quinta-feira, abril 14, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
15 de abril de 2011
Coluna das quintas



DO TEATRO DA
POLÍTICA MUNDIAL
À CRISE PORTUGUESA
Por Enéas de Souza




Retorno das férias, tendo passado um tempo na Europa. E vou fazer algumas observações sobre diversos aspectos da geopolítica e da geoeconomia mundial, que de lá pude observar.



O JOGO DOS CACHORROS GRANDES

O grande jogo estratégico dos Estados Unidos é tentar uma rivalidade USA-China, agora, na brasa, onde certamente levariam vantagens, se tudo continuasse no ritmo presente. Mas o jogo é muito mais complicado. Primeiro, a China não está indo nessa. Está jogando bem com uma idéia de multiplicidade de pólos, os BRICS, embora com alta divergência, podem ser ligeiramente hegemonizados por ela, exatamente pelo seu atual poder econômico. Sim, a China tem dinheiro, tem indústria, tem uma perspectiva tecnológica, tem um Estado que joga pesado, tem uma diplomacia ativa. E, sobretudo, tem sabido evitar os confrontos que eventualmente os Estados Unidos propõem, porque ela tem uma estratégia de longo prazo. Não acredito, pelo nível da velocidade de vôo do mundo, que o poder americano seja batido a curto prazo. O que é certo é que os Estados Unidos não podem manter uma hegemonia financeira privada, com um Estado com uma dívida enorme, um déficit não totalmente controlável e uma política externa com derrotas acachapantes como a do Iraque e tão sem proposta de longo prazo. O que não quer dizer que não poderão encontrá-la. O problema é que as finanças continuam mandando e desatando os objetivos mais coletivos, via lobby, detonando, com essa astúcia vulgar, as intenções positivas do governo de Obama. E, além disso, todo mundo sabe, é de uma palpabilidade irritante, as finanças não têm projeto de longo alcance. Só lhe interessa o caráter rentista da economia, que são evidentemente os resultados imediatos do jogo financeiro. Desse jeito, a China está dando um salto estratégico fundamental; segundo no ranking das nações ela já é. Portanto, fiquemos atentos à atual visita da Dilma (e o renovado apoio da nação chinesa à pretensão do Brasil ao assento permanente no Conselho de Segurança) e à reunião dos BRICS, que está acontecendo hoje naquele país. Os ventos da Ásia estão soprando em direção ao Ocidente. E virão juntas, mentalidades novas em todas as áreas, da economia ao campo financeiro, da educação às alterações na cultura. E uma reorganização outra na ordem econômica e política mundial.



Será que estamos preparados para tal acontecimento?



JAPÃO EXPLODE A ENERGIA NUCLEAR



A crise japonesa, com a eclosão do sistema nuclear energético, parece sepultar, pelo menos de imediato, por temor, por segurança, por tecnologia, a perspectiva dessa energia substituir o petróleo. As questões de segurança espalham crises de medo até mesmo onde elas são dominantes e relativamente bem cuidadas, como na França, por exemplo. As turbulências no Oriente Médio ajudam – e muito – a agudizar o quadro energético, porém não deixam de reforçar incandescentemente o próprio petróleo como elemento essencial do atual quadro do setor. Claro, as alternativas da bioenergia, da energia eólica e da energia solar retornam com força. Mas tudo envolve investimento, custos, concorrências, apoios estatais, estratégias nacionais, conflitos militares, ideologias, etc. Logo, muita energia retórica e científica no campo das energias.



A FRANÇA VAI DANÇAR À ESQUERDA?



A Europa está sofrendo um processo grave de deslocamento do plano econômico internacional, com vários países em derrocada, como Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha, Itália e a própria França. O que se percebe é um triunfo da Alemanha, com Ângela Merkel firme no comando do processo, apesar de uma derrota interna recentemente. O triunfo alemão é tanto econômico quanto político. Ela está deixando a França, em franca deterioração sarkosyana, para trás e a Inglaterra com o seu contínuo discurso do rei – e do conservador Cameron – fazendo, como quase todos os atuais governantes, figuração e astúcias midiáticas. Na França, as duas eleições cantonais recentes, mostraram três fatos marcantes: a queda do sarkosysmo, a ascensão da filha de Le Pen e um triunfo quase animador dos socialistas. Em enquetes nos dias seguintes, o grande nome para “a presidencial” de 2012 será Dominique Strauss-Kahn, atual presidente do FMI. Disparado. Tem cara de francês, tem habilidade política, saiu-se bem na reformulação do gendarme econômico internacional e é dos socialistas com face capitalista. Portanto, confiável. E pasmem, Marine Le Pen está pronta para bater o pequeno Nicolas. E nesse sentido, o presidente da França está ameaçado de não entrar no segundo turno. E se isso ocorrer, o seu partido, o UMP, se dividirá entre a ultra-direita, o Partido da Front National e o Partido Socialista, com aparente e suave inclinação para o primeiro. A esquerda-esquerda parece desesperançada e cada vez mais sem munição, idéias e propostas. E ânimo. Contudo, o movimento social tende a se inclinar à esquerda, o que é paradoxal, mas indica que o tabuleiro político e ideológico, está a exigir das esquerdas uma reformulação de pensamento e de prática que não parecem em curso. Strauss-Kahn seria o coringa esquerda-capitalista.



