quinta-feira, junho 24, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
24 de junho de 2010
COLUNA DAS QUINTAS

O SEGREDO
DAS
PERGUNTAS
Por Enéas de Souza



Uma pergunta vale um mundo. E como vamos voltar a fazer perguntas, vamos abrir vários mundos aos leitores. Estes, por sua vez, poderão continuar a dinâmica do perguntar. E trazer galáxias de mundos e de pensamentos para todos.

VOCÊ PODE GANHAR UM PRÊMIO APETITOSO

A primeira pergunta nossa é uma já conhecida, famosa, inevitável. Mas tem prêmio. Levante a mão e concorra a um manual matematizado do “mainstream” quem acredita que a crise já terminou. Pois, esta pergunta foi feita anteontem em Nova Iorque e em vários lugares dos Estados Unidos e o Finantial Times divulgou o resultado: nem os investidores acreditam que ela já se foi. Desta forma, todos estão partindo, nas nossas perguntas, do zero, como no bolão da Copa. Então, na sequência questionamos: você acha que a natureza desta crise é de curto, de longo ou de curto e longo prazo? Houve uma pressão enorme de bancos, de governos para salientar que a crise era rápida, tipo coelho: “vai ser bom, não foi?”. Na verdade, estamos numa longa jornada dentro da noite. Porque da noite? Porque sabemos que ninguém tem a resposta para as perguntas seguintes: Como se resolve o seu desdobramento? Como se acha a sua solução?

A BRIGA DE CACHORRO GRANDE

Embora o começo da crise tenha sido financeira, como já apontamos aqui, esta crise é financeira e produtiva. Então todo mundo quer saber: se não é financeiro, então, como se vai resolver esta crise econômica? Ela tem um escalonamento de saída? Soluciona primeiro a embrulhada financeira e depois a produtiva? Aliás, é bom indagar no momento: uma melhoria na bolsa, um retorno da sindicalização dos bancos e da securitização dos títulos resolveriam a esfera das finanças? Não fico só por estas searas, prossigo na investigação e indago: as autoridades e os legisladores deixarão de lado as questões da alavancagem? Deixarão de pensar na função do crédito na atual fase do capitalismo? O sistema financeiro funcionará para a produção ou para a especulação? Existe a possibilidade de construir uma nova arquitetura financeira? Pode-se separar os bancos comerciais dos bancos de investimentos? Vai se fazer algum controle dos hedge funds? Como vão ser tratados os grandes bancos, os chamados “to big to fail”? Nunca devemos deixar, no entanto, de reflexionar profundamente sobre o que vai acontecer com o Credit Default Swaps, uma das dinamites do sistema. Um pergunta fatal, em verdade. Contudo, no fundo de todas estas inquietações, ressalta o tema que coloco imediatamente em pauta: qual será o resultado do jogo de forças entre Obama e as finanças. Está claro, este é um jogo de cachorro grande. Olhe o seu termômetro e o seu barômetro econômico e político, e diga sem hesitação: vai terminar como? Pois, embora seja uma luta de quinze assaltos, como as maravilhosas lutas de box de antigamente, não se pode também deixar de questionar sobre a conseqüência desses combates sobre o que está se decidindo por esses dias no Congresso norte-americano: o “Regulatory Finantial Reform”. Que bicho vai dar? Vai dar empate? Ganha quem? Este round vai se decidir por esses dias.

AS MÃOS DADAS DE IGNÁCIO RANGEL E KEYNES

Veja o caro leitor, que o novelo da economia tem muitos aspectos para pensar como quando a gente caminha no sol nestas tardes de inverno. É preciso definir a natureza da crise, é preciso verificar as dimensões dos estragos em todos os níveis das finanças. Por isso, está faltando o questionamento sobre o Estado. O prof. Pedro Almeida traz sempre no debate a questão minskyana do “Big Government”, a sua capacidade financeira de pode atender os requisitos salvacionistas da crise. E à medida que esta avança, numa dança fatídica - a dança da morte como se mostra no célebre quadro de Breughel - o que se percebe é que há dificuldades de controlar os déficits e que as dívidas estatais seguem mantendo-se em alta. Algumas como a Espanha quase que dobraram desde o início da crise. E os Estados Unidos tem igualmente uma crise poderosa. Mas, a diferença é que a dívida americana é uma dívida na sua moeda. É uma dívida com eles mesmos. O que significa uma capacidade política e monetária de resolvê-la satisfatoriamente. Então, o Big Government como diz o meu colega André Scheler talvez seja um “Little Government”. Porque o tema do endividamento do Estado se encaminha na atual conjuntura, da Inglaterra a Grécia, para a questão recessiva. Ou seja, porque o Estado não é “Big Government” infinitamente, a solução da crise é dolorosamente a recessão. E pergunta-se: qual é a solução para esta? Porque o Estado está se sentido impotente? Não pretende alterar a sua estrutura, o seu endividamento, a sua liderança, a sua possível liderança na articulação de investimentos e de planejamento? Mestre Ignácio Rangel dizia que numa crise – acho que já salientamos isto por aqui – um dos lados da economia fica com recursos e outro, sem. Todo o problema é reformular as ligações que levaram ao desastre e unir o setor que tem capital com o setor que falta. Diria o velho Keynes: bota o Estado para aumentar fortemente a Eficiencia Marginal do Capital. Mas, as finanças deixarão o Estado atuarem em benefício da produção?

