CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
28 de abril de 2011
Coluna das quintas
AS DUAS
GRANDES
ADVERSIDADES
DE DILMA
Por Enéas de Souza
1)As novas questões do Brasil passam pela reordenação de sua política de longo e de curto prazo. Na época de Lula tivemos a passagem, com o olho bem aberto, de objetivos imediatos, marca de FHC dominado pelo neoliberalismo, para um tratamento estratégico dos dois termos temporais citados, definidos por um projeto nacional. O objetivo era sair do labirinto de políticas de duração exígua, concepção do setor financeiro, rumo a uma inserção do Brasil na ordem econômica da globalização. Um futuro mais claro à frente com uma novidade substancial: uma política econômica de melhoria da renda e do emprego. Fazia parte deste projeto a presença do país como um ator de média estatura na política externa, alvo que foi plenamente atingido, tanto que Lula se tornou a grande figura da política mundial em 2010.
2) É preciso ver que as ações na realidade externa são expressões do lado de dentro da sociedade, com uma dose de pimenta dada pelo Estado. O jogo dos grupos sociais tinha se alterado na arena de combates do Brasil durante a primeira década do século XXI. Uma força vital começou a desaguar no governo lulista através do apoio das classes menos favorecidas, por causa da nova formulação da política econômica. E esta força voluptuosa cresceu diante da articulação/desarticulação financeira e produtiva, sobretudo porque esta última área, insatisfeita com a imperiosidade das finanças, aderiu a um projeto mais produtivista, mais de acordo com a facção social que Lula representava. E o grande emblema dessa mutação foi José de Alencar, figura que revelou muito bem essa faceta, pondo uma garantia e um cimento entre a produção e os trabalhadores. Cabe destacar igualmente que as finanças perderam terreno, pois tiveram uma paralisia na sua aliança internacional/nacional por ocasião da crise de 2007. A divergência dos empresários, a associação capital produtivo/trabalho e o crescimento da figura da população transformaram o campo da ação política de Lula.
3) O tempo é algoz implacável dos homens e das sociedades. E vai alterando as suas configurações, uma vez que ele se opõe a si próprio. Como a água, toma a forma de outros recipientes, de outros copos, de outros cálices. Então, o mundo, assumindo a fisionomia do rio de Heráclito, muda de forma permanente. A consequência é que Dilma encontrou, após a eleição, uma dupla adversidade no plano de vôo da nação. A primeira aparece no campo externo: o mundo apresenta uma enredada mundialização em tumulto. Aqui há uma acentuada presença ativa da China, acumulando triunfos políticos e econômicos, com uma estratégia nítida e insistente. Aqui há também um desequilíbrio americano, com ponteiros domésticos em desacerto, buscando fazer uma revisão dolorosa de sua política externa unilateral e militar, tentando barrar os revezes financeiros privados e públicos, e percebendo uma decadência produtiva e mercantil a exigir uma metamorfose tecnológica e empresarial. Ou seja, a geo-economia e geopolítica do planeta aquecem a temperatura dos conflitos. Desenha-se a figura de uma rota de futura bi-polaridade, atravessada, Deus dirá se é verdade, por tintas e cores de múltiplas influências, pois a Índia, a Rússia e o Brasil e tantos outros, tratam de alterar suas posições relativas no conjunto internacional em movimento.
4) Dito de outra forma: Dilma está em face de uma outra etapa de uma nova ordem política e econômica mundial. Tem que ter cautela para agir. E para bem agir, há que pesar os caminhos retos, sinuosos, ou em ziguezague, o mundo não tem mais a cara da unipolaridade americana. Ele está mais complexo e mais à beira do precipício. Os quatro cavaleiros do apocalipse ainda estão cavalgando: crise financeira em desdobramento, mudança do tabuleiro dos conflitos políticos, retorno do movimento social para a ultra-direita e ideologia selvagem dos cortes sociais.
5) Esmiuçando a segunda adversidade, que tem origem nas discórdias internas, vê-se que Dilma está diante de um quadro de luta social mais candente. O fogo do caldeirão já está aceso. Os banqueiros que estavam felizes, com FHC e com Lula, viram, no final do Lula II, as astúcias desse último. A política econômica escorada nos interesses dos bancos e do capital internacional tinha agora um novo sócio; sócio minoritário, de fato, mas novo sócio: as classes trabalhadoras e as deserdadas. Lula tinha feito uma manobra fantástica, com as sobras dos recursos dirigidos às finanças, achou uma janela entreaberta. E culminou por construir uma política coerente para as classes pobres (desde uma política de aumento real do salário mínimo, do programa Bolsa-Família até o começo de uma outra política de habitação). Hoje, estes passos elevaram as tensões sociais de maneira muito forte. Os bancos retornaram, junto com um novo suspiro das finanças internacionais, com o desespero da grande imprensa e de parte dos empresários produtivos ameaçados pela China, a forçarem uma política mais conservadora. Na verdade, o objetivo dos bancos é retornar e desenvolver uma política econômica de figurino financeiro. Em resumo: Dilma está diante desta onda de revival neoliberal, onda do Ocidente e onda brasileira.
6) Por sua vez, as classes trabalhadoras e setores marginalizados, da cidade e do campo, querem avançar. Mas seu desejo está mais para um desejo de melhoria de vida atual, ou seja, desejam novas e mais mercadorias – de moradias às carros – ou seja, um considerável e justo aumento do padrão de vida – e imediatamente. Parece não existir assim espaço, na hora presente, para uma correção de política na direção de uma maior socialização e para uma nova sociedade que seja mais igualitária, que tenha uma cultura menos banal, que tenha uma passagem para o longo prazo diferente da continuidade desse processo em vigor. Nesse sentido, a luta na sociedade se tornou mais aguçada que no tempo de Lula. Para alterar o rumo, há que traçar uma política que concilie os problemas de agora com a política de futuro. Mas as finanças querem acabar com a política e a estratégia de longo alcance, pois a eles só interessam os ganhos do momento. Esse festival de aporte de capitais internacionais é o que interessa, pois é aí que vai o seu objetivo rentista.
7) Para encarar essa dupla adversidade, Dilma tem que contar com o Estado. E a pergunta é: onde está o Estado? No final do Lula II, como conseqüência inclusive da ação do PAC, o curso estatal se dirigia para uma maior intervenção na economia. Mas o combate das forças sociais tem detido o seu crescimento, já que ele esbarra na resistência dos dominantes e nas múltiplas questões que se agravam no país. Infraestrutura pública (logística e urbana), financiamento do investimento, formação de quadros burocráticos, decomposição do quadro político-partidário, retorno da pressão financeira, etc., etc. Dilma, nesse ponto, está dando passos cautelosos, ao menos na minha consideração. Há uma floresta enevoada na sua frente. Daí a dificuldade de estabelecer, através de uma análise precisa e de uma inteligência esperta, uma estratégia coerente, articulando o longo e curto prazo. E essa observação é nítida, uma vez que a estratégia antiga, a dos tempos de Lula, tem que ser alterada. E Dilma sabe disso e não pode errar, a pressa pode levar a uma terceira adversidade, o atraso do Brasil em relação aos seus parceiros e ao avanço social interno. Há ciladas por toda parte. Na política econômica presente, por exemplo, a gente constata juros elevados, taxa de câmbio em posição contrária à produção, uma desindustrialização inquietante, uma inflação mundial que, por enquanto, está controlada, mas que está aí com a máscara da ameaça.
8) A conclusão: o Estado não conseguiu dar um salto próprio, nem conseguiu realizar uma parceria hegemônica com o setor privado, capaz de atuar no interesse nacional e não no interesse dos grupos particulares. Por isso, não tem forças para poder controlar o câmbio, nem definir positivamente a taxa de juros, nem ter uma política econômica global, etc. O governo de Dilma está agindo cautelosamente para não perder os pontos conquistados. Sente-se, portanto, que o Estado não mudou de patamar. Seja porque as relações das forças sociais nacionais e internacionais não permitem; seja porque o governo ainda está se instalando; seja porque ainda está enfraquecido pela ideologia neoliberal que teve vigência desde os anos 90; seja porque, na luta internacional, o modelo chinês de presença do Estado não encontrou ainda caminho de expansão; seja porque é preciso novamente acumular forças para tentar progredir para uma nova organização estatal, tanto para aumentar as conquistas sociais internas como para encarar o pesado jogo das disputas entre os diferentes Estados. Por qual a razão seja, inclusive levando em conta todas juntas, o Brasil de Dilma está em face das adversidades descritas e da necessidade de rearticular uma política e uma estratégia do dia a dia com o longo prazo. Logo, precisa pesar as forças em contenda e vislumbrar com clareza as oportunidades que surgirão. Por isso, o gesto político fundamental nesta hora indefinida é cautela. Cautela por tática e não por medo. Cautela para dar o passo certo no momento adequado. Está aí exposto o nervo frontal do desafio.
