quinta-feira, fevereiro 18, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
18 de fevereiro de 2010
Coluna das quintas

A GRÉCIA PÕE
A EUROPA
EM QUESTÃO

Por Enéas de Souza


O ABSURDO DA GRÉCIA

A crise grega colocou mais economia na política, mais privado no público. E de uma forma assustadora. Uma forma onde a vigarice penetrou profundamente no setor estatal e fez do Estado fonte de rendimento, fonte de especulação, fonte de expansão das finanças e fonte de desmoralização do próprio Estado. A situação da Grécia é imensamente grave e suntuosamente absurda, a tal ponto que o que está em jogo não é apenas a credibilidade de um país; pôs na reta, e em perspectiva de crise, o euro. E no limite, jogou a questão no colo da União Européia. Isto sem contar que apareceu, de novo, como um leme inacreditável, a revelação da audácia, da impunidade e do descontrole das entidades financeiras. Elas mantêm, sem perder a irracionalidade, ainda, um cenário de contundente instabilidade na economia mundial.E no fundo dos bastidores do caso grego, emerge a indisfarçável presença de um capital predador, o Goldman Sachs, para confirmar a fotografia dos gestos contemporâneo preferido das finanças.

ESTÁ NA HORA DO RETORNO DA POLÍTICA

De onde surgiu esta impressionante desenvoltura das finanças, que passou pela produção da crise grega? Primeiro: surgiu por causa do avanço triunfal do capital financeiro, que fez do Estado um ente visivelmente a seu serviço, liberando os capitais no seu movimento e desregulamentando a economia. Segundo: surgiu porque o Estado esteve sempre de prontidão com seus bancos centrais para resguardar a política monetária e financeira definida ou imposta pelas finanças. E, portanto, para salvar as instituições bancárias e não bancárias de colapsos e bancarrotas em suas fantasiosas aplicações. Um exemplo vivo: os bailouts e as linhas de liquidez do FED durante a crise americana. Terceiro: surgiu por efeito de uma cisão operada no Estado, que separou na sua figura o ente financeiro e o ente político. Assim, ao ser financiado pelas finanças, o Estado poderia ser tratado ambiguamente. De um lado, os títulos públicos eram valorizados por terem garantia estatal, mas de outro lado, estes ativos eram operados de modo semelhante aos papéis do setor privado, títulos que entravam no carrossel especulativo, pelo fato de serem submetidos à securitização. Assim, se ligarmos os itens 1,2 e 3, fica registrado que, por via do endividamento público, as finanças tornaram-se uma ameaça a estabilidade e a integridade do Estado. Ponha-se então na quadra o caso grego. Ele é exemplar da absoluta delinqüência com que atuou a corporação financeira. E com isso chegamos ao quarto ponto. Para comprovar o afirmado acima, sabemos que o setor privado tem uma expertise na forma de manobrar nesses mercados de auto-regulação e mal supervisionados. Com essa experiência, o Goldman Sachs ajudou a Grécia a lançar títulos, para colocá-los, em seguida, na voragem da especulação, atuando, via CDS, contra o citado país. Mas foi além e fez pior. Deu consultoria para a burla decisiva: com sua experiência contábil financeira ajudou ao Estado grego na maquiagem da contabilidade pública. Com isso, colaborou com o governo conservador da Grécia no ludibrio à comunidade européia, justamente por ocasião do ingresso nesta daquele país. O que evidenciou, também é óbvio, a fragilidade da UE no controle fiscal das Estados participantes.

Sinta o leitor, a ousadia da fraude e a falta de caráter político do governo conservador e corrupto de Costas Caramanlis na Grécia, permitindo que o Goldman Sachs fosse o seu conselheiro de estrada e de enganação financeira. Se os conservadores não fossem batidos por Papandreou a gravidade da situação levaria ainda algum tempo a ser conhecida. E o que se conclui desse processo de absoluta privatização do Estado? É que ele deve dar a oportunidade a um recomeço de um movimento político, cuja finalidade deve ser a de transformar as relações entre o público e o privado. Mas, não só na Grécia. Também na Europa como no resto do mundo.

OS CAMINHOS DA EUROPA

1
- A Europa está sofrendo uma ameaça econômica e política complexa. É preciso atentar para a sua realidade. Ela é uma entidade social com corpo e sem cabeça. Ou seja, tem moeda, mas não tem Estado. Gere uma política monetária e financeira, mas não gere uma política fiscal. Na verdade, cada país tem a sua própria e a Europa não tem nenhuma. Portanto, não há integração dos fiscos. Por essa razão, emerge uma motivação fundamental. Este processo da Grécia está pedindo que a União Européia dê mais um passo na direção de um Estado europeu. Esse Estado está longe de acontecer. Mas, a solução da crise grega tem que se dirigir para lá. De um modo ou de outro, a Comunidade deve encontrar mecanismos para alcançar uma nova etapa. O ponto que está visível é a busca de uma coordenação econômica que assegure um mínimo de coerência no campo da fiscalidade coletiva. E esta coordenação vai ser um degrau a mais para a integração das finanças públicas dos Estados membros. Dito claramente: esta coordenação pode esboçar no futuro a criação de um Tesouro europeu. Ao mesmo tempo, que será uma nova baliza no rumo da constituição de um Estados Unidos da Europa ou de uma verdadeira União política européia. Se este não for o itinerário, certamente uma trajetória de longo prazo, a Europa estará ameaçada não só de ficar inerte, como ameaçada de regredir profundamente. E não esqueçamos que além da crise grega temos pela frente a possibilidade de crises fiscais em Portugal, na Itália e na Espanha, etc. Não há escolha. O caminho das decisões, o objetivo estratégico prioritário de ampla duração, deve rumar para a construção de um Estado europeu, na forma preferida e negociada entre os seus participantes.

2- Cada vez fica mais claro, que a Europa foi ultrapassada pela China. Portanto, para se firmar e retornar ao jogo precisa fazer movimentos políticos amplos, e muito difíceis, de busca de unidade dos seus Estados membros. Precisa desenvolver no mínimo uma união econômica de ordem monetária, financeira e fiscal. Precisa elaborar uma estratégia de construção de um Estado, onde a Comissão, o Conselho e o Parlamento europeu, possam de fato ter plenas condições para definir, para os habitantes da região, metas de caráter político, econômico, militar, social e cultural. E, sobretudo, há que encontrar força, portanto poder, para fazê-las cumprir. O primeiro passo principia agora, nesse momento: dar solidariedade ao Estado grego para a solução de seus problemas financeiros. Em benefício da comunidade européia e da sociedade grega. Para tal, será preciso estabelecer um plano adequado de solução da dívida (em 12,7% do PIB quando a permitida pela legislação da Europa é 3%). Contudo, a União Européia não pode parar aí, deve continuar a sua trajetória. Deve estabelecer uma relação institucional de verificação dos dados econômicos dos países membros com segurança. Deve prosseguir com uma política de coordenação fiscal, tanto com a finalidade de solucionar este caso, como de preparar-se para resolver outros que porventura apareçam. E obviamente, estabelecer uma estratégia de unificação política. Cada vez fica mais claro que esse é o caminho a seguir. A Europa ultrapassa a questão shakesperiana. Se recuar, morre. Pois o seu dilema não é ser ou não ser. O seu dilema é ser ou ser. Não há saída - eis a questão!

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