CRISE ECONÔMICA MUNDIAL
18 de março de 2010
Coluna das quintas
QUEM NÃO TEM
18 de março de 2010
Coluna das quintas
QUEM NÃO TEM
ESTADO,
NÃO SE DÁ BEM
Por Enéas de Souza
Por Enéas de Souza
O PARTIDO DO LOBBY ESTÁ EM CENA
As lutas das classes nos Estados Unidos mostram que as finanças com o seu partido, o Partido do Lobby, estão vencendo o governo de Obama, de forma aguda, tanto no plano do Healthcare como na supervisão da regulação financeira. É preciso sentir que as finanças continuam mandando no governo: o FED e o Tesouro são deles; o dirigente máximo do Council Advisor Economics também. Só, o espartano, e fiel defensor do capital, Volker, de um capital financeiro e regulado, está do lado de Obama. O resto segue na defesa dos pássaros predadores das finanças. Volker, de sua parte, quer aumento de capital para os bancos, para protegê-los do risco; quer a separação dos bancos comerciais e dos bancos de investimentos, para que estes não levem de arrasto o sistema bancário. Façamos, portanto, um intervalo. E olhemos os acontecimentos políticos no Congresso, sobretudo aqueles que tratam do tema da regulação financeira. É preciso confessar que Obama não tem cacife para ganhar das finanças. Talvez mais tarde, agora, não. O momento passou. A economia financeira parou de tropeçar; os bancos voltaram a operar; e as suas vulnerabilidades foram contrabalançadas por intermédio dos bail-outs, das linhas de liquidez, da incorporação dos ativos podres nos seus balanços contabilmente prontos para os absorverem. Assim, estabilizados, os bancos e as instituições financeiras se resguardaram de qualquer adversidade. E, águias fulminantes, atacaram a reforma financeira do governo no Congresso. E vejam a perfídia do poder, o movimento da economia foi freado para salvar as finanças, lançando para longe qualquer possibilidade de ajudar os consumidores. (E isso que Ludwig Von Mises dizia que o consumidor é o rei.) Contudo, o Estado, ardiloso, deu um gole para a produção, mas o copo da liquidez ficou mesmo com o sistema financeiro. Enquanto isso, os eleitores dos Estados Unidos, numa batalha memorável, colocaram no Executivo, uma cunha não financeira que se chama Obama. Só que, como peixe de lago, não teve e não tem suficiente força para derrotar o esquema pretérito das finanças. Pois estas viveram, e querem continuar a viver, o que Paulo Mendes Campos chamava “o domingo azul do mar”. No caso delas, do mar das rendas financeiras.
COMO É LONGO O MANTO DO ESTADO FINANCEIRO
1 - Aqui está o ponto fundamental da transformação da economia americana. É preciso mudar este Estado, de natureza financeira, para que a economia possa funcionar. Cabe calibrar uma verdadeira metamorfose na dinâmica econômica. O que significa colocar na liderança do processo capitalista as novas tecnologias de comunicação e informação (NTCI). E com esse movimento, reverter o sistema financeiro de exclusivo beneficiário das atividades econômicas para um desejado suporte das atividades produtivas. Ou seja, as finanças precisam renunciar à sua hegemonia, e deixar que a economia siga o seu curso produtivo. Mais do que nunca é preciso que o longo prazo domine – e atraia para si o curto período. O cassino passará, então, a ser um ponto secundário, pois o movimento decisivo será o de sustentação dos negócios da produção. Só que isto, se não é uma utopia, está longe de acontecer. Por enquanto, as finanças estão saindo pelo mundo, buscando mercados e aventuras especulativas. E parece que a liderança delas continua inquestionável concretamente, apesar da economia produtiva e do emprego não passarem de performances medíocres. O problema, então, na questão industrial é mais do que simples. Cabe deixar que as indústrias vinculadas às NTCI passem para a primeira posição no palco. O que sublinha a necessidade de pôr para o fundo da cena as indústrias do estilo automobilístico, que são indústrias não mais amadurecidas e sim em processo de precoce envelhecimento.
2 - Vejam agora como é complicado transformar tudo: primeiro, precisa-se controlar as finanças. Dar-lhes supervisão. E, no mesmo momento, construir uma nova arquitetura financeira. E com isso, indicar às instituições bancárias e às instituições não-bancárias uma nova função. Em segundo lugar, passamos para a produção, e aí, é preciso transpor as NTCI para o posto de locomotiva do processo. E, minha Nossa Senhora, isto é fazer duas coisas difíceis: dominar as finanças e suplantar as indústrias do automóvel. E como é que se faz isso? O problema tem que vir de uma combinação de luta política, de luta econômica e de luta ideológica. Logo, Obama não pode fazer como o Senhor, e descansar no sétimo dia. Obama não pode repousar um só momento. Qualquer vacilo, qualquer sono - a demora na mudança - será a ampliação do inferno americano. E isso, que nós não estamos falando das questões geopolíticas do Império. Substituir o Iraque pelo Afeganistão é quase trocar seis por meia dúzia. E ficar às turras com o Irã não é melhorar a situação no Oriente Médio. Embora até que os States têm tentado mudar um pouco a sua inserção por lá. No entanto, o segmento militar, companheiros de rota das finanças, tem uma política externa baseada na segurança mundial...
