sexta-feira, outubro 19, 2007

A crise de crédito global e a globalização financeira

A Crise de Crédito Global: uma crise da globalização financeira[1]

A partir de meados de julho de 2007 o mundo financeiro tem sido fortemente chacoalhado por uma sucessão de eventos cuja gravidade não pode mais ser negada ou escondida. Palavras e siglas dantes desconhecidas ou de uso restrito dos especuladores mais diretamente interessados passaram subitamente às primeiras páginas dos cadernos financeiros e foram ouvidas dos lábios de embaraçados apresentadores no mundo blasé e eternamente cor-de-rosa do telejornalismo financeiro. Subprime, ABS, MBS, CDO, ABCP, CDPO e tantas outras siglas e expressões oriundas do mundo mágico da finança global, passaram a rimar com expressões bem mais antigas e conhecidas, com as quais o capitalismo ciclicamente nos brinda: crise, recessão e desemprego, dessa vez com sua origem na principal economia mundial, os Estados Unidos.
Paradoxalmente, a “sopa de letras” confunde e explica ao mesmo tempo. O mundo financeiro se tornou intencionalmente complexo e opaco, fonte de enormes lucros para “espertos” donos da melhor informação e do menor esforço. A chamada “alavancagem” – tomar empréstimos para assumir uma posição especulativa mais rentável em busca de um lucro diferencial ­– é hoje tão normal quanto acordar pela manhã, mesmo que, ao multiplicar ganhos nos momentos de alta, também possa inflar enormemente os prejuízos quando os ventos passam a soprar na direção oposta. E nesse caso, mesmo ventos inicialmente de pequena intensidade são capazes de gerar, na medida em que se intensificam com o acúmulo de prejuízos, estragos de grandes proporções.
Trata-se da primeira crise cujas características decorrem exclusivamente das especificidades do mundo financeiro criado a partir dos anos 1980, momento onde a confluência da desregulamentação com as novas tecnologias da informação liberaram forças cuja contenção escapa inclusive aos Bancos Centrais. A securitização e os derivativos – instrumentos de repartição do risco em um mundo cada vez mais incerto – predominam na busca da proteção, mas também nas “apostas” especulativas. Os fundos de investimento, de pensão, hedge e private equity proliferam e espalham esses títulos pelo planeta, interligando geograficamente mercados aparentemente distantes. Os bancos, procurando fugir das regras que lhes garantiriam a solvência em tempos de crise, criam seus próprios fundos para poderem conceder empréstimos acima dos limites prudenciais. As agências de notação – aquelas que dão notas e opiniões inclusive quanto à capacidade de solvência de países soberanos – participam da festa, chancelando como “seguros” títulos frutos da chamada “engenharia financeira”, cujas características lembram mais um desengonçado Frankenstein, a partir da cobrança de “módicas comissões” que engordam seus crescentes lucros. E tudo isso se passa sem que os Bancos Centrais possam ter uma visão sobre quem “carrega” esses títulos mais perigosos, conhecidos no mercado financeiro pelo sugestivo apelido de “lixo tóxico”.
E o que temos ao final se não uma enorme e perigosa “cascata de dívidas”, onde a inadimplência de um agente se reflete na capacidade de outro em honrar seus compromissos? E como saber quais são os títulos “podres” e as instituições em perigo quando a securitização e os derivativos espalharam os riscos em todas as direções e em diversas partes do mundo, sem supervisão adequada, a partir da confiança nas supostas virtudes da auto-regulação? A incerteza emerge com força inaudita nessa crise contemporânea, paralisando mercados tidos até ontem como “a salvo”, transformando a busca pelos ativos “infectados” em algo muito parecido ao jogo infantil onde se busca encontrar o “Wally” em meio a uma miríade de títulos que podem ou não estar contaminados. A desconfiança mina assim a fluidez de mercados e traz a possibilidade de crises que abalem tanto à saúde das instituições financeiras quanto à capacidade de crescimento do consumo, afetando as empresas ditas “produtivas” com a possibilidade de uma recessão.
Todas essas características gerais que demonstram a insanidade da formação de um complexo sistema que parte da acumulação de capital fictício com o único objetivo de geração maior de capital fictício que caracteriza o capitalismo financeiro contemporâneo (circuito reduzido D-D’ em Marx, caracterizado como a forma fetichista máxima da acumulação de capital), aparecem quase caricaturalmente na crise atual.