O ARCO SINGULAR DE PORTUGAL



A crise portuguesa é vasta e está quebrando os azulejos dessa entrada da União Européia. E nos revela algo fundamental: Portugal é um país que cresceu por exclusiva integração com a Europa. E cresceu materialmente com uma básica infra-estrutura urbana de qualidade. Mas dominado pelo sistema financeiro e por uma capitalização estatal. O resultado desse processo foi uma vitória das finanças, apoiada pelo BCE, e uma corrupção incrível no campo do governo. Teremos, “já está lá”, o FMI – chamado por Boaventura Santos de “agência de segurança para os credores” – o que vai levar uma destruição da atual situação social portuguesa, baseada na idéia dos conservadores de que “os portugueses estão vivendo acima de suas posses”. O objetivo tem coloração nítida que é conseguir a renovação das finanças estatais, pela poupança e não pelo investimento e cujo final do filme já é conhecido: remodelar Portugal para que se torne fonte de novas vantagens aplicações dos bancos privados.



Na atual configuração internacional, Portugal é um lugar privilegiado para entender o artifício básico das finanças nacionais e internacionais: sugar os recursos do Estado, por meio da dívida e déficit, incentivando o descalabro e a corrupção da política. E depois dessa atuação econômica, as finanças geram via mídia e organismos internacionais, uma pressão econômica, baseadas, inclusive, nas agências de ratings. Essas funcionam como promotores de acusação e o FMI, em nome da saúde do país e da sociedade mundial, aplica sentenças que serão executadas por suas geralmente inflexíveis equipes. E a crise que era econômica e virou política, levou assim à necessidade lírica de “ajuda externa”. Temos então uma reviravolta da crise, que nem um trapezista de circo, ela, agora, dá um novo salto mortal e a política abdica de suas decisões para que haja uma solução econômica.



No entanto, crítico leitor, entendamos, você e eu, a perfídia da manobra. Essa solução econômica é, em verdade, um avanço político das finanças, porque o grande acusado passa a ser o Estado, sobretudo o fato conhecido: a corrupção dos políticos, o gasto excessivo com funcionários, as liberalidades evidentes dos encargos sociais, sobretudo os da saúde e previdenciários. O bilhete da aeronave da solução está entregue: vem o FMI, exige austeridade e sacrifícios – extremo rigor fiscal, dispensa de funcionários, diminuição do estatuto econômico dos aposentados, degradação dos serviços públicos, etc. Cortam-se os anéis; sim, sim, mas, não se deixam os dedos. Tiro certo: a privatização das empresas públicas. E se o país é frágil, faz-se como no tempo de FHC, a reestruturação do sistema financeiro local para sua maior eficácia no interior do sistema financeiro internacional. É perfeito como chantagem econômica, chantagem política. Tudo em nome do bem: reforma do teatro dos vícios.



Conclusão: a causa do desastre é a dinâmica das finanças, com sua expansão especulativa e predatória – vejam as especulações sobre o câmbio e as commodities. Mas a visibilidade social da crise se dá no campo da política. Os causadores dela são “os culpados de sempre”: o Estado e o povo – que vivem acima dos seus rendimentos. E no bar da sociedade, porque essa é uma solução de botequim, o preço é pago pelo Estado. Mas quem deu e dá e dará o dinheiro (e ficará sem bens materiais, financeiros e culturais) são os empregados públicos e privados, os desempregados, os aposentados, os pobres, os jovens, os imigrantes, etc. A fila é grande.




PS – Estava no Porto, quando Lula recebeu o título de Doctor Honoris Causa em Coimbra. Sucesso absoluto. A sua presença e o seu discurso ocuparam as primeiras páginas dos diários portugueses e ofuscaram a presença inglesa do príncipe Charles. O triunfo de Lula mostrou também o aumento de prestígio e de poder do Brasil. E todos ficaram comovidos com a palavra da Dilma, afirmando, com oportunidade política indiscutível, que o Brasil estaria disposto a ajudar a solucionar a crise de Portugal.







Nenhum comentário: