21 de outubro de 2010
COLUNA DAS QUINTAS
QUATRO
LANCES
DE DADOS
Por Enéas de Souza
PRIMEIRO LANCE
O Dramaturgo da Vida olhou para a eleição brasileira e viu dois personagens. Serra e Dilma. Para definir o jogo teatral das campanhas imaginou como faria a natureza das figuras dramáticas. Para Dilma não lhe veio nada imediatamente. Talvez lutadora, talvez firme, talvez de pronta resposta. "Não sei, não estou certo. Vou pensar um pouco". Quanto ao Serra, vou concebê-lo agora. Botou-se a imaginar e a sua definição veio logo: camaleão. Porque? Porque ele vai tentando se amoldar às coisas. Se está perto da terra, fica como terra. Se está do lado das folhas, fica verde. "Camaleão" é uma boa, pensou o Dramaturgo. Ele vai mudando sempre. Tem efetivamente um mérito, funciona como uma matéria plástica, vai se conformando ao debate, vai escapando aos ataques. Como não tem posição, vai saltando para todos os lados. Sobre aborto, ele pula para cá e se funde ao assunto. Sobre religião, para lá e já tem cara de beato. Sobre privatização, para um terceiro lugar e já pensa no pré-sal. Mas, como a personagem Dilma reagiu, Serra, camaleão, respondeu rápido: vou fortalecer a Petrobras.
SEGUNDO LANCE
Depois, de camaleão, escolheu o Dramaturgo da Vida uma outra face do Serra. Ter dois estilos. Na frente das câmeras, nas discussões fazer-se de santo, procurar construir a figura de homem sereno, que tem perfil de retidão moral, absolutamente imbatível. Fez tudo, projetos, leis, medidas. Sempre foi o primeiro. Seja no Ministério, na Câmara, no Senado e como Governador. Fora dos holofotes, articula e arma vários golpes e várias tramas. E vem o aborto, e vem a religião, e vem os santinhos da Igreja. Por isso, ao lado camaleão se agrega o lado daquele que tem a capacidade de dividir-se. Enquanto no primeiro vai se adequando ao terreno, no segundo se cinde para melhor combater. A face visível, a que pode ser exposta, constrói a figura do puro. Na face invisível emerge um químico sutil, torna-se um fabricador de enredos e de história como ninguém. E todas as suas fábulas são para fazer a DIlma, sua adversária, perder tempo com problemas importantes, mas menores. As questões maiores, como uma estratégia e um projeto nacional, isso não lhe diz respeito.
TERCEIRO LANCE
A terceira característica do candidato é ser privatizador. Como é que é esta figura? Ela começou com Fernando Henrique Cardoso, mágico do neoliberalismo, que convenceu a todos de sua equipe que enfraquecer o Estado, que eliminar o capital estatal, que dar a liderança ao investimento estrangeiro na dinâmica econômica brasileira, traria vantagens. E o Brasil seria feliz. Então precisou de um privatizador; na verdade, de um mestre, de um doutor, de um engeneiro da privatização. E o escolhido foi o Dr. Serra. E podemos vê-lo, nas fotos e nos filmes da época, incessante, no mandado de FHC, fazendo rápidas e muitas privatizações. Assumiu esta personalidade e guardou para si a receita, com carinho e fraternidade, da relação com os investidores estrangeiros. Mas, o mais importante é que guardou o pensamento. Pois bem, Lula foi extraordinário, fez um desenvolvimento com distribuição de renda. E também descobriu o pré-sal. Com isso deixa uma herança para o povo brasileiro. E para a Dilma e a Petrobrás o caminho da exploração da riqueza. E com um projeto amplo, a partir dos seus resultados, desenvolver ciência e tecnologia e dar à população do Brasil, educação, saúde, segurança, etc. Na verdade, resumindo numa frase de efeito: o pré-sal vai sustentar o bolsa família. Só que Lula não contava com uma surpresa. Atrás da porta, está o privatizador das estatais, com um objetivo, anunciado por um de seus assessores: privatizar o pré-sal. E claro, se se animar, mais tarde, virá a própria Petrobrás, depois o BB e quem sabe num futuroo oportuno, a financiadora dos imóveis, a Caixa Econômica Federal. Mas, o Dramaturgo da Vida vai jogar este problema, este conflito no bojo das eleições: riqueza para a população versus venda para o setor privado. As peripécias do confronto trarão os encaminhamentos do desenlace.
QUARTO LANCE
Para dar maior sensação a este personagem, o Dramaturgo da Vida vai colocá-lo como um dos protagonistas de sua geração. Talvez o maior dela tenha sido FHC, o grande neoliberal, mas que hoje está semi-retirado, numa quase obscuridade dourada. FHC teria um novo rosto. E este rosto cabe bem em José Serra. São ambos vinhos da mesma bodega, da mesma vinícola. E qual é a marca suprema, o traço peculiar destes personagens? No fundo, realizar a grande metamorfose: ser de esquerda na juventude - Serra foi presidente da UNE - e de direita na maturidade. Com isso, o Dramaturgo da Vida está satisfeito, já que se completa, numa primeira amostragem, os mais importantes determinantes de sua figura dramática, este neoliberal candidato a presidente da Repúlica.
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