quinta-feira, março 18, 2010

CRISE ECONÔMICA MUNDIAL
18 de março de 2010
Coluna das quintas

QUEM NÃO TEM
ESTADO,
NÃO SE DÁ BEM
Por Enéas de Souza


O PARTIDO DO LOBBY ESTÁ EM CENA

As lutas das classes nos Estados Unidos mostram que as finanças com o seu partido, o Partido do Lobby, estão vencendo o governo de Obama, de forma aguda, tanto no plano do Healthcare como na supervisão da regulação financeira. É preciso sentir que as finanças continuam mandando no governo: o FED e o Tesouro são deles; o dirigente máximo do Council Advisor Economics também. Só, o espartano, e fiel defensor do capital, Volker, de um capital financeiro e regulado, está do lado de Obama. O resto segue na defesa dos pássaros predadores das finanças. Volker, de sua parte, quer aumento de capital para os bancos, para protegê-los do risco; quer a separação dos bancos comerciais e dos bancos de investimentos, para que estes não levem de arrasto o sistema bancário. Façamos, portanto, um intervalo. E olhemos os acontecimentos políticos no Congresso, sobretudo aqueles que tratam do tema da regulação financeira. É preciso confessar que Obama não tem cacife para ganhar das finanças. Talvez mais tarde, agora, não. O momento passou. A economia financeira parou de tropeçar; os bancos voltaram a operar; e as suas vulnerabilidades foram contrabalançadas por intermédio dos bail-outs, das linhas de liquidez, da incorporação dos ativos podres nos seus balanços contabilmente prontos para os absorverem. Assim, estabilizados, os bancos e as instituições financeiras se resguardaram de qualquer adversidade. E, águias fulminantes, atacaram a reforma financeira do governo no Congresso. E vejam a perfídia do poder, o movimento da economia foi freado para salvar as finanças, lançando para longe qualquer possibilidade de ajudar os consumidores. (E isso que Ludwig Von Mises dizia que o consumidor é o rei.) Contudo, o Estado, ardiloso, deu um gole para a produção, mas o copo da liquidez ficou mesmo com o sistema financeiro. Enquanto isso, os eleitores dos Estados Unidos, numa batalha memorável, colocaram no Executivo, uma cunha não financeira que se chama Obama. Só que, como peixe de lago, não teve e não tem suficiente força para derrotar o esquema pretérito das finanças. Pois estas viveram, e querem continuar a viver, o que Paulo Mendes Campos chamava “o domingo azul do mar”. No caso delas, do mar das rendas financeiras.

COMO É LONGO O MANTO DO ESTADO FINANCEIRO

1
- Aqui está o ponto fundamental da transformação da economia americana. É preciso mudar este Estado, de natureza financeira, para que a economia possa funcionar. Cabe calibrar uma verdadeira metamorfose na dinâmica econômica. O que significa colocar na liderança do processo capitalista as novas tecnologias de comunicação e informação (NTCI). E com esse movimento, reverter o sistema financeiro de exclusivo beneficiário das atividades econômicas para um desejado suporte das atividades produtivas. Ou seja, as finanças precisam renunciar à sua hegemonia, e deixar que a economia siga o seu curso produtivo. Mais do que nunca é preciso que o longo prazo domine – e atraia para si o curto período. O cassino passará, então, a ser um ponto secundário, pois o movimento decisivo será o de sustentação dos negócios da produção. Só que isto, se não é uma utopia, está longe de acontecer. Por enquanto, as finanças estão saindo pelo mundo, buscando mercados e aventuras especulativas. E parece que a liderança delas continua inquestionável concretamente, apesar da economia produtiva e do emprego não passarem de performances medíocres. O problema, então, na questão industrial é mais do que simples. Cabe deixar que as indústrias vinculadas às NTCI passem para a primeira posição no palco. O que sublinha a necessidade de pôr para o fundo da cena as indústrias do estilo automobilístico, que são indústrias não mais amadurecidas e sim em processo de precoce envelhecimento.