O QUE PENSAM AS FINANÇAS DO CICLO ECONÔMICO?

1)
Falando da economia produtiva. Os financistas têm mostrado que não têm nenhuma idéia sobre ela. Qualquer ativo, já mostrou o antes citado Minsky, não passa de um ativo financeiro, seja ele uma mercadoria, uma moeda ou um título público ou privado. Para eles basta recomeçar a especulação e a sociedade e a produção virão atrás, e o crescimento retomará seus belos e esplêndidos dias. Isto quer dizer que daqui a pouco, o mundo estará novamente em festa e o carrossel dos mercados estará porejando rendas financeiras por todos os lados. Enquanto isso não acontece, eles não compreendem que a economia produtiva é regida pelo longo prazo. É o investimento que altera o destino de uma nação. Não, eles não pensam assim. Eles insistem na necessidade da retomada da especulação; no retorno dos rendimentos financeiros substanciais; na passagem da preferência pela liquidez para decisões de aplicação financeira em papéis diversos; no retorno das altas rendas, pois que de parte delas virão os aumentos dos gastos em consumo. E que, portanto, as finanças continuarão sustentando através deste citado consumo o incremento da demanda efetiva. É deste curto prazo financeiro e de seus resultados que virão os novos investimentos. Finance led growth.

2) Duvido que as finanças e os financistas acreditem na transformação da liderança produtiva pelas novas tecnologias. Não que eles não acreditem nas novas tecnologias. Acreditam sim; mas como motivo especulativo. Talvez não seja por outra razão que se anunciam aplicações financeiras de Soros em tecnologias médicas. Tudo que escrevo serve para enfatizar que uma visão schumpeteriana não passa para as finanças de uma forma poética de ver a metamorfose da economia. Elas não acreditam que as atividades econômicas possam ser reorganizadas e refeitas em função, como diria Carlota Pérez, das tecnologias que se implantaram e que agora estão prontas para tornarem-se maduras. Logo, as finanças só estão interessadas nas tecnologias como novos ativos financeiros. Fora disso, estas só são instaladas para melhorarem a sua infra-estrutura técnica operativa. Elas, as finanças, não têm nenhuma idéia de que a atividade produtiva e econômica seja reformulada por uma lógica cíclica da crise, quando de tempos em tempos, há uma necessária e indispensável transformação da estruturas econômicas e da relação dos elementos desta estrutura. E que toda a reformulação surja a partir de um “cluster” de novas tecnologias e novos produtos.

A questão é: porque as finanças não acreditam no ciclo e nas transformações cíclicas?

PERGUNTAS E MAIS PERGUNTAS

1) E porque não é possível libertar o Estado das amarras das finanças? É o Estado um Prometeu Acorrentado? Porque é que as relações entre as finanças e o Estado são tão incestuosas - como se pode constatar, sobretudo, nos governos europeus, onde a crise das finanças é também uma crise de Estado, e onde a crise do Estado é uma crise das finanças?
2) Não resta dúvida nenhuma que, diante do fracasso do “Big Government” no Ocidente, a solução única para as finanças é jogar as cartas da contração fiscal, da quebra de contrato de salários do setor privado e público, do aumento anti-liberal de impostos, conduzindo a economia para a atividade recessiva. E no fundo da roupa escura da recessão aparecem as nuvens carregadas do espectro não explícito, mas visível, da depressão. Trata-se do processo que envolve uma espiral contracionista das economias e dos Estados. Uma possibilidade desagradável da dinâmica econômica e da política atual. Por isso, a questão é a seguinte: é possível que a miopia do imediato, da curta duração, atrase vertiginosa e vigorosamente a reformulação do longo prazo?
3) Mais outras perguntas. Não é da natureza do capitalismo o desenvolvimento cíclico da economia? De que depende a passagem da fase recessiva do ciclo para a fase de recuperação do novo ciclo econômico? Pode-se dizer que teoricamente a solução do ciclo se dá por dois modos: ou por uma extensa queima de capital, via depresssão, que seja capaz de retomar uma lucratividade brutalmente ascensional ou por uma intervenção do Estado que dirigirá a lucratividade para uma ascensão claramente planejada. Na sua opinião, quais serão as forças que sustentarão estes caminhos? Quanto tempo levará para a reorganização da economia da mundialização? De onde pode vir a reanimação da economia? A economia mundializada entre os Estados Unidos e a China terá uma performance semelhante? O G-20 terá um papel decisivo na governança e coordenação da metamorfose do longo prazo da economia capitalista?
4) Uma pergunta perfurante: o que acontecerá se as finanças continuarem a comandar o processo social, político e econômico do presente?
5) Uma pergunta de futuro: a política acabará por se afastar das finanças e descobrir a forma da construção de um novo Estado, que desenhará uma nova geopolítica e uma geoeconomia?
6) Parece que finalmente fica claro que o segredo das perguntas está na formulação das próprias. E deixá-las, depois da sua geração, florescer nas plantações do tempo. Por isso Érico Veríssimo tinha razão quando escrevia: "Olhai os lírios do campo".


quinta-feira, junho 17, 2010



CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
17 de maio de 2010
COLUNA DAS QUINTAS


