quinta-feira, janeiro 27, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
27 de janeiro de 2011
Coluna das Quintas


NÃO ME ENROLA, OBAMA!
Por Enéas de Souza


Obama, senti você um tanto desesperado na sua aparição no State of Nation. E você tem razão. O problema é que você deixou as finanças fazerem o seu próprio jogo. O Bush tinha feito uma salvação dos bancos, com o Paulson, aquele cara parecido com o André Contri. E você foi atrás, fez um segundo bailout. Sei, sei, se não fosse assim o tal de risco sistêmico cairia em cima de você e dos Estados Unidos. Mas, acho que você jogou mal. Porque deu toda a grana para as finanças e deu muito estímulo para a economia. Claro, você responderia, que fez no limite do possível. Mas convenhamos, Obama, o Krugman já tinha dito que o estímulo fiscal para a retomada da atividade era muito pouco. E aí, Obama, você se ralou. Você fez um keynesianismo muito envergonhado porque ajudou as finanças a temperarem as suas dívidas e a sua contabilidade, e o Ben (Ben Bernake) depois, agora mais no fim de 2010, jogou o regador do FED, dando mais dinheiro para proporcionar maior crédito ao sistema bancário. Mas, claro, os bancos não são bobos. E foram alegremente para a especulação. Esses caras têm aversão ao crédito à produção, Obama. E o teu estímulo às indústrias, à pesquisa foram um riozinho, um córrego para alimentar a recuperação da economia.

E agora, claro, com um déficil fiscal avolumado, com uma dívida pública gigantesca, tivestes que entrar no jogo deles. Qual é o jogo? Desregulamentação, dinheiro público para o sistema financeiro, cortes fiscais, aperto no funcionalismo público, etc. Aquelas coisas dos neoliberais. Aquelas coisas que infelicitam os trabalhadores. O Krugman sempre te pediu mais investimentos públicos, audácia nos gastos públicos para reativar a economia, e por conseqüência, fornecer mais arrecadação e, sobretudo, dar mais emprego. Mas, você agora está quase de joelhos. Você está tendo que pedir que as empresas façam investimento privado, façam inovação. Você, politicamente, não só ficou nas mãos dos financistas como dos industriais. E isto é tão verdade que você colocou no Conselho da Casa Branca, um cara do JP Morgan, e no novo Conselho onde estava o Volker, o Immelt que é da GE, que tem por trás uma instituição financeira, a GE Capital. Agora, aquela dúvida que a gente tinha que Michele podia ser do lado das finanças, agora a dúvida pode ser mais ampla. Alguns que lhe apoiaram estão perguntando se você não passou para o lado deles.

Ora, Obama, todo mundo sabe, você está desesperado. Você está na segunda metade do primeiro mandato, você tem que ser valente, bravo, corajoso como todo bom americano. E você, astutamente, está querendo fazer uma aliança acima dos partidos, um pouco como aqui no Brasil. Todo o seu discurso foi esse sinal de fazer uma ponte, buscar um “centrão” político, para encarar a direita furiosa do Tea Party, da Sarah Palin e da extrema-extrema dos republicanos. Mas, o seu desespero é forte, você está atacando os lobistas – no entanto, não é agora que você vai ganhar deles, eles sempre estiveram aí. E aí, você está apelando para o American Dream, você está apelando para um novo padrão de acumulação de capital que você ainda não sabe o que vai ser. Você, no seu primeiro State of Nation, estava muito melhor. Você sabia que o Longo Prazo tinha que ser profundamente visado. Agora você ainda continua com o LP, mas está entrando no escorregador do Curto Prazo.

Você está falando a linguagem neoliberal – contenção do gasto público, congelamento dos salários dos funcionários públicos, eficiência estatal, política econômica feita pelas empresas (investimento e emprego). No fundo, você está saindo por um certo revival neoliberal, um pouco menos forte, eu até aceito, mas você está propondo que se faça uma aliança objetiva entre o capital e trabalho, via um esforço do setor produtivo, sobretudo para dar emprego. Mas, Obama, o PIB cresceu – e o emprego ficou parado. E você insiste nessa tese! “The economy is growing again”. Cadê os empregos? As empresas saíram pela produtividade e as finanças estão aplicando alegremente nos outros lugares, aqui no Brasil, por exemplo. Mas, faltam, sim, faltam empregos. O Roubini nos fala aqui com gravidade sobre isso.