Vejamos então o que tem ocorrido e como uma crise com origem no setor imobiliário norte-americano pode abalar profundamente as estruturas do sistema financeiro global. A crise que abalou as bolsas norte-americanas em 2000/2001 foi superada a partir de grandes reduções nas taxas de juros daquele país. Isso incitou, de parte das famílias, a uma retomada em seu endividamento. Com a confiança nas bolsas de valores abalada pelas recentes perdas, os novos empréstimos direcionaram-se especialmente ao setor imobiliário, o que elevou os preços das residências. Na medida em que esses preços aumentaram, foi possível às famílias refinanciarem esses empréstimos e tomarem mais recursos tendo como contrapartida seus imóveis, destinando parte desses recursos ao consumo em geral, o que possibilitou uma nova rodada de crescimento baseada na elevação do consumo.
Com o passar do tempo, com os preços dos imóveis em elevação, as exigências para concessão de crédito foram relaxadas, ao mesmo tempo em que se criaram novos “produtos’, com facilidades iniciais de pagamento aos tomadores de empréstimos que se constituem em verdadeiras “bombas-relógio”, com contratos que contemplam a abrupta possibilidade de elevação nos preços das prestações. Esses contratos são revendidos aos bancos que conformam com eles novos títulos (ABSs ou MBSs) para serem novamente revendidos aos fundos e aos bancos de investimento. Os bancos de investimento misturam esses títulos vendidos pelos bancos comerciais a outros, criando um novo papel (CDOs) que são revendidos aos fundos do mundo todo, com a benção das agências de notação. Esses fundos muitas vezes tomam novos empréstimos dando como contrapartida esses papéis. Podemos notar que esses “investidores” estão bastante distantes dos compradores dos imóveis que deram origem ao primeiro contrato de hipoteca, o que possibilita comportamentos “agressivos” quanto ao risco de todos os envolvidos nessa cascata de títulos.
Mas a história ainda continua. Bancos comerciais do mundo todo criam fundos e tomam recursos nos mercados de curto prazo a juros mais baixos, investindo-os em CDOs de prazo mais longo e maior rendimento, colocando em risco mercados monetários essenciais para o dia a dia financeiro das empresas produtivas.
Com o declínio no preço dos imóveis a partir de 2006 e o aumento da inadimplência nas hipotecas, todo o ciclo se reverte. O valor dos títulos emitidos a partir das hipotecas (MBSs e CDOs) cai abruptamente, uma vez que o fluxo de pagamentos gerado por esse empréstimos se torna mais instável. As perdas se acumulam e “pipocam” casos de falência de fundos e problemas bancários em várias partes do mundo (Alemanha, Inglaterra, Canadá, Nova Zelândia, Austrália, etc.). Fica claro o comportamento irresponsável e ganancioso das agências de notação ao certificar a “segurança” dos títulos emitidos a partir da revenda das hipotecas. Os mercados monetários se fecham, os juros de curto prazo sobem e os bancos passam a desconfiarem uns dos outros, evitando a concessão de empréstimos entre si. Resta apenas a intervenção estatal, a partir de empréstimos dos bancos centrais, para evitar o colapso. Os apologistas “modernos e ousados” do livre-mercado se convertem em bebês chorões, em busca dos recursos salvadores oriundos dos impostos dos contribuintes. Tal qual piromaníacos arrependidos, chamam pela intervenção salvadora dos bombeiros.
Assim se compreende a intervenção dos Bancos Centrais, na tentativa de dar a liquidez necessária para a volta à normalidade dos diversos mercados. Mas a confiança está quebrada, a crise imobiliária norte-americana apenas em seu início, o mercado de crédito não poderá mais ser o mesmo dos últimos anos. Trata-se de uma crise de longa duração – fenômeno admitido em setembro pelo mesmo FMI que em abril dizia não haver risco de crise maior –, a mais grave do capitalismo financeiro contemporâneo, com reflexos econômicos e políticos que apenas o futuro poderá nos revelar. A possibilidade de crescimento mundial com uma crise no consumo norte-americano será brevemente desmentida. Os efeitos da agressiva redução nos juros norte-americanos se revelarão passageiros. O entusiasmo dos especuladores com os “mercados emergentes” das últimas semanas será revertido. Os ganhos com as ações nas bolsas de valores não se manterá e o ano de 2008 marcará o fim das ilusões quanto às possibilidades de um “desendividamento indolor”.
Estamos apenas no início. Devemos estar preparados para aproveitar as oportunidades políticas que se abrirão com essa crise em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil, país completamente entregue à hegemonia dos bancos e da especulação financeira. Infelizmente, muitos que não se beneficiaram em nada com a especulação pagarão a conta da crise. Trata-se de uma das características mais perversas do capitalismo financeiro contemporâneo, que deve despertar a indignação de todos aqueles que buscam uma sociedade com maior justiça e igualdade. A compreensão dos eventos contemporâneos deve ser a base para a ação conseqüente e eficaz na luta contra mistificação ideológica dos benefícios do livre-mercado.

