possível demanda. E tudo se avulta no temor quando a economia mundial parece não se mexer. Só a China não faz esse trajeto, e por isso é mais rápida, porque como o capitalismo chinês é financeiro e estatal, o Estado pode promover um pacote de investimentos para tentar barrar o crescimento do desemprego, numa reconversão da estrutura da produção. Assim, diante dos embaraços a investir produtivamente, Lula está assumindo o papel de criador de ambiente para que a economia brasileira tente sair do chão. E ele está certo. (O que não exclui os rendimentos eleitorais para a candidatura da Dilma se isto ocorrer dando ao PIB o sopro indispensável.)
Empresários do mundo, investi!
Na época getulista, as escolas tinham pregado nas paredes a frase “Criança ama a terra em que nasceste”. Pois, parece que Lula e Obama e Sarkozy e Gordon Brown e todos os governantes do mundo estão operando o teatro da busca do investimento. Proust diria do investimento perdido. Porque, nas dobras dos eventos econômicos, se a economia não for regulada (é preciso escrever em caixa alta: “SE A ECONOMIA NÃO FOR REGULADA”), o dinheiro ou vai ficar trancado na preferência pela liquidez ou vai andar atrás de novos produtos financeiros para serem securitizados (ao estilo dessas apólices de seguro de vida). E só depois, e “muito depois” como dizia o samba. aparece “a estrela do mar”, isto é, o investimento. A pergunta fundamental fica cada vez mais clara: não se trata de uma decisão política da sociedade de repensar este destino de subordinar todo o movimento da economia à necessidade de dar aos bancos e ao setor financeiro o combustível e tempo para que eles deslanchem e descubram formas de ganho? Dito de um segundo modo: não é uma decisão política, que só após a resolução das finanças, a sociedade se preocupe com a produção e, sobretudo, com o emprego?
Na crise de 1930, Keynes escreveu um livro que se chamava “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”. Ou seja, o emprego vinha em primeiro lugar. E foi só por isso que a economia progrediu fantasticamente no pós-guerra. A economia se transformou, se sofisticou; e até se financeirizou mais tarde. Mas a lição do emprego foi, é e será de grande valia para a economia capitalista na emergência de uma crise. (Obviamente, os financistas mataram essa aula!) E claro, Obama tem razão: as finanças precisam ser funcionais para a nova economia que se desenha em cima de novas tecnologias para os múltiplos mercados e com novas energias. O mundo hoje, é sem dúvida, uma grande comédia, se não fosse uma grande pequena tragédia. Não temos mais Édipos, nem Hamlets, temos os bufos do sistema financeiro ao redor da tumba do desemprego, clamando por novas securitizações. E depois prendem apenas o Madoff. Mas, o que vale a prisão de um Madoff num mundo cheio de Madoffs? Que a sociedade sustente o apoio ao investimento!
Por Enéas de Souza
Uma crise que tinha tudo para virar uma depressão e que se tornou uma grande recessão, ao menos até o momento, nos leva a meditar sobre o lado político dos acontecimentos, inclusive na atuação e os méritos do Estado. Antes de mais nada, o que observamos é que o capital tem o domínio total da sociedade e, dentro do capital, o setor financeiro tem levado a melhor. Ele é o centro solar do universo econômico. No momento, vive um instante dramático porque aquele poder absoluto, vigoroso, charmoso e, ao mesmo tempo, arrogante, impositivo, fazendo apologia de si mesmo, foi substituído por um período onde as finanças foram postas em questão. Por quê?
