quinta-feira, outubro 22, 2009

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
Coluna das quintas
22 de outubro de 2009

O TEMPO DA CRISE
(Teremos novas aves com novas plumagens?)

Por Enéas de Souza

Da passagem da economia à política

Os tempos são de crise, mesmo que a indústria dourada da mídia transforme os seus produtos, informações e comunicações em cosméticos, quinquilharias e turismo. Ela se transforma numa indústria ideológica, vendendo idéias, imagens e espetáculos. A sua função tem sido ultimamente aquela de transformar o desastre da economia num mundo benfazejo, altamente positivo, negativamente inviável. Só que o real é o que insiste e o que abate as fantasias da ideologia dominante. A crise como um personagem muito à vontade se instalou nos bancos, nas indústrias, nas casas dos indivíduos. E não adianta disfarçar: não há paliativos que melhorem o tumor, tudo é medicação leve, quando a doença é profunda. Pode-se dizer que é uma doença estrutural. Ou seja, para resolver o problema só tem um jeito: alterar a estrutura das atividades econômicas. A grande questão é que economia é uma realidade social, onde estão envolvidos grupos, classes e posições que se antagonizam fortemente, ou seja, economia é concorrência e competição. Nos momentos fortes de impasse, ela sai pela política. E não podemos esquecer que a política é conflito, disputa e contradição. Portanto, há que se admitir que a sociedade americana e mundial está debaixo de um fogo intenso e de um combate arrepiado.O Estado é o problema. Só que existem outros fatores que atuam no processo. Antes, de mais nada, existem duas estruturas que estão se decompondo e que precisam ser rearranjadas, remodeladas para que apareça o novo. Pois sem o desmanchar do velho, o novo não emerge. E o novo, o mais novo de tudo, é a transformação produtiva pela presença de expansões tecnológicas. Mas para que esta surja uma coisa indispensável tem que acontecer. De fato, uma mudança fundamental. A decomposição do velho inclusive na política para que outras políticas surjam e possam ser instauradas. Ou seja, o problema passa pelo Estado. Há que mudá-lo, com a finalidade de que novas composições políticas definam políticas econômicas que sejam transformadoras. Este filme tem que ter novos cenários e diferentes atores. Até o momento, os governos continuam com dirigentes que estabelecem proposições para reformular o velho, ou seja, para tentar acalmar a estrutura financeira. Não, o tumulto da crise e que causou perturbações vastas não passou só pelas finanças. O ponto é que como uma barca fulminante atravessou a produção e as finanças. Um fatal desastre. Veja-se, por exemplo, a produção. Ela assenta o seu avanço no desenvolvimento da tecnologia, pois é a tecnologia que permite trazer e carrear investimento. Logo, proporcionar a lucratividade cobiçada. Neste sentido, a produção conta com a tecnologia para alcançar a promessa de lucros excepcionais. Olhemos o outro lado, as finanças, que tiveram um período de glória e morte nos últimos 30 anos. A instituição da área que quiser sobreviver e recuperar o retorno consistente das rendas financeiras deve aprender a ser plástica, dúctil, vivamente flexível. E, no embalo das semanas, buscar inovações que promovam uma recomposição com a área produtiva. Há que ter clareza: só quem pode desfazer as antigas conexões e instalar outras é a figura negociadora e coercitiva do Estado. Só que o Estado está amarrado e armado para um período de hegemonia absoluta das Finanças. E este momento acabou. Como mudar? O que fazer?

O tempo e a demora do tempo

1 – Podemos dizer que para que a temporalidade econômica avance é indispensável que tenhamos o tempo da política. E aqui, dado o poder das finanças sobre o Estado, é que talvez haja uma certa possibilidade da “eutanásia” das finanças. Obviamente, num momento de desespero ou de lucidez. Pois, olhando pela universalidade do capital, talvez os dirigentes políticos, vinculados ao setor financeiro possam definir num tempo o destino às finanças. Fazer a “eutanásia” do rentista. Não de cada rentista particular. Mas, uma solução que passa pelo rearranjo do lugar das finanças como classe. Passaria a servir à sociedade, fornecendo crédito, deixando de lado o grande endoidecimento da especulação. Um movimento oficializado. E, no estado atual das coisas, este caminho, esta canalização só será alcançada por meio do Estado.