[1] Artigo publicado no jornal Página 50, em outubro de 2007.

domingo, setembro 09, 2007

Antes tarde do que nunca...

Uau! Finalmente aparece uma explicação minimamente conectada com a realidade da crise de crédito global na mídia brasileira (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0909200716.htm , acesso pago). Ela foi produzida por Vinicius Torres Freire, na FSP de hoje, 09/09... Segue uma parte da matéria, que toca em elementos essenciais da crise de crédito global (SIV's e CDO's e sua relação):
"BANCOS NAS sombras" e estratégias financeiras exóticas multiplicaram os efeitos da crise imobiliária dos EUA. "Banco nas sombras" é um apelido para entidades criadas a fim de multiplicar o volume de operações que os bancos estão legalmente autorizados a realizar. Trata-se dos "conduits" e de "structured investment vehicles" (SIVs, veículos de investimento estruturado), criados por bancos e firmas de "private equity". Os "conduits" emitem (vendem, tomam empréstimo) "commercial papers" (notas promissórias, papéis de curto prazo) a empresas e investidores. Compram papéis de longo prazo, como títulos lastreados em dívidas de hipoteca ou CDOs ("collateralized debt obligations", obrigações de dívida garantida por ativos), papéis cuja rentabilidade e valor é garantida por recebíveis, títulos de dívida imobiliária e outras.
Um objetivo de "conduits" e SIVs é ganhar com a diferença entre a rentabilidade dos "commercial papers" e a dos títulos de longo prazo. Os bancos criam e administram os "conduits", dos quais recebem taxas. Tais transações não estão no balanço dos bancos, que assim podem extrapolar o limite legal de empréstimos e exposição a risco. Os bancos, porém, cobrem os "buracos negros", as eventuais perdas dos "conduits". Esses instrumentos financeiros facilitaram o direcionamento do dinheiro abundante para negócios de risco, como hipotecas de segunda linha ("subprimes"). Mas a crise nunca foi mero problema imobiliário. "
Mas saudemos, parece que agora teremos notícias mais consistentes sobre o que está acontecendo no mundo financeiro. Oremos!