A coesão na divergência
Primeiro porque o setor sofreu um abalo econômico, político e porque não dizer emocional, uma vez que lhe escapava a lucratividade dos tempos da vertigem especulativa, aquela música que tinha dançado antes. E, em segundo lugar, porque essa decadência da renda financeira dividiu o setor, provocou bancarrotas e diferenças de estatuto do sucesso das entidades da área. E, claro, posições divergentes só trazem posturas distintas quanto às propostas de saída da crise. Seja de como cada um vai sair da crise, seja porque alguns foram eliminados no caminho, seja pelos interesses que se tornam claramente opostos. Portanto, se estabeleceu imediatamente uma luta fratricida e bélica de envergadura. Só que, diante da ameaça do extermínio de sua liberdade, os capitais pastando na área financeira, mesmo com contradições, encontraram uma ação minimamente coerente, uma espécie de reconversão ou uma tentativa de restauração do império financeiro. Nesta direção, nos Estados Unidos, foi trabalhada, ao longo do tempo, uma série de medidas para construir uma frente do setor: jogar pesado política e ideologicamente contra a nacionalização dos bancos; jogar ideológica, congressual e praticamente contra a regulação desejada pela sociedade, aceitando uma regulação que seja favorável e garanta o lado financeiro da economia; construir um cerco ao presidente Obama com titulares de cargos que sejam favoráveis ao seu grupo e à sua visão; resistir o máximo possível à proposição de limitar os amados bônus dos dirigentes financistas; assegurar que a política econômica, na sua parte monetária e financeira, defenda tanto capital e bailouts do Estado como as ajudas financeiras do Banco Central e as mudanças de critério na contabilidade para permitir o manejo dos ativos tóxicos; preparar o Estado para que os déficits fiscais venham a cobrir furos financeiros e não necessariamente necessidades do setor produtivo e da população; manter uma relação de liderança com a mídia, capaz de fazer com que esta apenas desgaste a superfície das finanças, limando as bordas ao atacar Maddof, o vigarista e apoiando o núcleo, ao louvar, por exemplo, o Goldman Sachs, por suas invenções e seu apetite de risco. Como disse um entrevistado num programa de televisão: o risco faz parte da cultura americana (sic!).
Camões inspirando a mídia para as finanças
A conclusão imediata a qual se chega é apenas uma: apesar de um ano de desastre financeiro, o Estado continua dominado pelas finanças, trabalhando, apoiando e aprovando estratégias financeiras para a saída da crise. E tendo conseguido para a área cada vez mais tempo para ela pudesse pensar, planejar e agir. Com isso, conceberam – as finanças e o Estado – um sentimento absolutamente novo: o pior da crise já passou. Pois esta chegou a um patamar de segurança, onde a economia financeira parou de cair. O que parece real, sobretudo com a corneta gloriosa, “a tuba canora e belicosa” como diria Camões, dos múltiplos setores da imprensa. Mas, lá no porão do Estado, as contas públicas estão se deteriorando, e o dólar anda em discórdia com a vida e está sendo um pouco mal visto e até mal aceito. Ninguém mais se espanta: ele começa a ser questionado. O importante é saber se este movimento e esta tendência são passageiros. Sinais contrários apareceram, apontando para um horizonte de cores cinzas, quem sabe, negras, na elevação do preço do ouro e na busca de construção de uma de reserva monetária internacional chinesa.
A conversa mole da recessão que terminou
Em todo caso, os Estados Unidos continuam em recessão. Aliás, é bom discutir o que é uma recessão. Vamos combinar que diremos que uma economia está em recessão quando ela não cobre a necessidade de investimento capaz de incorporar, no processo de trabalho, os candidatos de uma nova geração de trabalhadores. Portanto, quando não oferece oportunidade de emprego para atender o crescimento anual de uma população de uma determinada sociedade. O leitor pense um pouco comigo. Nos Estados Unidos, temos 9,7% de taxa de desemprego, sem contar os novos pretendentes. Realmente, estes números sustentam a idéia de que a economia saiu da recessão? Obviamente, para começar a afastar-se dela a atividade econômica teria que estar recomeçando a recuperar o emprego daqueles quase 10% que falamos acima e ensaiando um projeto de empregar os novos advindos ao mercado de trabalho, no rumo do pleno emprego (Será que algum dia as finanças ouviram falar no assunto?). Naturalmente, estamos muito longe disso. E por quê? Primeiro, porque a tentativa de saída da economia é continuadamente um pensar a recuperação pelo lado das finanças. E para estas sim, pouco importa, imediatamente, se as pessoas estão empregadas ou não. A solução da economia para as instituições financeiras é provocar uma dinâmica de alavancagem, de crédito e de securitização que leve e retorne aos polpudos rendimentos nas suas aplicações. O emprego é um efeito derivado destas rendas. Pois parte delas, se tornando consumo, por derivação, quando a capacidade ociosa da produção vai se esgotando, se transformam em investimento. E só aí ocorre a recuperação do emprego, que é também ajudado pelo ressurgimento dos serviços ligados à esfera produtiva. O terceiro fato de crescimento do emprego surge de uma reativação do mercado externo. Não existe nesta visão das finanças nenhuma questão social do emprego. A finance led growth não é automática e nem promove a recuperação e criação de postos de trabalho como reativação da economia. Portanto, para quem pensa em termos de sociedade, não pode acreditar que qualquer movimento na área financeira se arma como recuperação dos negócios e do emprego. Para as finanças, este vem por último. (Isso sem falar, que até agora, o desastre financeiro dos compradores de casas não foi resolvido, sequer razoavelmente encaminhado pelo governo, pelo Estado, pela nação.) Assim, a pergunta que se faz é a seguinte: é viável pensar que a recessão acabou? Ou mesmo como nos diz Bernanke: há sinais de que ela está indo embora?
A morte é securitizada
E, efetivamente, as finanças, depois da folga, depois do tempo para recomposição, estão pondo, estão combinando ideologia, prática e teoria, novamente. E estão proclamando que a recessão terminou. E para justificar as suas palavras, elas já estão inventando novos produtos. Um exemplo magnífico é o novo produto da securitização das apólices de seguro de vida. Essa inovação financeira significa que você agora pode fazer um seguro sobre a sua existência, e com esta apólice transferí-la para uma instituição financeira, recebendo com uma taxa de desconto, o valor segurado. Essa operação dá o direito à referida entidade, quando você morrer, o recebimento do valor transacionado. E, portanto, em princípio, neste momento, valorizar a sua aplicação mediante uma renda financeira. Só que isso, dado o próprio sistema de auto-regulação e do processo de securitização, pode encadear uma série de papéis, inclusive “tranches” com ativos tóxicos, que vai nos levar, cedo ou tarde, de retorno aos caminhos já traçados pela financeirização da economia nos últimos tempos. E dizem que o raio não pode cair duas vezes no mesmo lugar... Alea jacta est. O ponto é o seguinte: o que vai fazer o Congresso? O que vai fazer o governo americano? Qual a posição do G-20? Pois, é óbvio, o raio não vai se despencar somente sobre nos Estados Unidos. No mínimo, também sobre a Inglaterra, pois como nos falava Peter Gowan, Wall Street não existe sem a sua valorosa companheira, o apêndice londrino da City.
Olhai os lírios da economia
O Lula agora está convocando os industriais a investirem, depois de ter criado condições para que alguns setores esvaíssem o seu estoque e o emprego não desabasse. Ele não deixa de ser o grande caixeiro viajante da sociedade brasileira, o nosso vendedor de flocos de algodão doce do parque de diversões. Este gesto demonstra várias coisas: em primeiro lugar, revela o limite do Estado numa sociedade neoliberal. O Brasil, que é um país de tradição estatal, o máximo que pôde fazer foi, sem dúvida, isentar de impostos o setor automobilístico, o setor de eletrodomésticos, o setor de material de construção civil, o setor de bens de capital. Ou seja, não pôde assumir um projeto de nação independente, nem fazer um programa de investimento que dirigisse o país para um certo destino. Tudo porque o clima do atual capitalismo é a ginástica complicada de passar os rendimentos financeiros para o consumo, e deste para o investimento. Desta forma, o gasto em consumo, se ocorre, passa por compras de bens duráveis e não-duráveis. E estes dispêndios só levarão ao desembolso de recursos em investimento, só e somente, após a ocupação da capacidade ociosa das empresas. Ou seja, é muita coisa de provável e de improvável. Tem que haver inovações financeiras. Elas tem que dar resultados monetários. E estes resultados não podem ser totalmente poupados ou investidos novamente no mercado financeiro. Eles têm que ser canalizados para o consumo. E as fábricas têm que ser usadas ao máximo. Ao mesmo tempo, os empresários têm que achar que a demanda vai continuar alta, pois se não, a resposta vai ser o aumento de preços, e jamais ao aumento do investimento. As empresas produtivas, por outro lado têm que ter acesso ao crédito, sobretudo de longo prazo. Elas têm que poder lançar papéis em bolsa. Tem que etc., etc. O processo do investimento, portanto, é uma longa trajetória de probabilidades e improbabilidades até chegar a se realizar. E os empresários, com toda razão, ficam temerosos e buscam ter certeza sobre uma possível demanda. E tudo se avulta no temor quando a economia mundial parece não se mexer. Só a China não faz esse trajeto, e por isso é mais rápida, porque como o capitalismo chinês é financeiro e estatal, o Estado pode promover um pacote de investimentos para tentar barrar o crescimento do desemprego, numa reconversão da estrutura da produção. Assim, diante dos embaraços a investir produtivamente, Lula está assumindo o papel de criador de ambiente para que a economia brasileira tente sair do chão. E ele está certo. (O que não exclui os rendimentos eleitorais para a candidatura da Dilma se isto ocorrer dando ao PIB o sopro indispensável.)
Empresários do mundo, investi!
Na época getulista, as escolas tinham pregado nas paredes a frase “Criança ama a terra em que nasceste”. Pois, parece que Lula e Obama e Sarkozy e Gordon Brown e todos os governantes do mundo estão operando o teatro da busca do investimento. Proust diria do investimento perdido. Porque, nas dobras dos eventos econômicos, se a economia não for regulada (é preciso escrever em caixa alta: “SE A ECONOMIA NÃO FOR REGULADA”), o dinheiro ou vai ficar trancado na preferência pela liquidez ou vai andar atrás de novos produtos financeiros para serem securitizados (ao estilo dessas apólices de seguro de vida). E só depois, e “muito depois” como dizia o samba. aparece “a estrela do mar”, isto é, o investimento. A pergunta fundamental fica cada vez mais clara: não se trata de uma decisão política da sociedade de repensar este destino de subordinar todo o movimento da economia à necessidade de dar aos bancos e ao setor financeiro o combustível e tempo para que eles deslanchem e descubram formas de ganho? Dito de um segundo modo: não é uma decisão política, que só após a resolução das finanças, a sociedade se preocupe com a produção e, sobretudo, com o emprego?
Na crise de 1930, Keynes escreveu um livro que se chamava “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”. Ou seja, o emprego vinha em primeiro lugar. E foi só por isso que a economia progrediu fantasticamente no pós-guerra. A economia se transformou, se sofisticou; e até se financeirizou mais tarde. Mas a lição do emprego foi, é e será de grande valia para a economia capitalista na emergência de uma crise. (Obviamente, os financistas mataram essa aula!) E claro, Obama tem razão: as finanças precisam ser funcionais para a nova economia que se desenha em cima de novas tecnologias para os múltiplos mercados e com novas energias. O mundo hoje, é sem dúvida, uma grande comédia, se não fosse uma grande pequena tragédia. Não temos mais Édipos, nem Hamlets, temos os bufos do sistema financeiro ao redor da tumba do desemprego, clamando por novas securitizações. E depois prendem apenas o Madoff. Mas, o que vale a prisão de um Madoff num mundo cheio de Madoffs? Que a sociedade sustente o apoio ao investimento!
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