O CONTRA-ATAQUE
NEOLIBERAL:
VAMOS CONTROLAR
O ESTADO!
Por Enéas de Souza


AS FINANÇAS CONTRA O ESTADO E A PRODUÇÃO

1) Há uma clara novidade na conjuntura presente: um contra-ataque neoliberal. Um ataque neoliberal das finanças à posição do Estado. A ironia da situação: as finanças, que foram salvas pela mão visível do Estado, estão pedindo, estão clamando que o Estado reformule a sua atuação e seja austero, faça uma política de contenção de gastos, etc. Aquela conversa neoliberal que eles chamam de política econômica. O Leviatã, na época da crise de 2007, agiu keynesianamente certo. Salvou, com o dinheiro ágil do seu cofre, as finanças em nome de vários aspectos. Em nome do risco sistêmico, da função estatal de emprestador em última instância, do resguardo do sistema financeiro, etc. Ou seja, o Estado – leitor, sinta a profundidade do gesto – contra os princípios neoliberais, teve que se fardar, vestir o seu traje de todo poderoso, se endividar, usar os recursos dos contribuintes, etc. para retirar os bancos, as instituições financeiras de situações críticas de insolvência e de bancarrota. E, na continuação do processo, levar o sistema financeiro para o hospital, cuidá-lo durante longo tempo, dando soros, dando sangue, injetando capital, operando reformas na contabilidade empresarial, com o objetivo de pôr em pé o sistema bancário e assemelhados. Sob certo ponto de vista, o Estado tomou uma atitude keynesiana.

2) Só que foi um keynesianismo perneta, “mais que perneta” disse meu colega André Scherer. Porque, uma crise como esta, na verdade, foi uma crise mais que a financeira, foi também produtiva. E não se aplica um keynesianismo pela metade. Faz-se uma ação completa. O Estado assume o comando da economia, salva as finanças e a produção. Lança junto com os “bailouts” do sistema financeiro, um conjunto de medidas que visam o investimento e o emprego. Mas, isto não aconteceu. Os americanos deram dinheiro para as instituições financeiras, mas não fizeram nenhum plano para atender a recuperação da demanda efetiva. E o ataque neoliberal é exatamente isso, ataque à recuperação da produção – para que essa fique nas suas mãos, jogando a carta pérfida da contenção de gastos, da austeridade a todo custo. Enfim, um ataque ao princípio keynesiano da demanda efetiva, que falamos acima. Mas, um ataque que não só contenha o Estado, como não modifique as relações funcionais entre as finanças e a produção. Mantenha as finanças tanto no seu poder especulativo como no seu poder de definir o crédito ao setor produtivo.

O LANCE MUNDIAL DO NEOLIBERALISMO

1) O Estado americano se endividou e aumentou o seu déficit anual sempre em função das finanças. E para evitar maiores problemas deixou de atender ao investimento e ao emprego, seja porque era importante não apoiar as empresas produtivas velhas, seja porque as dimensões para injetar recursos nas novas tecnologias eram vastas e complexas. O Estado deixou o barco correr. Portanto, o keynesianismo ficou pela metade, mancando; se é que podemos falar de keynesianismo. E só estamos trazendo esse assunto porque depois de dois anos digerindo a sua comida tóxica e infértil, as finanças resolveram lançar um forte ataque contra o Estado sob pena de que o keynesianismo não deu certo. O gasto do Estado não deslanchou a produção, o Estado está ameaçado pela dívida e pelo déficit e, logo, é preciso, que cuidadosamente, o Estado tome uma atitude contracionista, que pare de gastar. Dito de outra forma, o substancial é que o ele reduza a sua dívida, que baixe fortemente o seu déficit. Enfim, que o Estado (depois de ter salvo as finanças) faça finalmente a sua parte, se recupere e saia da economia... Depois do keynesianismo capenga, a recuperação do neoliberalismo...

2) Ora, este contra-ataque liberal é um ataque global. Sobretudo, depois desta crise grega que se transformou numa crise européia. E o mote principal das finanças já está dado. “Recuperar os Estados”. (Claro, depois de salvar as finanças). Só que quem está sendo visado fortemente neste momento são várias coisas. Em primeiro lugar, impedir que o Estado faça o outro lado de uma atitude do Estado, lançar programas de investimento que recuperem a economia e o emprego. Em segundo lugar, enfraquecer o setor dos trabalhadores, seja público, seja privado, visando, antes de tudo, baixar salários. Daí a receita clássica: fazer o Estado cortar gastos, ajustar as suas dívidas, podar o seu déficit, porque como uma casa um Estado deve viver dentro dos seus recursos. Ora, clarividente leitor, esta é uma visão de usurário, de bodegueiro. Se a gente gasta demais, aperta-se o cinto. Claro, claro, não falemos da ajuda das finanças. Isto já passou. Ora, um Estado não é um boteco, não é uma casa. Um Estado pode fazer dívidas para fazer crescer uma economia, porque o crescimento desta permite que, a certa altura, o Estado recupere o seu controle econômico. O investimento é o que faz aumentar a renda. E o que faz aumentar as receitas do governo é, obviamente, o aumento da produção e do consumo.