sexta-feira, setembro 07, 2007

Problemas com o carry trade do Yen... problemas para o Fed

Feriadão no Brasil... mas lá fora a coisa pegando fogo... literalmente, eheeh...
O dólar se desvalorizou fortemente frente ao Yen hoje (-2 % no momento em que escrevo)... não estranhamente, a bolsa caiu fortemente em NYork hj... E mais, algo que não vinha acontecendo, o dólar nessa semna voltou a se desvalorizar frente ao Euro.
Prosseguindo nessa queda, o dólar coloca o Fed em um dilema: cortar os juros e correr o risco de uma desvalorização mais forte da moeda norte-americana que tornariam impossível a continuidade dessa operação de alívio aos combalidos mercados monetários (embora de duvidoso êxito), ou deixar tudo como está? A notar que vários ativos em bolsa estão sendo liquidados no Japão por fundos necessitados de liquidez, em um momento em que a confiança e os empréstimos "secaram"... Mas, sem o dinheiro oriundo do Japão, pode-se esperar fortes quedas nas bolsas de valores norte-americanas, alimentadas que foram por esse afluxo de capitais... Ou seja, o risco de pânico é grande e garantia de eficácia do corte dos juros inexistente...
Por outro lado, não cortar os juros em 18/09 corresponde a desapontar imediatamente àqueles que no dia de hoje, dado o aumento do desemprego nos EUA, clamavam por uma redução de 50 pontos bases na taxa básica de curto prazo já na próxima reunião... Certamente uma decisão nesse sentido colocará o mercado acionário em grandes dificuldades, uma vez que grande parte do seu fôlego tem advindo da esperança de um corte dos juros na próxima reunião do Fed. Embora essa crise não seja oriunda do mercado de ações, sua amplitude somente se tornará palpável às grandes massas na medida em que esse seja atingido mais fortemente, o que INEVITAVELMENTE tende a ocorrer em futuro não tão distante (dou no máximo seis meses, mas pode ser na próxima semana).
Interessante que, faz apenas 45 dias, nada disso era problema ou iria acontecer. A retórica era de que, caso ocorresse, o problema ficaria restrito ao mercado imobiliário dos EUA, mais especificamente ao "pequeno" segmento subprime desse mercado. Em pouquíssimo tempo, a maioria dos analistas minimamente sérios fala de uma "crise de crédito global", e os problemas surgem de todo lado, principalmente na Europa e nos EUA. O principal diz respeito aos instrumentos que interligaram o mercado de commercial papers com o mercado de derivativos de crédito e que tem atemorizado às praça financeiras européia e norte-americana.
E se começam a discutir amplamente as enormes falhas regulatórias do sistema. Tem gente achando que com a regulação da época de Bretton Woods era feliz e não sabia! Só agora descobriram os óbvios "furos"? E as virtudes da "auto-regulação", onde ficaram? Deixar o capitalismo nas mãos dos capitalistas, uma excelente idéia para a destruição TOTAL do sistema (o subversivo Hayek como inimigo mortal do capitalismo, que tal?)! A sorte desse pessoal é que eles são pragmáticos: na hora crise eles se lembram do Keynes e do Minsky... e quando a coisa se aprofundar, vão desenterrar o "velho barbudo", fazer o quê? Querem apostar? Karl Marx, economista do ano... 2009!
Aliás, tem uma artigo emblemático no dia 05/09 na página da Bloomberg: um gestor de fundos acusa "os pobres" pela crise! Segundo ele, "pobre não tem respeito pelos nosso dinheiro"! Afinal, quem mandou os filantropos de W. Street quererem ajudar esse pessoal a comprar casa? Deveriam tomar alguma lição aqui pelo Brasil, farol do capitalismo mundial! Aqui, pobre não tem nem CPF, que dirá empréstimo! E banqueiro brasileiro só empresta "consignado", rs...
No Brasil, ainda nessa semana, teve analista anunciando no jornal Valor Econômico "que a crise já terminou". Vocês escutarão essa profissão de fé várias vezes ao longo do próximo ano... ao menos o tratamento inadequado de nosa mídia à problemas sérios não apresenta nenhuma novidade àqueles que possuem algum espírito crítico. Para quem defende até a existência e a necessidade de "agências reguladoras", as práticas e as fraudes das agências de notação devem parecer o "supra-sumo ideal da modernidade", um exemplo "a ser copiado com urgência", afinal, é por isso que "não merecemos mesmo viver em um país de primeiro mundo". A pergunta sempre volta e a resposta me é impossível: será ignorância ou má-fé? Na falta de convicção, fico com as duas alternativas acima, ehehehe...

sábado, setembro 01, 2007

Mishkin acha possível uma saída à la Greenspan

http://www.ft.com/cms/s/0/71958a68-58a7-11dc-b883-0000779fd2ac.html

Conofrme noticia publicada no Financial Times de 01/09, Frederic Mishkin, Fed Governor, pensa ser possível uma saída à la Greenspan para a crise global de crédito.

Focalizando essencialmente os EUA, o que é normal em se tratando de um economista do Fed, F. Mishkin defendeu, no encerramento do encontro em Jackson Hole - onde entre uma caminhada em montanhas pedregosas e um jantar regado aos melhores vinhos os principais economistas dos EUA encerram o verão à cada ano - uma resposta monetária agressiva aos efeitos que a queda nos preços residenciais nos EUA podem ter sobre o crescimento (leia-se consumo) da economia norte-americana. segundo o argumento, existe um tempo suficientemente grande entre a queda nos preços dos imóeis e seu reflexo sobre o consumo para que uma redução da taxa de juros possa surtir efeito.