2) É preciso ver que as ações na realidade externa são expressões do lado de dentro da sociedade, com uma dose de pimenta dada pelo Estado. O jogo dos grupos sociais tinha se alterado na arena de combates do Brasil durante a primeira década do século XXI. Uma força vital começou a desaguar no governo lulista através do apoio das classes menos favorecidas, por causa da nova formulação da política econômica. E esta força voluptuosa cresceu diante da articulação/desarticulação financeira e produtiva, sobretudo porque esta última área, insatisfeita com a imperiosidade das finanças, aderiu a um projeto mais produtivista, mais de acordo com a facção social que Lula representava. E o grande emblema dessa mutação foi José de Alencar, figura que revelou muito bem essa faceta, pondo uma garantia e um cimento entre a produção e os trabalhadores. Cabe destacar igualmente que as finanças perderam terreno, pois tiveram uma paralisia na sua aliança internacional/nacional por ocasião da crise de 2007. A divergência dos empresários, a associação capital produtivo/trabalho e o crescimento da figura da população transformaram o campo da ação política de Lula.
3) O tempo é algoz implacável dos homens e das sociedades. E vai alterando as suas configurações, uma vez que ele se opõe a si próprio. Como a água, toma a forma de outros recipientes, de outros copos, de outros cálices. Então, o mundo, assumindo a fisionomia do rio de Heráclito, muda de forma permanente. A consequência é que Dilma encontrou, após a eleição, uma dupla adversidade no plano de vôo da nação. A primeira aparece no campo externo: o mundo apresenta uma enredada mundialização em tumulto. Aqui há uma acentuada presença ativa da China, acumulando triunfos políticos e econômicos, com uma estratégia nítida e insistente. Aqui há também um desequilíbrio americano, com ponteiros domésticos em desacerto, buscando fazer uma revisão dolorosa de sua política externa unilateral e militar, tentando barrar os revezes financeiros privados e públicos, e percebendo uma decadência produtiva e mercantil a exigir uma metamorfose tecnológica e empresarial. Ou seja, a geo-economia e geopolítica do planeta aquecem a temperatura dos conflitos. Desenha-se a figura de uma rota de futura bi-polaridade, atravessada, Deus dirá se é verdade, por tintas e cores de múltiplas influências, pois a Índia, a Rússia e o Brasil e tantos outros, tratam de alterar suas posições relativas no conjunto internacional em movimento.
4) Dito de outra forma: Dilma está em face de uma outra etapa de uma nova ordem política e econômica mundial. Tem que ter cautela para agir. E para bem agir, há que pesar os caminhos retos, sinuosos, ou em ziguezague, o mundo não tem mais a cara da unipolaridade americana. Ele está mais complexo e mais à beira do precipício. Os quatro cavaleiros do apocalipse ainda estão cavalgando: crise financeira em desdobramento, mudança do tabuleiro dos conflitos políticos, retorno do movimento social para a ultra-direita e ideologia selvagem dos cortes sociais.
5) Esmiuçando a segunda adversidade, que tem origem nas discórdias internas, vê-se que Dilma está diante de um quadro de luta social mais candente. O fogo do caldeirão já está aceso. Os banqueiros que estavam felizes, com FHC e com Lula, viram, no final do Lula II, as astúcias desse último. A política econômica escorada nos interesses dos bancos e do capital internacional tinha agora um novo sócio; sócio minoritário, de fato, mas novo sócio: as classes trabalhadoras e as deserdadas. Lula tinha feito uma manobra fantástica, com as sobras dos recursos dirigidos às finanças, achou uma janela entreaberta. E culminou por construir uma política coerente para as classes pobres (desde uma política de aumento real do salário mínimo, do programa Bolsa-Família até o começo de uma outra política de habitação). Hoje, estes passos elevaram as tensões sociais de maneira muito forte. Os bancos retornaram, junto com um novo suspiro das finanças internacionais, com o desespero da grande imprensa e de parte dos empresários produtivos ameaçados pela China, a forçarem uma política mais conservadora. Na verdade, o objetivo dos bancos é retornar e desenvolver uma política econômica de figurino financeiro. Em resumo: Dilma está diante desta onda de revival neoliberal, onda do Ocidente e onda brasileira.