Você deu o drible da vaca – aquele do Romário – neste discurso. Chamou repetidas vezes o centro do American Dream. Cansei de contar quantas vezes. E, num certo sentido, é o que todo liberal gosta de ouvir além dos pobres e de qualquer pessoa inteligente: "greater enphasis on math and science”. Obama, mas me preocupa alguma coisa. E o resto da cultura onde está? Claro, o nosso Pierre Legendre sempre disse: após o domínio da linha judaico-romano-cristã, o mundo se encaminhou para a ciência-tecnologia-economia. E você, Obama, acertou. Math and science. Claro é bem isso para agradar neoliberais e dar esperanças a quem não tem. Educação. Fernando Haddad morreria de inveja. Nessa linha, você pode ganhar muitos votos!

Não me enrola, Obama! O teu objetivo pode ser também o desenvolvimento da América. E é, tenho certeza. Mas, o objetivo primeiro agora é ganhar as eleições. Claro, você está jogando a grande com a pequena política. E, certo, você está encaminhando a América para a inovação, para a educação, para a energia. Certo! Mas, agora parece tudo encaminhamento de curto prazo, um tanto como quem corre para o carro apressadamente. E você, claro, você não desenha mais o longo prazo como desenhava. E você é contundente neste profundo aspecto: “None of us can predict with certainty what next big industry will be or where the new jobs will come from.” É aqui seu ponto: jobs. E você, para isso, política e economicamente, está nas mãos das finanças e da empresa produtiva privada. Só que você é como se dizia antigamente, você é um wise guy. E o André Scherer já falou ontem: o Jintao é o seu amigo. A China já percebeu que ela só crescerá e só se manterá na regata, com velas a pleno, se os Estados Unidos forem bem. Não foi assim que você conseguiu que a China comprasse da Boeing 700 aviões e com isso trazer 21.000 empregos? E seu discurso mostra bem: a China ainda não é inimiga da América. Por enquanto, é eleitora.












terça-feira, janeiro 25, 2011

Obama: Sputnik moment ou "por que a China pode reeleger Obama"

O que não faz a vista dos chineses aos EUA e o terror que a mídia colocou no povo, falando da decadência do país nessa semana? Obama pode se reeleger graças ao medo da população. Vejam esse pedaço do discurso que ele proferirá daqui a pouco:

Half a century ago, when the Soviets beat us into space with the launch of a satellite called Sputnik¸ we had no idea how we’d beat them to the moon. The science wasn’t there yet. NASA didn’t even exist.
But after investing in better research and education, we didn’t just surpass the Soviets; we unleashed a wave of innovation that created new industries and millions of new jobs.
This is our generation’s Sputnik moment.

Ou seja: venham comigo ou vocês serão engolidos pelo dragão chinês. Quem tem o poder detém as rédeas do jogo. Agora, é só jogar!

quinta-feira, janeiro 20, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
20 de janeiro de 2011
COLUNA DAS QUINTAS



CHINA, O DRAGÃO
DO LONGO PRAZO
Por Enéas de Souza


Nesta semana, Jintao foi recebido por Obama na Casa Branca. Olhem só, o mundo está sendo pautado pela China. Pois vem dela o lado substantivo da economia contemporânea. Tendo emergido ao robusto primeiro plano mundial pelo enlace comercial e financeiro com os Estados Unidos e tendo recebido inúmeras empresas de todo o mundo por ser um local de produção barato e gigantesco, a China, dada a estratégia paralisante das finanças americanas, é o time que vai liderando o jogo. E tudo porque o seu Estado, com uma postura desenvolvimentista, saiu na frente, reorganizou o investimento, desenvolveu a sua indústria, apurou a tecnologia e desmontou as áreas em decadência, ao mesmo tempo em que assumiu uma postura financeira inteligente. Primeiro porque não ficou preso aos Estados Unidos, mas segundo porque percebeu precocemente que sem o dólar o mundo não vai. Seu “yuan” é uma moeda controlada, portanto não serve para o mercado mundial. Dito sem nenhum constrangimento: a China sabe que o dólar é moeda de reserva de valor, com os problemas que pode ter, mas sem o dólar não há vida no boteco do mundo.