Segundo o economista, as inovações financeiras e a "criatividade" dos gestores de fundos, conjuntamente com a desregulamentação, prmitiram a expansão do crédito, com o aprofundamento do sistema financeiro sendo "vital" para o sucesso econômico a longo prazo, embora o truncamento das informações possa representar instabilidade à curto prazo. Traduzindo: Mishkin acredita que uma resposta imediata e suficientemente grande em termos de redução das taxas de juros podem fazer com que a máquina do endividamento norte-americano continue girando, com o consumo puxado pela expansão do crédito continuando a dinamizar a economia.

Subjacente a essa saída, que minimizaria os efeitos da queda do preço dos imóveis sobre o crescimento econômico, encontra-se a formação de uma nova bolha especulativa. Trata-se da tentativa de repetição do mecanismo utilizado por Greenspan para impedir que o estouro da bolha da Nasdaq tivesse uma repercussão forte sobre a economis dos EUA. Formou-se assij a bolha imobiliária, que agora termina com a o desiflar do preço ds imóveis.

Interessante é que o mesmo Mishkin lembrou que nas experiências anteriores a bolha não se formou no setor imobiliário e que o Fed não tem experiência a esse respeito...

Pessoalmente, eu acredito que uma forma de minimizar os efeitos da queda dos preços dos imóveis é baixar os juros e que isso nãotrará grandes repercussões sobre o valor do dólar, ao contrário, poderia até mesmo, na medida em que fosse entendido com a possibilidade de um maior crescimento na economia norte-americana, acabar valorizando o dólar... Obviamente teríamos o deslocamento da riqueza financeira para uma nova bolha, provavelmente no preço das ações, com novo efeito riqueza e mais consumo... nada de novo no front, seria uma resposta á la Greenspan: não resolve nada, mas o mundo gira no mesmo sentido por mais um tempo até um novo estouro que encontrará as fundações ainda mais abaladas, mas, quem acredita que o futuro existe ou importa para o mundo financeiro especulativo?

Em compensação, uma resposta tímida da economia à redução agressiva dos juros levaria à ineficácia da política monetária e, provavelmente, a uma recessão deflacionista, o pior dos mundos para o Fed. Notar que o estado da confiança entre os agentes no mercado financeiro é muito ruim no momento, os problemas com commercial papers se mantém grandes, o mercado de crédito corporativo está ainda fechado com mais de US$ 300 bilhões de acordos em papéis invendáveis prontos para ingressar no balanço dos bancos, mais de 2000 fundos hedge com perdas elevadas em agosto (ativos totais no valor de US$ 1,5 trilhão), aproximadamente 150 mortgage lenders já fechados, várias famílias sendo despejadas...

Voltamos à discussão: trata-se de uma crise de insolvência ou liquidez? Em caso de crise de liquidez, a abordagem de Miskin, caso adotada, funcionará... Se for insolvência, tese para a qual existem sobejas evidências e defensores inclusive em órgãos do governo norte-americano - sendo matriz teórica inclusive da recente e tímida proposta de ajuda do Bush ao setor imobiliário - poderemos ter inclusive uma agravamento do processo e a rápida perda de uma das armas que o Fed teria ao seu dispor.

Vamos ver se Bernanke tem coragem de apostar tão alto quanto Mishkin propõe...

quinta-feira, agosto 16, 2007

Desalavancagem global passa pelo yen

O que ninguém está se dando conta no Brasil (e mesmo na Europa pelo que tenho lido): a desalavancagem global passa pelo câmbio yen/dólar! Hoje, a valorização do yen frente aodólar atinge quase 2%... Isso afeta quase definitivmente o chamado "carry trade do yen", ou seja, a operação pela qual os fundos hedge e bancos de investimento tomavam dinehiro emprestado em yens à taxas baixíssimas de juros e aplicavam esse recurso em operações mais lucrativas ao redor do mundo... O Brasil com suas taxas de juros elevadíssimas, foi um dos receptores desse capital. A valorização do yen retia a lucratividade dessa operação e força ao pagamento da dívida, para isso esses fundos devem encerrar outras operações ao redor do mundo (onde o dinheiro foi aplicado), forçando baixas nas ações e títulos onde estão aplicados... Ninguém sabe quanto dinheiro está envolvido no carry trade do yen, mas dadas as correlações observadas entre o câmbio yen/dólar e a cotação das bolsas de valores dos EUA (em particular a S&P 500) em 2007, pouco não é... Uma estimativa: cerca de 1 trilhão de dólares. e hoje o Bank of Japan agiu nbo sentido de limitar a liquidez no mercado, "desalavacando-se" também... A BofJ é conhecida por suas trapalhadas e ações desastradas, com participação nas crises japonesas de 1990 (criada pela instituição mesma), na crise asiática de 1997 e agora, na crise de crédito global (estimuloada por suas baixíssimas taxas de juros).