2 - Vejam agora como é complicado transformar tudo: primeiro, precisa-se controlar as finanças. Dar-lhes supervisão. E, no mesmo momento, construir uma nova arquitetura financeira. E com isso, indicar às instituições bancárias e às instituições não-bancárias uma nova função. Em segundo lugar, passamos para a produção, e aí, é preciso transpor as NTCI para o posto de locomotiva do processo. E, minha Nossa Senhora, isto é fazer duas coisas difíceis: dominar as finanças e suplantar as indústrias do automóvel. E como é que se faz isso? O problema tem que vir de uma combinação de luta política, de luta econômica e de luta ideológica. Logo, Obama não pode fazer como o Senhor, e descansar no sétimo dia. Obama não pode repousar um só momento. Qualquer vacilo, qualquer sono - a demora na mudança - será a ampliação do inferno americano. E isso, que nós não estamos falando das questões geopolíticas do Império. Substituir o Iraque pelo Afeganistão é quase trocar seis por meia dúzia. E ficar às turras com o Irã não é melhorar a situação no Oriente Médio. Embora até que os States têm tentado mudar um pouco a sua inserção por lá. No entanto, o segmento militar, companheiros de rota das finanças, tem uma política externa baseada na segurança mundial...

A FACE DO NOVO ESTADO

1 - Como quebrar o poder do Lobby que reforça o lado conservador dos democratas e dos republicanos? Somente com uma crise devastadora que ponha as finanças em recuo. O problema atualmente é que a crise está entrando num segundo tempo. Pois, vai acontecendo que ela, de crise das finanças privadas, está se afeiçoando à potencialidade de uma crise das finanças públicas. A prova é o que está se passando na Grécia e na Europa. E a pergunta é: já se pode ver a corda que puxa o tipo de Estado forçando a barra para aparecer na sociedade contemporânea? Olhemos no retrovisor e vejamos o que aconteceu no mundo. As finanças estrangularam o antigo Estado e, com o apoio das elites dominantes, instalaram a sua hegemonia. Através do seu poder político transformaram o Estado de uma maneira interessante. Primeiro: desarmaram a sua capacidade universal, o Estado para todos. E mantiveram, exultantes, seu poder de coerção, só que lhe deram um destino diferente. O Estado foi, nesse caminho, induzido e conduzido a ficar de fora da economia. As finanças, por sua vez, “optaram” por se auto-regularem. E a política econômica foi definida como produto microeconômico das corporações. O Estado, agora controlado pelo sistema financeiro, amparava, via somente com as políticas monetárias, financeira e fiscal, a definição da taxa de juros e dos títulos do Tesouro. Porque estes dois aspectos sustentavam uma moeda, que, como uma champanhe esfuziante, asseguravam que as finanças montassem toda a sorte de especulação, principalmente com a estratégia da securitização. Ou seja, para um título emitido se faz outro título para dar seguro a este. E aí foram os CDOs, os CDS, e toda a montanha títulos. E se valeu para os Estados Unidos, valeu para a dupla Wall Street–City; e se valeu para a Europa, valeu para o mundo. E por fim, as finanças financeirizaram tudo. Como diria o poeta Paulo Martins do filme “Terra em transe” de Glauber Rocha: “Vocês venderam tudo”. E financeirizando toda a dimensão da economia, financeirizaram, inclusive, a criação de dois déficits gêmeos, o déficit fiscal e o déficit da balança comercial dos americanos, enlaçando a China. Ora, quando toda essa conexão despenca e se desmancha, é preciso um outro Estado. É uma necessidade lógica. Só que para mudar a economia, no real, tem que mudar a política.