3) Não é preciso, portanto, quebrar a espinha dos trabalhadores nem impedir que o Estado apóie a produção. Este impedimento faz parte do domínio das finanças sobre o Estado e sobre a economia. E vejam o truque em toda a sua extensão. Primeiro, as finanças crescem ao máximo e, para tal, o Estado desregulamenta o sistema financeiro. Não controla nem bancos, nem bancos de investimentos. Nem hedge funds, nem private equity. Nem nada, nem ninguém. O Estado libera tudo, fica apenas atento ao risco sistêmico. Se der bode com as finanças, aí sim, aí ele entra como um bom xerife para resolver a reboldosa no saloon. Deixa-se solto o reino da especulação. Quando o sistema financeiro quebra, o Estado, como os antigos heróis das histórias de quadrinhos, age rápido para a sua salvação e se possível para a sua ressurreição. Muito cristão, portanto. E os Estados Unidos, bem como a Europa, são, é verdade, zonas da cristandade. Porém, quando o Estado deve salvar o resto da economia para levá-la novamente ao crescimento, as finanças, que se beneficiaram com o Estado – inclusive fornecendo empréstimos a juros cada vez mais altos ou comprando títulos do governo a taxas apetecíveis – agora, elas lançam uma campanha de austeridade do Estado. É exatamente isso (e isto é hegemonia): o Estado tem que ser das finanças. Se a economia deve crescer, tem que crescer a partir da liderança delas, a tal de “finance led growth”. Jamais se pode crescer invertendo a equação. Nada disso. Nada do investimento estatal e investimento privado puxando o resto da economia. Emprego? Antes de tudo, cortar os salários dos empregados. E os novos empregos? Só quando houver a retomada cíclica “natural” – e com salários diminuídos. As chamadas “flexibilizações trabalhistas” como se diz aqui no país da “Lavoura Arcaica”.

CORTAR A ORGIA DE GASTOS

1) Desde a Grécia até a Itália, e você pode incluir a França, passando pela Espanha (olha só embolamento no seu sistema bancário neste momento), e a Irlanda, e chegar até a Inglaterra, a Europa evidencia que está com os Estados arrebentados substancialmente por causa da crise financeira mundial e regional. Mas, a solução política da crise, para o contra-ataque neoliberal, é apenas uma. Ela se desdobra como resultado do apontamento da orgia de gastos públicos (Com quem? Para quem?) como causa. E, por essa razão, a pressão segue só numa direção: cortes dos salários dos funcionários e corte nas aposentadorias. Já que, como sempre, quanto aos juros nada. E toda essa “audácia” para que se possa recuperar as finanças do Estado com o objetivo jubiloso de pagar os bancos, que atiçaram a dívida pública. Na verdade, esta austeridade tem dois objetivos: salvar as próprias instituições financeiras, mas ao mesmo tempo, recuperar os Estados para que a citada dívida pública e o orçamento possam, num segundo momento, servir aos ganhos dos bancos. De que maneira? Recomeçando o movimento financeiro de crescimento das finanças e, por derivação, dar algum capital para o crescimento da economia.

2) Só que isso é complexo. Porque a recuperação financeira do Estado passaria por empréstimos de bancos de outros países ou de outros Estados em melhores condições. E o recurso conseqüente da austeridade fiscal, no final das contas, vai desembocar no colapso da demanda efetiva, tanto do consumo como do investimento. A espiral contracionista se tornaria numa depredação da economia pública, por ausência de receita. A proposta neoliberal ainda tentaria empurrar eventuais eliminações de impostos, sob a idéia de que os ricos e as empresas não pagando tributos consumirão e investirão mais. Quá. Quá. Quá. Quá. Pagar menos imposto não quer dizer nem mais investimento, nem mais consumo. Os ricos e as empresas vão acabar aplicando no mercado financeiro. E há até uma variante desta estratégia depressiva. Aumenta sim, impostos; mas aumenta impostos sobre os produtos, o que encareceria a vida da população e jogaria mais para o chão o nível da indústria e do comércio. O malefício é fácil de perceber: a baixa de salários, a baixa das aposentadorias e o aumento de impostos embutidos nos bens, certamente, causariam o empobrecimento na qualidade de vida. E não provocaria o efeito desejado: o aumento das receitas do governo. Tome assim recessão e até depressão no lombo.

A RESSURREIÇÃO E A MORTE DAS FINANÇAS

1)
Temos então um vasto contra-ataque neoliberal, e nele uma tentativa de recompor a posição das finanças no domínio político do Estado, impondo a este um constrangimento de gastos. Esta postura impediria que o governo assumisse a liderança do processo econômico, como também anularia a transformação da função prioritária das finanças no apoio à produção. Veja, portanto, caro leitor, se você quer ser mais uma vez enganado pelas finanças, seja você empresário ou funcionário público ou empregado privado. As finanças usam, entre outros aspectos, um determinado tipo de austeridade para que a população, a economia e os economistas lutem pela ressurreição das finanças.