A FACE DO NOVO ESTADO
1 - Como quebrar o poder do Lobby que reforça o lado conservador dos democratas e dos republicanos? Somente com uma crise devastadora que ponha as finanças em recuo. O problema atualmente é que a crise está entrando num segundo tempo. Pois, vai acontecendo que ela, de crise das finanças privadas, está se afeiçoando à potencialidade de uma crise das finanças públicas. A prova é o que está se passando na Grécia e na Europa. E a pergunta é: já se pode ver a corda que puxa o tipo de Estado forçando a barra para aparecer na sociedade contemporânea? Olhemos no retrovisor e vejamos o que aconteceu no mundo. As finanças estrangularam o antigo Estado e, com o apoio das elites dominantes, instalaram a sua hegemonia. Através do seu poder político transformaram o Estado de uma maneira interessante. Primeiro: desarmaram a sua capacidade universal, o Estado para todos. E mantiveram, exultantes, seu poder de coerção, só que lhe deram um destino diferente. O Estado foi, nesse caminho, induzido e conduzido a ficar de fora da economia. As finanças, por sua vez, “optaram” por se auto-regularem. E a política econômica foi definida como produto microeconômico das corporações. O Estado, agora controlado pelo sistema financeiro, amparava, via somente com as políticas monetárias, financeira e fiscal, a definição da taxa de juros e dos títulos do Tesouro. Porque estes dois aspectos sustentavam uma moeda, que, como uma champanhe esfuziante, asseguravam que as finanças montassem toda a sorte de especulação, principalmente com a estratégia da securitização. Ou seja, para um título emitido se faz outro título para dar seguro a este. E aí foram os CDOs, os CDS, e toda a montanha títulos. E se valeu para os Estados Unidos, valeu para a dupla Wall Street–City; e se valeu para a Europa, valeu para o mundo. E por fim, as finanças financeirizaram tudo. Como diria o poeta Paulo Martins do filme “Terra em transe” de Glauber Rocha: “Vocês venderam tudo”. E financeirizando toda a dimensão da economia, financeirizaram, inclusive, a criação de dois déficits gêmeos, o déficit fiscal e o déficit da balança comercial dos americanos, enlaçando a China. Ora, quando toda essa conexão despenca e se desmancha, é preciso um outro Estado. É uma necessidade lógica. Só que para mudar a economia, no real, tem que mudar a política.
2 - Pois, aí é que está o difícil. Porque, ao salvar os bancos, ao nacionalizar a AIG, por exemplo, o Estado americano não espanejou o campo de batalha, nem conseguiu mudar aqueles que destruíram a confiança no sistema. Certo, alguns foram prô saco, tipo Madoff, porém outros foram absorvidos com o Lehman Brother e a Merrill Lynch. Um ou dois ou três CEOs, altos dirigentes, perderam os seus empregos, contudo todos esses "talentos", como se chamam, ficaram por aí, trocando de corporação ou à espera de uma nova possibilidade de recuperação da volúpia financeira. Os bancos se salvaram, mas nem o governo nem eles mesmos, retomaram efetivamente a economia. Por quê? Porque o capital financeiro, que se valoriza pelas finanças e pela produção, sucumbiu como um todo. Não foi apenas uma crise financeira que ocorreu, foi também um vendaval produtivo – veio abaixo toda a cadeia de valor da produção. O que houve foi, portanto, uma queda de toda – digo: de toda – a economia capitalista. Por isso, o fundamental para que a economia ressurja, há que mudar o padrão de acumulação vigente. E isso só se muda, alterando tudo – desde o Estado e a organização da arquitetura financeira até a liderança e a ordenação da estrutura produtiva. E esse projeto só vai avançar, quando houver uma mutação no comando político da economia, quando o setor financeiro abdicar de sua manha de continuar o joguinho financeiro ou quando o setor produtivo assumir de fato a orientação da nova armação econômica. Ou seja, há que mudar a economia e para tal há que mudar o Estado. A nova cara vai ser um Estado que possa dirigir a economia através de uma política econômica que atenda as questões do longo prazo: tecnologia, produtividade, salários, assistência social e serviços públicos: educação, segurança, saúde, meio ambiente, etc. Se você lê jornal, se você escuta rádio, se você vê televisão, se você entra na internet, você sabe, claramente, que o caldeirão está fervendo. Mas não se muda de uma hora para outra, nem o Estado, nem a economia. As batalhas estão mal começando, mas o subterrâneo já está em andamento, suas placas tectônicas estão se movendo.
3 - Enquanto isso, estamos vendo o crescimento da China, o reposicionamento da Índia e do Brasil, a presença da Rússia, o entravamento e a busca de reposicionamento da Europa (com a Alemanha assumindo um papel importante). Tudo isso está em curso, gerando girassóis e trovoadas por toda a parte, o que significa que estão em movimento duas grandes modificações: a ordem geoeconômica e a ordem geopolítica mundial. E essas moções levam a itinerários amplos na mudança das instituições políticas nacionais e internacionais. Nunca esquecer que a China tendo um Estado central muito forte – e crescendo como está – certamente vai provocar mudanças nas estruturas estatais dos seus concorrentes. Está sendo um esfrega, esfrega. Terminou a moleza do Estado poderoso e retirado do cenário para que as finanças se locupletassem com o bombeamento do capital e do dinheiro da sociedade para eles. Um mundo está indo abaixo e outro está nascendo. (E no Brasil, o redemoinho já está em curso, o trânsito passa pelas eleições deste ano).
E COMO DIZ...
E como diz a música do Tom Zé: "estou te explicando para te confundir, tou te confundindo para te esclarecer".
NOTA - Por duas semanas vou estar ausente deste espaço, retornarei em abril.