2 - Pois, aí é que está o difícil. Porque, ao salvar os bancos, ao nacionalizar a AIG, por exemplo, o Estado americano não espanejou o campo de batalha, nem conseguiu mudar aqueles que destruíram a confiança no sistema. Certo, alguns foram prô saco, tipo Madoff, porém outros foram absorvidos com o Lehman Brother e a Merrill Lynch. Um ou dois ou três CEOs, altos dirigentes, perderam os seus empregos, contudo todos esses "talentos", como se chamam, ficaram por aí, trocando de corporação ou à espera de uma nova possibilidade de recuperação da volúpia financeira. Os bancos se salvaram, mas nem o governo nem eles mesmos, retomaram efetivamente a economia. Por quê? Porque o capital financeiro, que se valoriza pelas finanças e pela produção, sucumbiu como um todo. Não foi apenas uma crise financeira que ocorreu, foi também um vendaval produtivo – veio abaixo toda a cadeia de valor da produção. O que houve foi, portanto, uma queda de toda – digo: de toda – a economia capitalista. Por isso, o fundamental para que a economia ressurja, há que mudar o padrão de acumulação vigente. E isso só se muda, alterando tudo – desde o Estado e a organização da arquitetura financeira até a liderança e a ordenação da estrutura produtiva. E esse projeto só vai avançar, quando houver uma mutação no comando político da economia, quando o setor financeiro abdicar de sua manha de continuar o joguinho financeiro ou quando o setor produtivo assumir de fato a orientação da nova armação econômica. Ou seja, há que mudar a economia e para tal há que mudar o Estado. A nova cara vai ser um Estado que possa dirigir a economia através de uma política econômica que atenda as questões do longo prazo: tecnologia, produtividade, salários, assistência social e serviços públicos: educação, segurança, saúde, meio ambiente, etc. Se você lê jornal, se você escuta rádio, se você vê televisão, se você entra na internet, você sabe, claramente, que o caldeirão está fervendo. Mas não se muda de uma hora para outra, nem o Estado, nem a economia. As batalhas estão mal começando, mas o subterrâneo já está em andamento, suas placas tectônicas estão se movendo.

3 - Enquanto isso, estamos vendo o crescimento da China, o reposicionamento da Índia e do Brasil, a presença da Rússia, o entravamento e a busca de reposicionamento da Europa (com a Alemanha assumindo um papel importante). Tudo isso está em curso, gerando girassóis e trovoadas por toda a parte, o que significa que estão em movimento duas grandes modificações: a ordem geoeconômica e a ordem geopolítica mundial. E essas moções levam a itinerários amplos na mudança das instituições políticas nacionais e internacionais. Nunca esquecer que a China tendo um Estado central muito forte – e crescendo como está – certamente vai provocar mudanças nas estruturas estatais dos seus concorrentes. Está sendo um esfrega, esfrega. Terminou a moleza do Estado poderoso e retirado do cenário para que as finanças se locupletassem com o bombeamento do capital e do dinheiro da sociedade para eles. Um mundo está indo abaixo e outro está nascendo. (E no Brasil, o redemoinho já está em curso, o trânsito passa pelas eleições deste ano).
E COMO DIZ...
E como diz a música do Tom Zé: "estou te explicando para te confundir, tou te confundindo para te esclarecer".

NOTA - Por duas semanas vou estar ausente deste espaço, retornarei em abril.

quinta-feira, março 11, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
11 de março de 2010
Coluna das quintas

O PODER FINANCEIRO
VERSUS
O PODER DOS ESTADOS

Por Enéas de Souza


SEM LIQUIDEZ, AS FINANÇAS NÃO FUNCIONAM

1
- Estamos vendo um segundo tempo da crise. E nos dá uma nova visão do entrelaçamento pernicioso da economia financeira. Pois encadeia na sua corrente devastadora a economia privada e a economia pública. De que maneira? Antes de mais nada, a economia como um todo precisa de uma moeda, sobretudo uma economia financeira. E uma moeda adequada para esta atividade, para a predominância das finanças, é obviamente uma moeda ágil, veloz, flexível, açulada. E só pode ser uma moeda que não tenha mais como base uma mercadoria concreta, uma mercadoria como o ouro. Logo, uma moeda sem nenhum valor intrínseco, uma moeda abstrata, com um valor garantido pelo Estado. Por isso, a moeda financeira articula a taxa de juros – definida pelo Banco Central – e os títulos públicos – emitidos pelo Tesouro Nacional.

2 - Por quê? Por causa da função monetária de reserva de valor. Pois, como sabemos, uma moeda é meio de circulação e medida de valor. Mas a potência de uma moeda se sabe exatamente pela sua capacidade de ser reserva de valor. Quando tiver preferência pela liquidez, como numa crise, o que faço? Busco aportar numa moeda forte, que é robusta porque é garantida pelo Estado. Pois esta é a coisa que a economia financeira construiu. Um Estado para emitir uma moeda adaptada a seu requerimento, uma moeda que tenha flexibilidade, cuja circulação e cuja velocidade seja fornecedora de liquidez. A liquidez, como forma de valorização do capital aplicado em títulos privados e públicos, é o desejo fundamental do capital financeiro. Mas, para ter uma moeda deste porte, só um Estado pode garantir. Mas quem garante esse Estado? O poder econômico, político, militar e ideológico de uma nação. No caso contemporâneo, o principal Estado é o americano, e por isso, o dólar é a moeda entre as moedas. Como diria o cineasta Scorcese, ele é a cor do dinheiro.