2) É por essa razão que não acreditamos que a crise terminou, e que estamos no caminho da sua solução. Ao contrário, acho que a crise está entrando numa trajetória inquietante, porque esta aposta está nos levando a mais recessão, senão à embrulhada tragédia da depressão. A sociedade e a política é conflito, e o capitalismo, que é processo de concentração e centralização de capital, também é competição intensa, destruidora e reconstrutora. Estão em jogo, nesta autêntica Copa do Mundo, as forças sociais. As finanças estão tomando a iniciativa, tratando de uma vigorosa ressurreição. Estarão as outras energias políticas de acordo? Estarão dispostas a sacrificar os seus rendimentos, o seu nível de vida, as suas pretensões econômicas e sociais em nome de uma força que absorve os recursos financeiros da sociedade pela especulação?

3) A luta segue permanente e constante. Nada está definido por ora. As finanças especulativas têm parte com o peru: não morrem de véspera.

quinta-feira, junho 10, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
10 de maio de 2010
COLUNA DAS QUINTAS


DE DEUSES
DOS ESTÁDIOS
A ATIVOS
FINANCEIROS (*)
Por Enéas de Souza


1) Houve um tempo, dos anos 40 aos 70 do século passado, que os jogadores de futebol, sobretudo os brasileiros e os argentinos, eram considerados, como Pelé, Zizinho, Didi, Di Stéfano, Labruna, deuses dos estádios. Da Inglaterra pairava a lenda de Stanley Mathews e da Hungria o nome de Puskas. Talvez fossem como Aquiles, filhos de deuses/deusas e homens/mulheres, assim misturados, porque atingiam, no campo e nas atuações, uma espécie de excelência indisfarçável. O divino Pelé foi o maior de todos. Veio depois de Di Stéfano, que até então era o mais luminoso. Pelé encomendava a cada coração, uma paixão pelo futebol com seus dribles de acrobata, com suas jogadas de bailarino, com suas fintas de sambista, com a inteligência apolínea de seu corpo. Marcava, a cada jogo, o limite da ação humana.

2) Mas, esses deuses, essas criaturas eram ardilosos inventores, pois não se pode esquecer dos lances que inovavam, das jogadas que fizeram brotar. Exemplo: Leônidas da Silva, com sua famosa bicicleta. Invenção e talento vigorosos. Leônidas era um preto luzente, cujo apelido acabou por dar origem a um chocolate que existe até hoje: Diamante Negro. Era tudo que ele valia. John Huston poderia ter pensado nele ao fazer seu filme “O Segredo das Jóias”. Já se vê que estes jogadores anunciavam uma era do excepcional, uma era do espetáculo. Garrincha foi outro protagonista do início destes tempos. Driblava sem sorrir, fazendo delirar a platéia, parecia um Buster Keaton na sua genialidade simples de circo. Do palhaço que faz da repetição a construção do riso. Garrincha repetia cem vezes a mesma jogada. E o povo exultava e ria. Circo puro. Mas, o circo foi indo, veio chegando e engrossou o que Guy Debord chamou da “Sociedade dos Espetáculos”, que no futebol tornou-se mundial e definitivo com a Copa de 70, a primeira copa televisionada para todo o planeta. Copa onde o gênio de Edson Arantes do Nascimento foi glorificado para sempre como Pelé. Não é verdade que Fernando Pessoa, antecipadamente, nos disse que “O mito é o nada que é tudo”?

3) O futebol foi desde logo para os brasileiros um processo complexo e amplo. Por isso, se pode dizer que ele é um processo ontológico, social, econômico, político, psicológico, ideológico, poético, filosófico, cultural, etc. E no dia a dia, funciona para as massas como um processo educacional, um processo de educação contemporânea, onde avultam no campo de jogo as ações, os gestos, a inteligência, a estratégia, a capacidade de corpo, funcionando como verdadeiro tratado de ética. Pelé é o nosso Platão, é o nosso Aristóteles, quem sabe até o nosso Spinoza, que ao contrário de escrever uma “Ética more geometrica demonstrata”, construí uma “Ética demonstrada pelo futebol”. E hoje, todas as facetas deste esporte são perpassadas pela conquista do futebol pelo capital, assim como a saúde, a previdência e a cultura tornaram-se produtos gloriosos do neoliberalismo. Ainda bem que deu tempo para ver Romário, que Cruyff, o grande astro da “Laranja Mecânica”, a Holanda, chamou de “gênio da pequena área”. Mas qualquer seja a nossa visão sobre a questão é indispensável dizer, inspirado em Mauss, que o futebol é um fato social total.

4) O futebol tem características épicas e trágicas. E por isso os leitores de Homero, de Sófocles, de Ésquilo, de Eurípedes podem certamente compreender os eventos maiores deste jogo. O futebol requer narração e requer teatro. A visão épica e trágica tem instrumentos para definirem o futebol, porque, sobretudo, um leitor de Heráclito, um filósofo trágico, trabalha com as idéias de jogo, de combate, de “guerra”. Um heraclitiano compreenderia o futebol muito bem já que é um jogo perpassado por um conflito e que tem uma tensão forte entre os contendores. Basta lembrar, por exemplo, um Brasil e Argentina, um Alemanha e Itália, um Alemanha e Inglaterra, um Brasil e Itália, um Brasil e França que colocam exatamente este elástico do filósofo de Éfeso, a discórdia, dia-noite, inverno-verão, etc., intimamente unidos, como a natureza do Jogo. O futebol tem uma ontologia heraclitiana, que significa dizer que o mundo está em constante mutação, mas ao mesmo tempo, que tem uma estrutura de dois lados que se afrontam. Grêmio e Internacional, Flamengo e Fluminense, Benfica e Sporting, Roma e Lazio, Barça e Real Madri. O futebol tem a malícia de ir do particular (os jogos locais) ao universal (a Copa do Mundo).

5) Mas, hoje, as coisas se complicam; a poesia e a filosofia, que traduzem a metáfora do jogo, cada vez mais dão lugar, e já há bastante tempo, à implacável realidade: o futebol como fenômeno econômico. Este se superpõe às outras determinações e o jogador passa a ser um ativo financeiro. Ele entra numa bolsa de valores especial: o mercado dos craques famosos. Veja quanto vale Kaká, quanto vale Cristiano Ronaldo, quando vale Messi. Neste mercado temos investidores (inclusive oriundos da máfia russa), temos cotações, temos até uma indústria que prepara atletas por toda a parte do mundo, para serem vendidos, alocados na bolsa internacional, principalmente para os times ingleses, espanhóis, italianos, etc. E, certamente, temos craques, dependendo do seu jogo, valendo mais do que outros, mas seguindo para mercados hierarquizados. A Inglaterra, a Itália e a Espanha são as melhores praças para se vender um personagem futebolístico, para fazer um ativo financeiro render mais do que, por exemplo, em Portugal, na Rússia ou na Turquia. Isto não quer dizer, que debaixo do econômico, não resistam os valores poéticos e filosóficos. Nossos magos da metáfora como Nelson Rodrigues e Armando Nogueira morreram, mas sobrevive nos apaixonados do futebol a necessidade de escutar a palavra que organiza, que simboliza, as ordens e as desordens das partidas, as modulações das figuras dos astros e das histórias dos campeonatos. Haverá sempre um novo poeta para futebol? Ou o capitalismo vai destruir a poesia dos estádios e dos craques? Será que os novos meninos da Vila, glórias dos últimos domingos brasileiros, serão capazes de resistir o avassalamento do dinheiro? Neymar, este garoto de talento, este sacerdote do júbilo, ainda terá tempo para fazer os dribles e os gols no caminho da molecagem exitosa? E Ganso, o meio de campo soberbo, de lençóis e enfiadas altivas, estará apto para a seguir a longa tradição de meias canchas tipo Zito? Ou tudo isso é apenas a chispa das oportunidades que serão aproveitados pelos leilões das ofertas monetárias?

6) Esta Copa é a produção de imagens por meio de imagens. Uma feira de amostras, um bolsa de valores, uma Wall Street do espetáculo do futebol. Vai entrar muita grana no pedaço. Cada vez mais – e veja-se a própria Copa no Brasil, junto com as Olimpíadas – há uma união entre as empresas construtoras e os governos, entre as federações e a Fifa e as televisões de todo mundo. Um bloco econômico que vai impor realidades. Vocês lembram que a Copa de 1994 nos Estados Unidos era jogada ao meio dia para que houvesse uma transmissão para o maior número de telespectadores? Pois cada vez mais os capitais organizarão este festival de jogadores e de ativos financeiros. Só que os amantes do futebol continuam a amar as partidas, a ver os desenhos e as pinturas e o teatro dos jogos com aquela paixão inigualável. E a sonhar que se não vai aparecer um Pelé, talvez a grama dos estádios, as grandes áreas, os lances, os gols revelem algum grande jogador como Zidane, como Puskas, como Maradona, como Rossi, como Jairzinho, como Ronaldo, como Rivaldo. A Copa do Mundo é sempre o lugar, não dos vencedores, que é uma categoria bastarda, burocrática, midiática e econômica, mas o lugar das exceções que é uma categoria da excelência, da qualidade e do desejo. Esperemos que esta Copa seja uma Divina Comédia. E que Dante nos traga o novo Virgílio do futebol, que eternamente conduzirá o próprio Dante ao caminho do Paraíso. Este é o sonho borgiano dos fanáticos torcedores do mundo. E mesmo que o capital pense que domine tudo, sempre haverá um momento totalmente lúdico, o momento dos jogos, onde se poderá ver entre os ativos financeiros, o brilho inarredável dos astros. E para nós, humildes mortais, sempre estará presente a oportunidade impar de nos tornarmos crianças e usufruir novamente o momento iluminado do jogo. Do puro jogo – que é o rei da vida e da alegria.


(*) Artigo publicado originalmente em “Linhas de Passes – O Inconsciente em Campo”, Correio da APPOA, Associação Psicanalítica de Porto Alegre, junho de 2010.

quinta-feira, junho 03, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
03 de maio de 2010
Coluna das quintas

A FRATURA
DA ECONOMIA
MUNDIAL
Por Enéas de Souza




RESPONDA RÁPIDO: DECOMPOSIÇÃO DA ECONOMIA É PÓS-CRISE?

Para avançar na compreensão da situação atual da economia globalizada vamos fazer algumas perguntas. Primeira pergunta: é possível restaurar uma economia que está fraturada em duas, fraturada entre o enlace americano em profunda desorganização (Estados Unidos, Inglaterra e Europa) e o enlace chinês em vasta reformulação (China, Ásia, África e parte latino-americana)? Ou seja, a economia puxada pelos americanos – de construção global – que envolveu o mundo todo, inclusive a China, que se desenvolveu sob os templos dos déficits gêmeos dos Estados Unidos (déficit comercial e déficit fiscal), acabou numa desordem geoeconômica. Decomposição de proporções ainda não delimitadas, mas com um fenômeno importante: esta economia globalizada se rompeu e vai ter que ser reparada. É preciso, sem medo de errar, supor a idéia de que nenhuma economia retorna ao que foi. Portanto, o agradável pensamento de certos economistas, de certos políticos, de certos jornalistas sobre a recuperação e a restauração da atual economia não pode ser um pensamento sem objeto? Não estão nesta categoria também aqueles economistas que falam da economia da pós-crise?

A FRAQUEZA ECONÔMICA ESTÁ NA POLÍTICA TAMBÉM

Uma economia que se parte contem no seu casulo a possibilidade da construção de uma nova configuração econômica. Só que precisa desmanchar, pelo menos até certo ponto, a que estava aí. E este desmanche, porque social, tem resistência por todos os lados. E tudo fica muito difícil de se solucionar pela fraqueza dos Estados. Fraqueza diante do descozimento da economia. Dando nomes: da crise do sistema financeiro, da crise produtiva e do desemprego em larga fisionomia. A fraqueza americana se origina na incapacidade do seu Estado – na negociação do Executivo com o Legislativo – em aprovar uma nova arquitetura financeira com novas regras. E na fraqueza keynesiana do financiamento dos novos setores tecnológicos para recuperar o dinamismo produtivo. Não há como negar: a crise trouxe o questionamento do Estado no Ocidente. Pois o que se vê na Europa é um desdobramento em ramos específicos da quebra da árvore que fez florescer também os frutos europeus. Postergando a questão, as finanças e os conservadores de todos os lugares desta cadeia querem reter a forma que já se foi. Tudo isso pode nos levar ao que Tenessee Williams chamaria de “Um demorado adeus”.

O QUE FAZ A DIFERENÇA DA CHINA

Corta a cena e temos um novo plano: a China. O personagem é outro, tem outra realidade. Ela é uma economia emergente. Uma economia que se organiza com dinamismos próprios acentuados, O que não quer dizer que não se alteia também com estímulos do exterior. Foi o deslocamento de empresas americanas, em busca de baixa de custo, que deu um grande impulso ao “drive exportador” chinês. Nessa lufada de vento transferiu tecnologias administrativas, financeiras e produtivas para a economia receptora. Todavia, há um ponto que mostra uma substancial diferença. O Estado chinês. Um Estado que não se colocou a serviço das finanças e nem mesmo da produção pura e simples. Engendrou outra coisa. A China tinha um Estado que assumiu o processo de planejamento, de liderança e de investimento na economia. E desenvolveu os mecanismos de mercados sempre com o apoio, a vigilância e a regulação do Estado.

O AVESSO DO ESTADO AMERICANO ATUAL

Desta forma, a pergunta seguinte tem cor. Trazendo o fato de que a economia chinesa tem um Estado intervencionista, produtivista, um Estado que planeja as modificações das atividades econômicas, será que ele tem capacidade para reordenar e liderar, de puxar uma nova ordem mundial, além de tratar da reformulação de suas estruturas? Esta pergunta tem uma resposta evidente: não. Todavia, o que ela coloca às economias americana e européia é um contundente desafio: como uma economia pode resolver sua crise sem o papel do Estado? E diretamente: como lutar contra a expansão chinesa com um Estado frágil diante das forças econômicas internas em Estado de inércia ativa? Como o Estado americano pode lutar contra o bate pé das finanças? Como o Estado americano pode colocar vigorosos recursos para uma modificação estrutural do setor energético? Como pode o Estado americano dispor de financiamento para a solução dos problemas ambientais e constituir, de um modo capitalista, novas indústrias no setor? Como o Estado americano poderá dirigir à base do crédito destinado à especulação para o desenvolvimento dinâmico destinado à liderança da produção das novas tecnologias de informação e comunicação?

O CRITÉRIO DA MUDANÇA

O que queríamos fazer notar neste texto é que temos, de um lado, a decomposição de uma economia globalizada em torno dos Estados Unidos. Mas, uma economia que, neste desmanchar, destruiu a solidez do enlace que existia na globalização. Dito de maneira diferente, do jeito de Camões com “uma tuba canora e belicosa”: a economia mundializada está sim, está partida estrutural e dinamicamente. A economia que existiu não volta mais, não adianta dizer que há crescimento aqui e ali. Isto melhora, mas não altera quase nada. Por quê? A resposta está na pergunta que ladra: houve mudança estrutural na atual economia do mundo? Na China até que se fabricam transformações. Mas, nos Estados Unidos – e principalmente na Europa – a estrutura liberal que está depauperada, sem ânimo, não encontra capacidade para reformar os seus encantos, ela tem uma paralisia interna brutal. As nações e os Estados são prisioneiros das finanças; e as finanças não se resolvem e se deslancham; e o crédito não flui e não irriga a produção; e a produção não se transforma nem se aventura tecnologicamente. Pode uma economia desta ordem estar em retomada econômica? Em pós-crise?

A CHINA TEM FORÇA PARA PUXAR O MUNDO?

Do outro canto do planeta, a China encadeia uma transformação da economia. Deixou de lado o caráter exportador, volta-se para a sua intimidade, reforma as áreas produtivas para renovar os setores. Naturalmente, isto não é feito sem choques, sem conflitos sociais, sem pressões inflacionárias. Mas, como dizem os franceses: “on bouge”. A coisa anda. E nessa nova dinâmica, recompõe relações com regiões, com países, faz uma nova sintonia com Ásia, com a Índia, com o Brasil, etc. Ou seja, a China existe como dinamismo. Mas, a pergunta devorante é a seguinte: está ela em condições de substituir – dinâmica, tecnológica e financeiramente – a economia americana? É a economia chinesa uma economia capaz de soldar e puxar a economia americana? É a economia chinesa uma economia líder das transformações energéticas? Tem ela metamorfoses tecnológicas de ponta nas novas tecnologias de comunicação e informação, na nanotecnologia, na biotecnologia, nas tecnologias médicas, na bioeletrônica? É o Estado chinês capaz, por sua fortaleza, por sua dimensão, por sua influência mundial, de construir uma moeda com suficiente força para rivalizar ou substituir o dólar?

AS QUESTÕES JOGADAS SOBRE A ECONOMIA

Infelizmente, se as respostas forem não, a estrada ainda vai continuar longa. Ainda teremos o tema de Eugene O´Neill, “Uma longa viagem dentro da noite”. E as questões são essas, jogadas, lembrando Drummond, como as coisas que o mar lança a praia:
1) Como organizar no Ocidente um novo Estado que possa dominar as finanças e orientar, via planejamento, a nova produção? O planejamento pode ser reconstruído?
2) Como quebrar a hegemonia das finanças, inclusive o seu domínio sobre o Estado? Como transformar o Estado financeiro? Que Estado estará por vir?
3) Que estrutura de organização teremos nas empresas ocidentais, dado o fato de que a “corporate governance” é uma forma de financeirização das empresas? Existem novas formas de organizações empresariais à vista?
4) É possível mudar a economia globalizada, conservando as características da economia financeira apenas alterando o enlace com a China? Ou seja, diminuindo a liderança americana e proporcionando um maior fator de dinamismo na economia chinesa?
5) A questão fundamental passa por diversas sub-questões urgentes. Da pergunta principal, de como será organizada a combinação da nova estrutura da economia globalizada, podem emergir dúvidas sobre qual a liderança – ou até mesmo a hegemonia – que vai conduzir o processo econômico? É possível ainda pensar que a transformação da economia produtiva, como as novas tecnologias, a infra-estrutura energética, as condições ambientais, virão da recomposição da estrutura financeira neo-liberal?
6) Poderão os americanos reformar a sua economia e a sua política externa, baseada na guerra, na direção de uma nova economia mundializada que componha, sem conflitos, com as metamorfoses da China? Os recentes encontros entre americanos e chineses encaminharam as questões nesta trajetória?
7) É possível a economia americana dominar as finanças e encaixar uma economia de tecnologia avançada, com um objetivo de se tornarem novamente exportadores em face de uma China se estruturando economicamente pelo interior e se tornando importadora? Quais as conexões possíveis pondo na jogada as demais economias como a Europa, a Rússia, o Brasil, a Índia, etc.

8) Enfim, as perguntas poderão se desdobrar continuadamente, como um rio caudaloso, fertilizando os questionamentos. Crescem as tensões, crescem as deteriorações, crescem as questões sociais. Pergunta igualmente decisiva: não estarão retornando os grandes conflitos sociais de outras épocas, vestidos de novas roupagens e novos combates e novos ativismos? Ou seja, os conflitos ideológicos, políticos, econômicos entre capital e trabalho poderão emergir frontalmente em toda parte? Ou serão conflitos localizados, por exemplo, como na Europa? Não haverá uma direitização do mundo, por outra parte, como mostram as forças conservadoras que estão presentes nos Estados Unidos, que venceram as eleições na Inglaterra, que se manifestam sem reservas na Alemanha, etc.?

ATENÇÃO PARA AS DORES DA MUDANÇA

De qualquer forma, o que parece claro: vamos entrar numa nova fase histórica. E a passagem de uma forma para outra, do neoliberalismo financeiro e de guerra para uma nova modalidade, ainda em profunda e subterrânea gestação, não será feita sem dores. Por enquanto, o que temos é muito embaralhamento das questões e das forças sociais. Veja o leitor clássico que quando a peste invadia as cenas na épica ou na tragédia grega, ela anunciava tempos difíceis, tempos de profundas alterações. Nos anos trinta, a peste da Grande Depressão apontou para a 2ª Grande Guerra Mundial. Agora, a peste que assola a economia globalizada, com a ruptura de sua unidade, com a presença manca da financeirização, com a incapacidade de avanço das novas tecnologias, com a presença de novos países no cenário – incluindo o Brasil – com a retomada, ao menos, na Europa de revoltas populares, pode-se pensar que a peste está presente? Para onde aponta? Pode-se descobrir, como indica o título daquele livro de administração, “O lado bom da crise”? Como nos romances, como nos filmes inquietantes, a gente sempre se pergunta: como se desdobrarão os próximos atos? Como é que o cara - diretor ou romancista – vai terminar o seu texto ou as suas imagens?