Japonês é bom na indústria, mas na finança eles são um fracasso total!!!! Vão ficar mais 20 anos pagando essa conta...

sábado, agosto 11, 2007

Atualização

Eu cometi um erro no post anterior. São 116 e não 126 as mortgage lenders norte-americanas fechadas até o momento. Em compensação, já são 11 os fundos hedge falidos...

Os prinicpais Bancos Centrais do mundo coordenaram ações de injeção de liquidez na quinta e, principalmente, na sexta-feira. O FED aceitou como garantia pela primeira vez APENAS mortgage backed securities, os papéis que hoje se encontram sem cotação no mercado devido à desconfiança sobre seu valor e a onda de inadimplência no setor imobiliário. Ou seja, nesse momento seu valor de mercado é ZERO! Na terça-feira veremos se existe a necessidade de operações ainda mais vultuosas envolvendo os mesmos papéis. Nesse caso, tratar-se-á de INSOLVÊNCIA e não de ILIQUIDEZ o cerne do problema de crédito. Provavelemente ao menos um grande banco deixará de existir nesse processo...

Interessante que esse pessoal dos fundos ganhou, no ano passado, a título pessoal, vários bilhões de dólares e agora pedem ajuda às "otoridades" públicas... Aliás, será que o FED não se interessa em injetar alguma liquidez nos pobres devedores do terceiro mundo? Sou candidato à ajuda e como garantia estarei depositando um coador de café de papel, usado é claro... Vale tanto quanto ás MBS's que eles caeitaram dos bancos...

quinta-feira, agosto 09, 2007

O medo da "cascata de desalavancagem sistêmica"