O DESEJO DE QUE TUDO SEJA ATIVO

1 - O mercado financeiro é a alegria dos ricos e dos investidores. Não é um clube exclusivo, mas é um clube para cachorro grande, para espertos e de raciocínio rápido. E ações extremamente prontas, como a de cavalos ligeiros. Agora. Neste instante. E daí, a busca permanente de ativos que dêem lucro fácil, lucro de ocasião, talvez até um lucro descuidista. Na verdade, o objetivo é o rendimento mais exagerado possível. Pois a alma das finanças é a especulação. E a idéia de especulação, para o sistema financeiro, é função de um rendimento, se possível, infinito. Ou seja, as finanças querem e têm mercados instantâneos, que são, pela rapidez dos movimentos, instáveis pela própria natureza. Permite, quando estamos no pró-ciclo, quando o ciclo sobe, que haja sempre um ganho crescente, um avanço aparentemente infindável no território feliz da lucratividade. Por isso, o desejo do mercado financeiro é de girar ativos, muito ativos, supostamente protegidos – securitizados é o termo – com o sonho irrealizado, mas sempre presente, de que eles rendam ilimitadamente. O capitalismo é um sistema transgressor, o capitalismo financeiro um capital vorazmente atravessador de limites. Capital bandoleiro.

2 - Nessa seqüência, o financista faz de tudo para que um ativo possa ter liquidez. E na volúpia do mercado, há que ter ativos. E tudo, na verdade tudo, passa a ser ativo financeiro: ativos reais, títulos privados, títulos públicos, commodities, compondo uma “corbeille”, uma diversificação enorme de títulos. Há no financista e nas finanças o gozo do jogo. É a tesão do movimento da bolsa, do movimento dos títulos públicos, da especulação, etc. O que alegra e faz deste mercado um verdadeiro ”crack”, uma venusiana “drug”, como a guerra para o soldado de “A Guerra ao Terror”, o ganhador do Oscar. O calor da fome de dinheiro é o próprio jogo do movimento financeiro. A mente está sempre buscando alguma coisa para dar grana, para render imediatamente. E assim, é preciso inventar e inovar em termos de ativos. Mas o que mexe com a alma do financista é achar sempre um papel cujo rendimento tenha uma elasticidade em excesso. Foi o que pensou o setor com os primes, os Alt-A, os sub-primes – a escalação das hipotecas do setor imobiliário. É o que pensam agora os especuladores com os títulos gregos. Só que cada ativo porta o seu risco. E, no fundo, a Medusa está ali para pegar os financistas, sempre em algum dia, no mercado financeiro, a casa cai.

