sábado, março 14, 2009

O JOGO DO QUARTO ESCURO

Por Enéas de Souza

A tônica do G-20, pelo menos pela declaração de diversas autoridades, vai ser o confronto entre a idéia de retomar a demanda - “the universal demand agenda”- como diz o assessor de Obama, Lawrence Summers e a refundação da regulação bancária defendida pela Europa, principalmente a dupla França e Alemanha. Logo a primeira vista, a gente percebe que os Estados Unidos ( e a Inglaterra que está também no mesmo barco) vão jogar a questão do comércio internacional para evitar que o seu sistema financeiro seja posto em cheque. Como se isto fosse possível.

Como as finanças estão salvas...

Naturalmente, que há uma manobra que as finanças americanas armaram e conceberam: (a) buscar novas regras contábeis (flexibilizá-las é nome que os banqueiros poetas dão) para propiciar um maior tempo de duração para riscar os ativos podres de seus balanços; (b) dar notícias de resultados operacionais positivos de dois grandes bancos americanos, Citi e Bank of América, para se tenha a falsa impressão, mais uma vez, que o pior passou; (c) proporcionar um efeito de subida nas bolsas em conseqüência destes resultados, para conseguir um ânimo maior do mercado e angariar a mesma impressão de melhoria do setor; (d) solicitar que o presidente Obama fizesse declarações de que a crise não é tão feia, depois do êxito dos bancos. Então, todo mundo sabe, os bancos estão em processo de controle, o importante passa a ser verdadeiramente a demanda. E, como o mágico Houdini, os americanos incentivam que os países do mundo lancem fortes pacotes fiscais para que haja aquilo que todos desejam, uma recuperação econômica. As finanças estão salvas, agora é preciso salvar a produção.
A máscara da demanda

A perfídia dessa manobra é visível. Primeiro, disfarçar que a crise não é financeira e que nem continua, americana e incendiária. ( Não há mascara possível, o notório é que diante da envergadura do problema, o máximo que se pode fazer é acalmar o fogo, E desenvolver o processo das finanças zumbis: os bancos continuam a existir, mas não dinamizam o mercado de crédito). Segundo, os Estados nacionais gastam, põe dinheiro no mercado, e ele de uma forma ou de outra termina em depósitos bancários, ajudam os resultados operacionais dos bancos. E terceiro, a demanda interna dos países termina, em alguma medida, numa demanda externa para a depauperada indústria americana. Porque aqui está um dos fulcros da estratégia dos americanos, a tentativa de um processo de inversão do que acontecia: comércio exterior turbinado por uma alta demanda dos Estados Unidos por produtos da China e de outros países. E agora, o objetivo é fazer o contrário, é inverter e virar o sentido do tráfego: o mundo começará a consumir produtos do Tio Sam. Tudo isso está dentro da estratégia de Obama, quando ele falou em fevereiro na sessão “estado da nação”. E claro, a formulação de Summers não é explicita, dá a falsa impressão de que o que é preciso reativar é a demanda, quase como se o processo fosse retomá-la, quando na verdade o alvo é principiar a reformulá-la completamente.
O jogo de empurra-empurra

Como é um jogo de empurra-empurra, para chegar algum compromisso, os europeus querem a regulação do sistema financeiro. Primeiro, por razões óbvias: as finanças, principalmente, americanas devastaram o mundo. Segundo, os europeus estão com déficits fiscais em torno de 4% do PIB, não podem aumentar os seus pacotes de apoio às empresas, sob pena de elevar a dívida pública e fraquejar mais ainda a moeda sem Estado, o euro. Mas, há um tema candente, que os europeus vão jogar no meio do salão: o controle dos paraísos fiscais. E este é um problema importante. Para os europeus – sobretudo França e Alemanha – é a possibilidade de controlar e absorver parte destes fluxos de dinheiro que foge de tributações, etc. E nesse sentido, já conseguiram algum objetivo: Andorra, Áustria, Mônaco, Suíça, etc, prometem ceder em algum grau a estes ataques. Mas, a questão dos paraísos tem um alvo mais saliente. É tentar desvendar e controlar o verdadeiro buraco negro das finanças. Só para se ter uma idéia: quando houve o ataque de 11 de setembro, esteve no Congresso Americano uma proposta para uma investigação dos paraísos fiscais. E a proposta foi rejeitada com votos de democratas e republicanos. Por que? Os paraísos fiscais são aeroportos de supersônicos financeiros: filiais de grandes bancos, firmas fantasmas de corporações, pontos de lavagem de diversas máfias e refúgio de dinheiro de terroristas ( a investigação de 11 de setembro, queria se saber sobre o capital de Bin Laden, lembram?). Os leitores pensam que é pouco? Basta dizer que a Enron tinha centenas de empresas com contas nestes paraísos. Finanças não é só ativo podre, é paraíso fiscal também.

Anúncio do espetáculo

É o velho filme: dois lutadores estão no quarto escuro, numa noite de trevas, e tem uma faca no meio deste quarto. A luta vai começar. Vemos janelas abertas e relâmpagos iluminando os lutadores atentos aos gestos e manobras do adversário. E a gente percebe, como uma idéia vertiginosa, a faca no meio do espaço, brilhando, ressaltando a febre e os tremores do confronto.

Filme que começa a ser exibido no dia 2 de abril em Londres, na sala G-20.

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