2 – Caberá, portanto, ao poder público tomar uma posição política cujo escoadouro abrangerá uma política econômica que reservará à órbita financeira um papel de apoio, um papel de fornecedor de crédito, um papel de sustentador da dinâmica das empresas. Assim, de uma deusa da Fortuna, as finanças terão que ser a deusa da Sabedoria... Obviamente que esta solução hoje é quase impensável. Mas se a economia patinar, se a acumulação não avançar, talvez. Se as ideologias, a população e os outros capitais não compactuarem com a alucinação das finanças de retornarem à lei do dinheiro que dá mais dinheiro, simplesmente por simplesmente, quem sabe. Então, é possível que a febre de que os ativos, quaisquer que sejam, tenham que botar a máscara de ativo financeiro, seja bloqueada. No final das contas, há que alterar a questão da governança corporativa. Este princípio regulador e organizador das corporações tem como objetivo a financeirização da empresa produtiva. Mas esta solução – ou algo que tenha o mesmo efeito – terá que ser o resultado de um processo profundo e que remeta a economia para um novo padrão de desenvolvimento. O que estamos sugerindo é que, no momento, o Estado começa a se constituir como o domínio próprio para esta decisão. Pois, a mudança da governança corporativa virá junto com processos complexos como a nova regulação financeira num projeto político que una efetivamente o curto e o longo prazo. A questão diante destas tarefas é, mais uma vez: como? Esta solução que estamos aludindo pode se chamar, em homenagem a Keynes, de uma política econômica de “eutanásia do rentista”. Mas como esse processo não será de fato uma eutanásia, talvez a questão seja de uma prolongada política de amnésia consentida das finanças. Ficar de molho para poder, mais adiante, crescer. É possível?

3 – Primeira conclusão: na crise, o tempo econômico tende a passar pelo tempo político. Segunda conclusão: sempre! Terceira conclusão: há que achar a negociação possível para que não haja a velha luta de todos contra todos.

Quem quer dançar a nova música?

1 – Falando sobre o tempo, tomamos consciência de que a crise financeira encadeou uma crise produtiva, que é também uma crise longa. E que só tem uma solução óbvia: o relançamento da produção. Para isso, há que colocar as finanças na senda desta. Porém, o que vimos é que para fazer um centramento na esfera real, há que fazer um processo inverso do que foi feito nos últimos anos: a desfinanceirização da economia produtiva. E para tal, inúmeros aspectos têm que encontrar definições. O maior deles já sabemos qual é, o nome saltita como uma desajeitada bailarina americana: corporate governance. Ou, no linguajar português: governança corporativa. Mas tudo isso tem um temporalidade incerta e específica. É algo mais complicado que a dúvida hamletiana do “to be ou not to vê”. Assim, decidir pela sua desmontagem, já se sente, tem parte com a santidade. É preciso encaminhar os pecadores ao rumo certo. Não há como simplesmente desfazer. Há que ter um projeto. E Obama já mostrou que o tem em parte. Falta para ele, porém, rearranjar, no concreto, o destino das finanças e da sua atividade creditícia. E na esteira desta organização, conectar as novas tecnologias de informação e comunicação com a reformulação da energia e de uma futura indústria ambiental.

2 - Por isso, o tempo é a arena dos combates econômicos e políticos. Por um lado, é com o tempo que a economia financeira conta para resistir às investidas do setor produtivo, dos assalariados e mesmo da pressão da área produtiva internacional. Só que parece que as finanças têm apenas um projeto: restaurar o antigo sistema econômico financeiro. Mas isso parece impossível por causa das contradições entre as próprias finanças e também porque aquela economia produtiva de então está em plena mutação. Temos a indústria dos automóveis em plena decadência e em plena reformulação. As grandes corporações do século XX: GM, Ford, Chrysler, GE são siglas que esvoaçam no passado. O novo é a Microsoft, a Yahoo, a Google, etc. Há que construir e montar uma Finanças para tal. Temos nos céus da economia novas aves com novas plumagens. Mas, as finanças, ainda embevecidas no seu espelho de lucros especulativos, querem uma restauração. O que é o mesmo que dizer que as corporações se amoldem ao seu antigo sucesso.

3 – Mas, em economia não há volta. O que as finanças podem é estragar a dança e não quererem dançar a nova música. Por outro lado, como chegar a um novo desenvolvimento produtivo e a uma nova melodia? E novamente, retorna a figura dramática essencial, o tempo que se veste de roupas irreversíveis. Há que armar vitórias políticas que atravessem o Legislativo e que Obama ganhe um segundo mandato. Há que organizar um projeto de sociedade de longo prazo, pois um projeto empresarial de longo prazo já existe. Pelo menos, nos setores de informações e de comunicações e na área de energia. E embora não pareça claro, o caminho industrial do meio-ambiente está sendo planejado. Chegamos ao impasse. Porque está também muito claro que, neste momento, os defensores de uma sociedade democrática deram um primeiro passo, tirando Bush e os republicanos do poder. Os homens do unilateralismo e da guerra. Mas a trajetória de Obama está apenas no começo. E não se pode ocultar que, se a maioria da população esteja contente com a sua eleição, menos estão achando que ele está fazendo um bom governo e encontrando soluções para os problemas que estão à frente. Não é por nada que, esperto como é, Obama disse para Lula, no primeiro G-20, “I love this guy”. Porque Lula saiu de um embaraço fenomenal, o chamado “mensalão”, e hoje se tornou um político extremamente admirado pela sua capacidade de encarar e resolver a política. Sorte, competência e alguns bons e grandes ministros. Pode Obama dizer isto de si e do seu governo? Ainda falta muito para terminar a primeira metade do jogo. Haverá a outra metade?

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