Isto traz vantagens aos americanos, pois eles manipulam a emissão da moeda. Portanto, ponto para os Estados Unidos. Mas neste voley-ball, a bola vai e vem: os chineses maltratam o dólar no câmbio, porque tem um cambio manejado. E claro, os americanos vem com aquela banalidade neoliberal: os chineses tinham que desvalorizar o seu dinheiro. Quá, quá, quá. A conclusão é só uma: os americanos têm agora um companheiro na geoeconomia e geopolítica mundial. E mais. Tem um companheiro que sabe jogar, porque tem certeza que os americanos, apesar da crise, possuem a economia e a política líder do atual momento histórico.

Ora, os Estados Unidos! A vida está difícil por lá. Antes de mais nada, as finanças mandam e desmandam, detém a economia quando querem e não saem do comando com sua esteira adiposa de lobistas, de deputados e senadores financiados por elas. Dominam e dominam – a lei do pedaço do Tio Sam. Só que, a luta é feroz, os títulos podres ainda não terminaram, a credit crunch continua, os mercados não crescem e as aplicações têm que acontecer no exterior. Se olharmos bem, a economia pode até ter um leve crescimento, mas o emprego não evolui e a estrutura produtiva não se transforma profundamente. E Obama não consegue – ah, não consegue mesmo! – dirigir a liderança do processo econômico e social numa nova direção. Projeta passos, mas precisa recuar muitas vezes. E o Tea Party está aí. E a grande imprensa está assoprando ventos contrários. E por tabela, vem vindo uma certa chuva miúda, solene e constante, tão constante e tão solene, que é capaz de levar a um desmoronamento logo adiante. Atada a corda americana, a Europa está mal e tropeça, pois economicamente está enrolada, travada, salvo a Alemanha. E a Europa continua liderada politicamente pelo trio Alemanha, Inglaterra e França, trio que dança a valsa conservadora. O resultado só poderia ser uma economia ameaçada e desembocando num crescimento medíocre e melancólico.

E cuidado, nunca podemos esquecer: quem manda na Europa é a área financeira, da City a Berlim e ao Banco Central Europeu. E ela morre, estrebucha, mas não pensa, até por intolerância, na população européia. Então, o eixo Estados Unidos, Inglaterra, Europa está sendo sacudido por uma paralisia social e uma degradação das outras classes que não a financeira, que se não chega a ser mortal, ao menos a leva à borda do precipício. E, caro leitor, esmiúce um pouco e veja a questão política na Europa. A minha hipótese começa de modo simples. Quem dirige o céu estrelado são as finanças, que conseguiu, com apoio americano e manobrando um desejo europeu, conceber uma moeda única. Esta moeda é uma moeda financeira. Mas, financeira, capenga, como a Vênus Coxa de Machado de Assis. Por quê? Porque politicamente, a Europa não avançou o suficiente, seria preciso ir na rota de um Estado europeu. E Estado europeu significaria ter um Executivo europeu e obviamente um Tesouro europeu. Na Europa, as finanças mandam, via mercado, via Banco Central Europeu, via os seus Estados Nacionais, mas não mandam nos países, e não tem força política para transformações profundas no todo. Assim, o eixo está em profunda dependência americana, que por estar com o seu Estado em crise – déficit presente, dívida alta principalmente, e política econômica de um modo geral só financeira – o que não é capaz de atender as necessidades da população.

Pois aí é que, como um mandarim misterioso e astuto, entra a China. Ela tem um plano. Um plano de longo prazo: liderar o mundo. Só que a China liga o longo prazo ao curto. Ela sabe que tem uma disputa com os Estados Unidos e que, no momento, por realismo puro, não pode se dar ao luxo de um combate frontal imediato. A China não tem uma economia com invenções tecnologicamente avançadas no setor que vai liderar o próximo padrão de acumulação: as novas tecnologias de comunicação e informação. A China tem inovações tecnológicas nas indústrias existentes, mas não está na ponta das indústrias que puxarão o novo padrão. A China não tem liderança energética. Mas em tudo isso ela tem planos, só não se acredita que tenha meios para chegar lá. A China não tem composição militar para ganhar do seu principal adversário, etc., etc. Qual é o jogo chinês? O jogo chinês é o jogo do longo prazo; acumulando pequenos e definitivos triunfos para chegar ao momento onde sua superioridade pode se confrontar com o(s) seu(s) adversário(s).