3- E a saída é isso mesmo, é se aventurar e correr contra o risco. Porque o excesso instaura o risco como uma forma sempre presente de fazer a diferença entre os competidores. Por isso, as finanças inventaram e inovaram com o Credit Swaps Default, este Pelé do cassino financeiro. Mas, um Pelé que joga para todos os lados. Vejamos o esquema: o Goldman Sachs arranjou empréstimos para os filhos longínquos de Aristóteles. Mas, como o mundo é das finanças, o pensamento de Soros segue junto. Ou seja, e se a Grécia não pagar? Vamos nos proteger. E jogar contra a ela. E assim se faz um CDS contra a referida nação, com uma outra instituição financeira, que pagará na hipótese dos gregos não pagarem. Mas, por sua vez, esta outra instituição, para se resguardar do risco, encadeia um outro CDS para o caso de ter que pagar. Mas, não com as mesmas taxas. Quem sabe aposto mais alto? E eis aí a Grécia apanhada numa teia de aranha. E vem, como um pequeno monstro, para complicar o fenômeno, as agências de notação, as agências de ratings. Quando as coisas ficam perigosas, elas dão o alarme e abaixam a classificação da instituição ou do país. Conclusão: a Grécia para conseguir rolar as dívidas tem que pagar mais juros. De 3% passou a oferecer o dobro. De outro lado, como o país estava, por causa de suas contas, com um déficit anual de mais de 12% e uma dívida de 112% do PIB – quando o tratado de Maastricht permite apenas 3% e 60%, – o mundo caiu em cima do governo grego. E este, como acontece sempre nos tropeços da vida, joga para o bolso dos funcionários (baixa de salários e modificações do valor das aposentadorias) e para a carteira da população (um aumento de impostos), com a finalidade de recuperar as contas públicas. Logo, já se viu este drama, um desastre social completo. A solução de mercado e a felicidade dos especuladores é fazer a Grécia e a população grega sangrarem. E toca mais e mais juros. E o pior é que os CDS não têm nenhum controle, é um mercado de balcão, por isso não há nenhuma instituição que fiscalize e que faça a vigilância. É um mercado do caos, vende e garante o bordel dos títulos. E ameaça a Grécia, a Europa e o Euro.
(Chegará, por via da voracidade especulativa, ao dólar?)

A EXPLOSÃO DA BOMBA

1 - O desejo de que tudo seja ativo e seja motivo de especulação, se no primeiro momento é esperteza, no segundo, é um tiro na fronte, uma bala nos neurônios. Sim, porque este sistema é um sistema suicida. Uma bomba que pode explodir a qualquer momento. Se você, atilado leitor, assistiu ao filme de Kathryn Bigelow, “Guerra ao terror”, que já citamos acima, pode compreender como funciona este sistema, sobretudo o CDS. Ele, o CDS, é um título sempre perigoso, sempre prestes a explodir. E que tem que ser desarmado a cada minuto. Se no momento de euforia, na subida do ciclo, tudo funciona para o aumento das rendas financeiras, quando o ciclo desce, quando o ciclo fica como o Iraque, cada operação é um chamamento a explodir. As finanças se tornam uma ameaça completa e complexa.

2 - Pois vejamos o que está em jogo nesta crise grega. Primeiro, depois da atual crise de várias inovações financeiras nos mercados internacionais, e que leva a uma ruptura da valorização do capital na área das finanças, o rastilho da crise passa da esfera financeira privada para a esfera financeira pública. Com o ataque aos títulos soberanos dos países, começando pela Grécia, o caminho da especulação parece nítido. Visa, de saída, a Grécia, e depois prepara o lança-chamas sobre Portugal, Espanha e Itália, em ordem a ser estabelecida. E por fim, o objetivo – não tenhamos dúvida – é uma bala de canhão sobre o euro. Se a especulação chegar a derrubar esta moeda, o que no momento parece distante, o sistema financeiro terá prosseguido seu movimento suicida em direção à destruição dos Estados. E, no limite, de si mesmo. Naturalmente, que os Estados não quebram, mas podem ficar por muito tempo inviabilizados. E obviamente, é assustador, na mão das finanças. É só especulação e progressivos aumentos das taxas de juros. Se as coisas não funcionarem para os herdeiros de Aquiles e Ulysses, os juros vão subir – e muito. Como, um dia, subiu no Brasil chegando a mais de 40%. Ou seja, a Europa monetária poderá entrar na linha de tiro. Trata-se da trajetória da pólvora financeira.

NOVA RECESSÃO?

Bem, o problema do euro é simples teoricamente. É uma moeda financeira, capenga, coxa e incompleta. De um lado, a Europa é uma união monetária e tem um banco central; com isso, pode gerir a moeda e definir uma taxa de juros para a região, fixando o valor mínimo dos títulos dos países da comunidade. Só que, como não tem um Tesouro, não é uma união fiscal. Têm vários fiscos, os dos países, com situações muito diversas. E assim, ainda teoricamente, o euro, na Alemanha, pode ser moeda de reserva, porque ela pode se garantir, tem capacidade para sustentar uma moeda. Já na Grécia, como é que o euro, ali, pode ser reserva de valor? Impossível. O déficit e a dívida não suportam o balé financeiro. Então, o ataque dos especuladores na Europa começa por ela. Depois, o já dito, avançará para cima de Portugal, Espanha, Itália, etc. Um pouco mais, um pouco menos, eles estão na mesma condição da Grécia. E se esses países caírem, e forem ameaçados com taxas de juros expressivas, o Tesouro da Alemanha não vai resistir. E não resistindo, o euro tombará após a fileira de peixes mortos. Portanto, é hora imperiosa de contra atacar a especulação, para salvar os países e começar uma tentativa de reabilitação do controle dos Estados sobre as finanças. É preciso conter a instabilidade financeira do capitalismo. A crise está, portanto, no segundo tempo. Não é por nada, que Papandreou está pedindo apoio para todos, de Ângela Merkel a Obama. Até quando, Catilina, as finanças devastarão o mundo?