Está ficando divertido! Bastante interessante até... para um observador apenas com interesse acadêmico, a crise de crédito global que se inicia é um prato cheio, embora possa causar mais dor do que qualquer outro evento ocorrido no mundo nesses quase 30 anos de globalização financeira...
Algumas características que apontam para o fato de que a coisa não é tão simples como pode parecer aos mais ingênuos:
- a crise parte dos EUA, centro do sistema financeiro mundial;
- a crise atinge o mercado de crédito, na realidade o único mercado existente na época em que todos os ativos são de natureza financeira;
- a crise de crédito tem origem na utilização dos imóveis como instrumento de especulação financeira, fato ligado historicamente à bolhas de preços de dificílima correção sem gerarem uma depressão econômica profunda;
- a crise ocorre em um momento de profundo desequilíbrio nas relações financeiras entre os EUA e o resto do mundo, onde o déficit em transações correntes norte-americano já atinge à 6% do PIB daquele país, o que como contrapartida uma elevação na detenção de reservas em dólar de parte do resto do mundo.
Em realidade, bastariam os dois primeiros fatores para termos consciência da gravidade da situação. A economia capitalista É CRÉDITO. Na globalização financeira, toda a lógica de atuação dos "agentes econômicos" se pauta pela busca da rentabilidade e da liquidez máximas, concomitantemente, fazendo com que a gerência dos ativos "não-financeiros" também adquira essa lógica. Ou seja, todos os ativos (empresas e imóveis, para citarmos o mais comum), passam a serem gerenciados e transacionados a partir de uma lógica que obedece às características da finança.
Sendo assim, qual a medida nos permite reconhecer o sucesso dessa estratégia de genreciamento e de valorização? O acesso privilegiado das empresas ao mercado de crédito! Ou seja, e correndo o risco de dar passos largos demais para permitirem a compreensão dos não iniciados ao que estou dizendo, o único negócio atual para as empresas não financeiras é seu acesso ao crédito!!!!! Elas interessam enquanto ativos quando têm acesso ao mercado de capitais. É isso que determina sua vida ou morte, sua força ou fraqueza... vejam então que a importância do acesso ao crédito é crucial no capitalismo contemporâneo, embora o acesso ao crédito SEMPRE tenha sido fundamental em qualquer época da história da economia capitalista.
A formação da bolha de crédito global
Aqui, mais uma vez, resumo e passo rápido. Em 2001, abalado pelo 11/09 e pela explosão da bolha especulativa da NASDAQ, bolsa de ações das empresas de alta tecnologia nos EUA, o FED baixa fortemente sua taxa de juros. Esse movimento, em sua seqüência, vai dar origem a uma nova bolha especulativa capaz de manter o consumidor norte-americano em atividade. A excessiva liquidez vai possibilitar uma explosão de investimentos e de preços no setor imobiliário daquele país, com os imóveis sendo utilizados como ativo especulativo.
As características do mercado de crédito daquele país possibilitarão, assim, um refinanciamento das famílias a partir da assunção de hipotecas cada vez maiores (uma vez que o preço dos imóveis aumenta) e com baixas taxas de juros, permitindo que esses recursos transbordem ao consumo, mas também à novos investimentos especulativos, principalmente no mercado de ações.
Essas aplicações realimentarão o mercado acionário, ao mesmo tempo em que o mercado de crédito viverá dias de farta possibilidade de colocação de títulos ao redor do mundo. Esse processo é alimentado em sua escalada global pelos desequilíbrios gerados pelo excesso de consumo norte-americano e sua contrapartida em poupança (reservas) pelos outros países do mundo, em especial os países da Ásia, como China e Japão. Além disso, a possibilidade ofertada de tomar empréstimos muito baratos em países como o Japão, também deslocar enormes massas de capital em busca de valorização para outros países, trazendo, por exemplo, efeitos sobre a valorização da moeda brasileira.
Não podemos esqucer que os agentes principais na tomada desses empréstimos são so fundos hedge, de atuação eminentemente especulativa ao redor do globo, interconectando geograficamente os mercados de distintas regiões. Também surgem como importantes na primeira metade da década os fundos de private equity, responsáveis pela compra de grandes empresas para sua posterior "reestruturação" e revenda.
Esses agentes operam de forma fortemente alavancada. A alvancagem é um termo financeiro que indica que oa gente toma crédito para realizar uma determinada operação com montante maior do que o capital inicialmente disponível, ou seja, toma crédito para empregá-lo em operações que devem ter como resultado um maior lucro. Esses fundos possuem um grau de alvancagem que varia muito conforme a estratégia de investimento, mas é bastante normal que para cada dólar próprio eles girm um montante 20 vezes maior com base em créditos obtidos. Esse número pode chegar até a mais de 100 vezes o valor do capital próprio, mostrando que muitas vezes os aplicadores realmente não conhecem o riscos que correm...
Esse crédito tem sua expansão viabilizada e amplificda pela utilização massiva dos instrumentos derivativos. Esses permitem uma enorme criação de crédito, uma vez que apenas uma parcela do capital envolvido é efetivamente colocada "em jogo", ao menos em épocas de operação normal dos mercados.
Esses agentes e esses instrumentos é que vão estar no epicentro da crise que ameaça paralisar o mercado mundial de crédito.