6) Por sua vez, as classes trabalhadoras e setores marginalizados, da cidade e do campo, querem avançar. Mas seu desejo está mais para um desejo de melhoria de vida atual, ou seja, desejam novas e mais mercadorias – de moradias às carros – ou seja, um considerável e justo aumento do padrão de vida – e imediatamente. Parece não existir assim espaço, na hora presente, para uma correção de política na direção de uma maior socialização e para uma nova sociedade que seja mais igualitária, que tenha uma cultura menos banal, que tenha uma passagem para o longo prazo diferente da continuidade desse processo em vigor. Nesse sentido, a luta na sociedade se tornou mais aguçada que no tempo de Lula. Para alterar o rumo, há que traçar uma política que concilie os problemas de agora com a política de futuro. Mas as finanças querem acabar com a política e a estratégia de longo alcance, pois a eles só interessam os ganhos do momento. Esse festival de aporte de capitais internacionais é o que interessa, pois é aí que vai o seu objetivo rentista.
7) Para encarar essa dupla adversidade, Dilma tem que contar com o Estado. E a pergunta é: onde está o Estado? No final do Lula II, como conseqüência inclusive da ação do PAC, o curso estatal se dirigia para uma maior intervenção na economia. Mas o combate das forças sociais tem detido o seu crescimento, já que ele esbarra na resistência dos dominantes e nas múltiplas questões que se agravam no país. Infraestrutura pública (logística e urbana), financiamento do investimento, formação de quadros burocráticos, decomposição do quadro político-partidário, retorno da pressão financeira, etc., etc. Dilma, nesse ponto, está dando passos cautelosos, ao menos na minha consideração. Há uma floresta enevoada na sua frente. Daí a dificuldade de estabelecer, através de uma análise precisa e de uma inteligência esperta, uma estratégia coerente, articulando o longo e curto prazo. E essa observação é nítida, uma vez que a estratégia antiga, a dos tempos de Lula, tem que ser alterada. E Dilma sabe disso e não pode errar, a pressa pode levar a uma terceira adversidade, o atraso do Brasil em relação aos seus parceiros e ao avanço social interno. Há ciladas por toda parte. Na política econômica presente, por exemplo, a gente constata juros elevados, taxa de câmbio em posição contrária à produção, uma desindustrialização inquietante, uma inflação mundial que, por enquanto, está controlada, mas que está aí com a máscara da ameaça.
8) A conclusão: o Estado não conseguiu dar um salto próprio, nem conseguiu realizar uma parceria hegemônica com o setor privado, capaz de atuar no interesse nacional e não no interesse dos grupos particulares. Por isso, não tem forças para poder controlar o câmbio, nem definir positivamente a taxa de juros, nem ter uma política econômica global, etc. O governo de Dilma está agindo cautelosamente para não perder os pontos conquistados. Sente-se, portanto, que o Estado não mudou de patamar. Seja porque as relações das forças sociais nacionais e internacionais não permitem; seja porque o governo ainda está se instalando; seja porque ainda está enfraquecido pela ideologia neoliberal que teve vigência desde os anos 90; seja porque, na luta internacional, o modelo chinês de presença do Estado não encontrou ainda caminho de expansão; seja porque é preciso novamente acumular forças para tentar progredir para uma nova organização estatal, tanto para aumentar as conquistas sociais internas como para encarar o pesado jogo das disputas entre os diferentes Estados. Por qual a razão seja, inclusive levando em conta todas juntas, o Brasil de Dilma está em face das adversidades descritas e da necessidade de rearticular uma política e uma estratégia do dia a dia com o longo prazo. Logo, precisa pesar as forças em contenda e vislumbrar com clareza as oportunidades que surgirão. Por isso, o gesto político fundamental nesta hora indefinida é cautela. Cautela por tática e não por medo. Cautela para dar o passo certo no momento adequado. Está aí exposto o nervo frontal do desafio.
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