O SEGUNDO TEMPO

As perspectivas de resposta e de metamorfose da economia ainda estão muito nebulosas. Mas, a crise ainda não desatou nos Estados Unidos, o epicentro do terremoto financeiro. As finanças bloqueiam qualquer mudança maior no Congresso, onde o seu partido, o partido do Lobby, é o mais forte, e impede um novo marco regulatório. Enquanto os americanos não resolverem pelo menos: 1) a questão dos grandes bancos (to-big-to-fail), 2) enquanto não regularem ou interditarem os derivativos e 3) enquanto não terminarem o que eles chamam de “consume abuses”, ou seja, a exploração profissional e massacrante dos investidores miúdos e médios, a coisa financeira não vai avançar. Portanto, a sociedade continua na defensiva. E se os americanos estão maltratados, o resto do mundo quase não tem esperança. Desta forma, o que se mostra é que o segundo tempo da crise está promovendo a passagem da crise financeira, envolvendo o setor privado, para o incêndio na área das finanças públicas. Isto quer dizer que é preciso cortar o fogo, pois se ele continuar se alastrando, a recessão em andamento deve crescer. O que vai cortar as labaredas lida com a mudança da arquitetura do sistema financeiro americano e do sistema financeiro mundial. Não parece, no entanto, que as finanças estejam de acordo. E hoje, quem tem o poder são elas. Por um tempo, tudo poderá continuar como está, mas a economia financeira é um mundo de papel que, como a madeira, sofre sem resistência a ação das chamas, no caso das chamas das finanças. A Europa, fortemente ameaçada, esboça um movimento para tentar proibir nos seus domínios o apocalipse da especulação dos derivativos, como resultado do triunfo do capital financeiro.

domingo, março 07, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: Islândia rejeita pagamento de dívida de banco privado à Inglaterra e Holanda

Em um plebiscito realizado especificamente para saber a opinião do povo islandês quanto ao pagamento reclamado por Holanda e Inglaterra dos prejuízos que seus cidadãos tiveram com a falência do banco Icesave, mais de 93% dos votantes se declararam contrários aoa cordo proposto entre os governos dos três países. Os islandeses se recusaram, com razão, a assumir uma dívida que totalizaria 48.000 euros para cada cidadão. Isso apesar da tradicional chantagem de que uma decisão contrária aos interesses financeiros "isolaria o país" e "dificultaria sua recuperação econômica"...

É uma lição indesejável para os mercados financeiros de como o povo pode e deve participar na decisão das questões que o afetam diretamente. Esperemos que o exemplo prospere e se difunda mundo afora, afinal, uma das principais características do capitalismo financeiro hora em crise é a negação da participação democrática nas decisões que afetam seus interesses, em nome de uma suposta "auto-regulação".

Link relacionado:

quinta-feira, março 04, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
04 de março de 2010
Coluna das quintas

