O mundo capitalista está em mutação acelerada. Não, não se trata de um pleonasmo a partir de conceitos marxianos. A realidade, que só os socialistas mais atentos perceberam até o momento, é que, a partir de 2003, uma vez mais entramos em nova etapa do processo de globalização do capital. É evidente que trata-se apenas de uma hipótese, mas acreditamos que exitem indícios suficientes para que ela possa ser explorada, em sua caracterização e, também, em algumas de suas conseqüências políticas imediatas.
Nossa hipótese é que estaríamos entrando, a partir de 2003, em uma terceira etapa do processo recente de globalização do capital. A primeira etapa foi caracterizada pela liberalização do comércio e das finanças em consonância com a adoção massiva das tecnologias de informação nos países desenvolvidos nos anos 1980. A essa seguiu-se a extensão desse processo aos países em desenvolvimento que apresentavam algum interesse finaneiro aos países capitalistas centrais - doravante denominados eufemisticamente a partir do cínico jargão financeiro "mercados emergentes" -, nos anos 1990. Em comum entre essas duas fases, o baixo crescimento econômico mundial e as seguidas crises financeiras causadas pela explosão de bolhas de ativos inflados de forma fictícia, bem como a reafirmação brilhante da hegemonia norte-americana a partir do papel central do dólar como moeda-reserva mundial. O corolário do processo foi o crescimento das desigualdas entre os países desenvolvidos (em especial os EUA) e os demais e, sobretudo, no interior dos países (aqui o exemplo mais espetacular foi a Europa Ocidental e a progressiva - ainda em curso - destruição do seu sistema de bem-estar social). Mas mesmo a economia estadunidense esteve sempre dançando sobre o fio da navalha, com a crise potencial à espreita e, como em 1998, por vezes bastante próxima.
Essa terceira etapa não marca ruptura radical com as anteriores, mas difere qualitativamente do anteriormente ocorrido. Pela primeira vez em 30 anos, a economia mundial dá algum sinal de vigor por 3 anos seguidos, SEM QUE ISSO SIGNIFIQUE A QUEBRA DO PADRÃO SISTÊMICO QUE DENOMINAMOS COMO A "DITADURA DO CAPITAL FINANCEIRO", o qual caracteriza a possibilidade desvinculação parcial entre produção, renda e lucro com a incorporação e a criação de imensas massas de riqueza fictícia.
A incorporação da China e da Índia ao centro do processo de redivisão internacional do trabalho, com seus bilhões de trabalhadores- e consumidores - potenciais, trouxe pela primeira vez em longo período a possibilidade do capital de finalidade dita produtiva, EMBORA AINDA COMPLETAMENTE SUBMISSO AOS IMPERATIVOS FINANCEIROS, encontrar um potencial de acumulação que permitiu o deslocamento da produção industrial em direção à Ásia, à China em particular. O mesmo ocorre de forma ainda incipiente com o setor de serviçoes em seu deslocamento para a Índia. A redução das taxas de juros nos Estados Unidos, provocadas pela dinâmica interna da economia daquele país, permitiu o aparecimento de novas oportunidades de acumulação produtiva, em uma nova rodada de deslocamento geográfico da produção em direção à Ásia, agora não mais restrita aos bens depednentes estritamente do custo da mã-da-obra. À intensificação do processo de integração produtiva refgional a partir das maiors empresas asiáticas (capitaneadas principalmente pelas empresas japonesas e coreanas), embora não seja novidade, veio a somar-se à recente multinacionalização de empresas chinesas que vêm ganhando espaço em território asiático e prepaprando seu desmbarque no resto do mundo.
Mais interessante ainda é observar que esse movimento de transformação produtiva se dá em moldes que lembram, em seu aspecto qualitativo, mais o velho "capitalismo fordista" do que o modelo flexível japonês dos anos 1970-80. Aqui não me refiro às relações de trabalho, mas sim à transformação de produtos tecnologicamente sofisticados em commodities, onde o fator preço tende à preponderar, ao menos em um primeiro instante, em relação à variedade. Tudo indica que assistiremos em brevíssimo espaço de tempo à inundação dos espaços domésticos europeu e latino-americanos de produtos tão baratos quanto indiferenciados, com as novas multinacionais chinesas ressuscitando a importância das velhas economias de escala, tendo agora como alvo o mercado mundial. Trata-se aqui da "wallmartização" dos espaços de consumo - e de trabalho - domésticos, com bens mais acessíveis mas salários ainda menores e, cada vez mais, restritos ao setor dos serviços. O resultado dessa modificação na produção em seu novo acoplamento ao capitalismo financeiro é evidente e se expressa no continuado financiamento dos colossais déficits norte-americanos, seja pelos bancos centrais do resto do mundo, seja pelos detentores dos petrodólares dos anos 2000, sendo o aumento no preço das commodities básicas um efeito dos mais importantes dessa terceira etapa da mundialização do capital. Mas a história ensina ser essa elevação nos preços dos bens básicos passageira, enquanto a relocalização da produção é de mais difícil reversão.
Isso significa que uma nova etapa de expansão capitalista continuada (o tão famoso quanto absurdo "crescimento sustentado") está assegurada? Que a emergência de novas crises é agora impossível? Que países latino-americanos como o Brasil não tem mais que se preocuparem com a vulnerabilidade externa, uma vez que se integram como "colônias exportadoras de commodities básicas" de forma virtuosa ao novo ciclo econômico mundial? A resposta a todas essas questões é negativa. Exploraremos essas controvérsias, extrapolando para as conseqüências políticas dessa nova configuração do capital, em um post em futuro próximo.