A crise imobiliária nos EUA
Evidentemente, na medida me queo preço dos imóveis subiu, mais investimentos forma sendo alocados no setor. Ao mesmo tempo, principalmente após 2005, estando a crença estabelecida de que o preço dos imóveis apenas se moveria para cima, foram relaxados toda e qualquer norma para a concessão de hipotecas. Assim, créditos forma concedidos para compradores que não possuíam comprovação de renda, não possuíam emprego fixo ou poupança, sendo o pagamento inicial dos juros postergado por até dois anos a partir da data da compra (conhecidos como créditos NINJA - no income, no job, no asset). Ocorre então a expansão do chamado mercado subprime de hipotecas, ao mesmo tempo em que instrumentos de crédito cada vez mais sofisticados são empregados na securitização dessas dívidas.
Assim, a empresa hipotecária se financia em um banco, que por sua vez repasssa esses títulos ao mercado secundário, criando as ABS's (asset backed-securities), as MBS's (mortgage backed-securities) ou as CMBS's (comercial backed-securities), em caso do mercado de imóveis com destinação comercial. Ao colocarem esses títuos no mercado secundário, os bancos "limpam" seus balanços e podem conceder novos empréstimos, relaimentando o ciclo de ctédito.
Essas por sua vez são "empocatadas" por bancos de investimento em um outro título mais sofisticado, chamados CDO's (collateralized debt obligation) ou CLO's (collteralized loan obligation), derivativos dos títulos que se originam nas hipotecas (terceiro nível de títulos sobre uma mesma dívida inicial). Esses derivativos são vendidos aos fundos, em especial os hedge funds, mas também aos fundos mútuos e de pensão, pertencentes a bancos de investimento ou aplicadores, ao redor do mundo. Muitas vezes foram reutulizados por esses fundos como garanti para novos empréstimos, concedidos pelos bancos de investimento, dada a "qualidade" do ativo.
Esses títulos combinam diferentes tipos de empréstimos utilizando-se da idéia de que a diversificação reduz o risco de detenção do título. Dada a extraordinariamente baixa inadimplência nas hipotecas do setor (e dado o interesse das agências de rating e dos bancos de investimento nas taxas cobradas quando da venda desses títulos), normalemente esses ativos foram marcados como AAA, ou seja, ativos que apresentavam pouco ou nenhum risco, embora se originassem emparte de créditos concedidos de forma não segura.
Na medida em que o FED inicia um gradativo processo de alta nos juros e que o preço dos imóvei começa a cair, a inadimplência sobre as hipotecas aumenta, especialmentte no mercado subprime. Isso ocorre ainda em 2006, embora a situação se agrave e atija hipotecas consideradas mais seguras a partir de meados de 2007. Atualmente a expectativa é de um forte aumento na inadimplência em todos os segmentos do mercado hipotecário norte-americano, especialmente no no de 2008.
Entretanto, o pequeno estrago efetivado até o momento já foi suficiente para quebrar 126 mortgage companies (uma delas , a AHM sendo a décima maior desssas empressas no mercado norte-americano, com mais de 6000 empregados e especilaizada nos segmentos mais seguros do mercado) e oito fundos hedge, sendo dois australianos e quatro europeus, destacando-se aí o problema com dois fundos pertencentes ao banco Bear Sterns e um pertencente ao banco francês BNP Paribas. E essa lista vem crescendo diariamente...
Também o mercado de compra de empresas alimentado pelos fundos de private equity está praticamente paalisado no momento, pois o mesmo mecanismo de colacação de títulos no mercado secundário que alimentou a bolha imobiliária era utilizado nas transações de "privatização" das empresas cotadas em bolsa. Como os aplicadoes, em pânico" começaram a fugir desses títulos, os bancos não podem mais "limpar' seus balanços dos empréstimos concedidos a esses fundos, o que impede novos negócios. é interessante resslatar que estima-se que a cotação das empresas em bolsa esteja sobrevalorizada em 30% dada a agressividade da atuaçãod esees fundos nos últimos dois anos, agressividade essa alimentada pela facilidade e baixos custos na obtenção de crédito.
Voltemos então ao título desse post. Aumentam os riscos de uma crise sistêmica. Esses riscos advém de um processo que chamamos "cascata de desalavancagem". Ou seja, uma liquidação de ativos ao redor do mundo para fazer frente às "chamadas de margem" que advém das perdas que atingem todos os mercados concomitantemente. Notem que é diferente de um processo de "vôo para a segurança", ou seja, de troca de ativos arriscados por ativos sem risco. Na desalavancagem, todas as classes de ativos são atingidas, pois trata-se de buscar evitar a insolvência causada pelo excessivo endividamento, em um momento onde não é mais possível refinanciar as dívidas...
O risco sempre atinge de forma inesperada, mostrando mais uma vez que sua natureza não é de risco e sim de incerteza! Compreende-se assim a ação dos bancos centrais europeu e norte-americano ao buscarem injetar liquidez ao sistema bancário no dia de hoje. Entretanto, caso essa crise seja de insolvência, de muito pouco adiantará essa ação.
Colocam-se novos desafios aos reguladores do sistema financeiro mundial no momento em que esse apresenta explicitamente e de forma grandiosa sua enorme fragilidade decorrente, por que não dizer, da insanidade que representa moldar o mundo com base em um castelo de cartas cujo objetivo único é fazer mais dinheiro do dinheiro apenas para deixá-lo em sua forma líquida, da qual não pode escapar sem ocasionar imensas crises.