O CÍRCULO MORTAL
DO
O ESTADO FINANCEIRO

Por Enéas de Souza



O CINISMO DAS FINANÇAS

Os financistas e seus arautos voltam a atacar. Um economista do Goldman Sachs, esses dias na TV, previu para o mundo um crescimento de 4 e pouco para 2010 e de 4 e tanto para 2011. O que em princípio para uma economia que caiu vastamente, crescer 4% não é retornar ao ponto em que estava. Mas, aceitemos sua visão inaceitável, de que o mundo crescendo 4% cresce mais que a média dos últimos anos da pré-crise que foi de 3,5%. Ora, o que a gente viu foi, sem dúvida, um tipo cínico, arrogante, presunçoso, pronto para mentir a qualquer momento, excluindo, sem nenhum pudor, o GS de qualquer culpa. Defendia ardorosa e de maneira cega, o bônus nas instituições financeiras, dizendo que este paga, só e justamente, o mérito dos talentos dos executivos de qualquer banco. E numa reviravolta de trapezista do mercado financeiro, culpava os políticos e o Estado pelas desgraças da vida. Principalmente pela crise (sic!). A gente assistia assim, do outro lado da tela (ainda bem que era do outro lado), um gangster falando, um tipo que talvez ficasse bem num filme como “Onde os fracos não têm vez”. Certamente, alguém que não mereceria uma entrevista, salvo neste caso, para vermos a mentalidade do tipo predador, cuja mente e discurso se eximia de qualquer culpa, de qualquer erro. E se mostrava pronto para uma nova caça.

O LIMITE INTRANSPONÍVEL

Pois aqui está um ponto essencial. As finanças não querem arredar nenhum pé, nenhum passo, pensam que a mundo sem eles seria muito pior. E o velho Keynes que tinha a ironia britânica falava da eutanásia do rentista... E os integrantes desta fração de classe, sem visão nenhuma de economia, a não ser do lucro imediato e do caixa do banco, do bônus e da sua conta corrente, têm, da atividade econômica, uma idéia de anti-longo prazo. Só a valorização instantânea dos ativos financeiros, só o curtíssimo prazo, só o ato de predação é que os motiva “socialmente”. E, portanto, não sabem, nem querem, nem identificam que a economia financeira chegou a um limite intransponível. O que não quer dizer que a economia não possa dar uma crescida, que não possa dar uma levantada. Ela até pode; contudo, de modo efêmero. Já que o jeito como se comportam as finanças, não aceitando nenhuma regulação, não possibilita que possa haver um trânsito para um outro padrão de acumulação de capital. Por quê? Porque permanecer num padrão não-regulado é simplesmente continuar dentro de um padrão que se extinguiu. O que quer dizer que não existe perspectiva de um crescimento duradouro, nem para elas nem para ninguém. Nessa direção é preciso atentar que, de um lado, as inovações financeiras neste modelo tendem a ser limitadas, por suspeita do próprio mercado. Dito fortemente; a securitização precisa ser reformulada. E de outro lado, a crise produtiva navega num mar revolto, sobretudo as velhas indústrias, do tipo automobilístico. Fora desses aspectos, certamente o astuto economista do primeiro parágrafo, fingiu que não viu o conjunto de ativos podres que estão na contabilidade dos bancos e que vicejam no interior do sistema financeiro como bactérias ameaçadoras. Ou seja, a recuperação, se houver, não mudando o padrão da economia vigente, será como uma festa de despedida, um canto de cisne numa noite de trevas.

FINANÇAS VERSUS A NOVA PRODUÇÃO

1 -Uma economia só funciona quando a produção funciona e quando a economia financeira se desenvolve, especulativamente ou não, em cima deste desenvolvimento. Pois nós temos agora uma crise muito forte, é necessário transformar esta economia do automóvel numa economia das tecnologias de comunicação e informação. Primeiro: esta passagem supõe: uma mudança de liderança na dinâmica da atividade econômica como um todo; segundo: supõe a adequação da economia financeira a esta produção reordenada; terceiro: requer uma metamorfose na arquitetura do sistema financeiro, pondo este conectado com o sistema industrial e seus companheiros o comércio e os serviços; quarto: requer que o Estado assuma um comando sobre a economia, principalmente disciplinando o capital, ou seja, regulando a atividade econômica.

2 - E a economia é como um rio. Se suas águas forem represadas, elas vão descobrir um desvio para romper com a barreira. Novas e novas águas, diria o Heráclito, vão emergir. Mas, não tem! O mundo vai ter que mudar. E hoje, agora, será muito mais fácil. Depois, se a resistência for grande, só com rasgões, quando o velho – e o velho hoje são as finanças – terá que dar passagem ao novo. E dar passagem por razões estruturais. Mesmo porque se as previsões deste “humanista” da GS se confirmarem, elas não emplacarão num vôo de brigadeiro, como ele pensa e sugere que vai acontecer. É preciso ver que a produção e os trabalhadores vão fazer pressão para que este inverno econômico passe a ser, ao menos, um inverno brando ou, quem sabe, uma primavera. Carlota Pérez, todavia, fala num novo Verão, numa Gold Age. Não chegamos a esta expectativa. Concordamos, não resta dúvida, com ela, quanto a necessidade econômica, política e sociológica de superar este quadro absurdo que está acontecendo neste momento. A rapina salva pelo Estado e pela sociedade volta-se, como uma fera danada, dentes aguçados e vorazes, num monstro diluviano. Um verdadeiro núcleo da barbárie, para morder e liquidar o Estado e a sociedade.

PORQUE O ESTADO SÓ DEFENDE AS FINANÇAS?

Como estamos vendo, uma das dificuldades no embrulho da economia contemporânea tem o nome de Estado financeiro. Sua presença no cenário político e econômico permitiu algumas mudanças decisivas que contribuíram para o sucesso e hegemonia das finanças. Mas estão no bojo desta estrutura estatal características que são pontos nevrálgicos para a sua sobrevivência:

(1) a transformação da moeda-ouro em moeda financeira;
(2) a construção de um sistema de negociação de títulos financeiros, progressivamente auto-regulamentado;
(3) a fissura na estrutura institucional do Estado, entre um setor econômico (reunindo o Banco Central, independente ou autônomo, e a Fazenda, que garantem as operações do sistema financeiro) e um setor constituído pelos demais ministérios, totalmente subordinado ao primeiro;
(4) a necessidade do Estado para bloquear financeiramente, com recursos orçamentários ou endividamento público, qualquer operação de qualquer instituição que traga uma ameaça de risco sistêmico à economia;
(5) a colocação de títulos públicos para servir ao jogo de acumulação do capital financeiro, em momentos de salvação de instituições bancárias e não bancárias, funciona em detrimento do Estado e da sociedade;
(6) a necessidade de manter o controle da moeda contra a especulação dos capitais privados, para evitar que a ameaça do risco sistêmico se transforme em risco social;
(7) a deterioração da moeda, de um país ou de uma região, encadeia uma sucessão de crises, que segue o seguinte movimento: crise financeira, crise fiscal, crise monetária e crise do próprio Estado, à medida que se evidencia a incapacidade do Banco Central e do Tesouro.

Desta forma, lendo estas notas, podemos ver que existe um fantasma, o fantasma do velho Keynes, rondando o paraíso das finanças. Pois se ele propunha, com toda a sua argúcia e clareza, a eutanásia das finanças, ao se observar a estrutura da relação entre capital financeiro e Estado, o que a gente percebe é que o sistema tem um lado de euforia, mas tem também um ponto de vertigem. É nesta altura que está inscrita a hipótese de uma crise imensa, por uma vocação ao suicídio dos rentistas, pois uma crise profunda das finanças engancha o Estado, o Estado financeiro. Por essa razão, não há saída, este Estado tem que defender fortemente as finanças, sob pena de se ver envolvido na voragem da crise do capital. Mas, uma crise deste coloca obviamente em cheque o próprio Estado. Ainda não chegamos a este ponto, mas o círculo capital-Estado pode entrar numa de trajetória de infindável realimentação.

terça-feira, março 02, 2010

ECONOBRASIL no Diario Gauche

Ficamos felizes em saber que os amigos do excelente Diario Gauche (www.diariogauche.blogspot.com ) estão apreciando nossas postagens sobre o desenrolar da crise financeira mundial, como mostra a menção feita no blog ao artigo do Enéas sobre a crise na Grécia e na Europa ("A Grécia põe a Europa em questão", 18/02/2010).
Aproveitamos para recomendar o acompanhamento do Diario Gauche aos nossos leitores interessados em análises e reflexões sobre a sociedade e a política gaúchas que fujam ao lugar comum expresso pela mídia oficial. É sempre uma delícia poder compartilhar os questionamentos que tanto irritam as antigas vozes monocórdias do poder local, dentro do mesmo espírito que nos anima aqui no ECONOBRASIL em relação as notícias da economia internacional e brasileira.