O que ela está interessada no momento é mudar a sua relação relativa com o Ocidente. E a primeira coisa que está fazendo na prática é sustentar a hegemonia do dólar, mas não perder no câmbio; intervir na Europa para impedir que o eixo USA-Europa desabe; articular com a América Latina, África e a própria Ásia relações econômicas onde ela seja o sol e o imã do processo. A China não entrou no jogo americano do curto prazo como a União Soviética, por múltiplas razões, entrou: a 2ª Guerra Mundial, o esforço da Guerra Fria, a ambição do comunismo mundial, etc. A União Soviética foi derrotada por um cerco político, econômico, militar e cultural fulminante. A China, não. Posso trazer a idéia de que ela é um dragão sinuoso, insinuante e que lança fantasias e fogo, faz ameaças ligeiras e faz festa do consumo. Não se projeta nem se coloca nunca no lado inimigo, trabalha como aliado sem ser amigo. Numa palavra: o perigo da China é que ela tem estratégia. E estratégia de longo prazo. E sabe que a melhor estrada para chegar lá é o investimento, que é o caminho da materialização do futuro. E faz isso com o Estado. Mas o seu grande segredo: não estão vulneráveis no curto prazo, porque não querem acabar com o capitalismo. Pelo contrário, estão ajudando na sustentação da moeda, na salvação da Europa e na nova expansão do desenvolvimento do Brasil – e da América Latina.



quinta-feira, janeiro 13, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL

13 de janeiro de 201
Coluna das quintas



AS IMAGENS DE LULA E DILMA
Por Enéas de Souza




Uma imagem em política é formada por alguns aspectos que asseguram a definição de um determinado personagem. A imprensa cachorro grande, meio moleirona, no seu trabalho anti-popular, já saiu a campo para tentar pôr alguns traços da imagem da Dilma no balaio do lixo. A primeira de suas ações sub-reptícias – e isto é safadeza – foi comparar Dilma com Lula. Eles tecem o manto sagrado da diferença. Jogam um homem que fez uma das carreiras mais exitosas no cenário político com uma governante que está surgindo agora, que está entrando no jogo depois do finale admirável do seu antecessor.


Quando se fala em imagem, o primeiro que se tem a destacar é o tempo. Uma imagem exibe sua consolidação após uma duração determinada. Lula conseguiu esta imagem de grande presidente não de hoje, de agora, mas depois de uma longa e vasta carreira pública. Não só construiu a sua imagem, como também operou a construção de seu mito. Como o leitor sabe, um mito é uma narrativa, e uma narrativa supõe um longo percurso do personagem, seus triunfos mais do que seus revezes e até derrotas que se tornaram vitórias.


Primeira forma de atacar é tentar fazer a comparação entre um mito e alguém, que até o momento, tem feitos e fábulas setoriais – ministeriais, posso dizer – mas que não tem nem um mês de presidente ou presidenta. Não encham a paciência do país. Claro, é natural, a gente pensar, apostar, tentar adivinhar qual a trajetória e qual o caráter político da Dilma. Mas, tudo que está por vir é projeto de história, tudo ainda é uma neblina diáfana, no qual se enxerga, quando muito, um esboço de futuro. A imagem da Dilma é um processo em construção, um work in progress. Ela é ainda, para falar ao estilo do cineasta Glauber Rocha, uma idéia na cabeça e um governo na mão. Faltam as cenas, as seqüências, falta o enredo, faltam as ações. Sim, a política é um cinema forte, um cinema americano, um cinema de ação. A imagem em movimento na política só se consolida na derradeira cena. Nenhum governo é bom ou ruim antes do seu fim e consolidado no tempo. Vide os dos Fernandos, o Collor e o FHC. Vide a reviravolta de Getúlio com o lance do suicídio.


Uma imagem leva tempo e é feita de múltiplas imagens, camadas que se superpõem e que se acumulam – e que eliminam outras imagens menos favoráveis à direção que ela tomou. Mais, as imagens vão se alterando, vão se perfilando, superiores, mais vistosas do que outras. Quem lembra a recepção de Lula e Dona Marisa pelo rei de Espanha? E mesmo esta que foi uma imagem torta, no tempo – sobretudo porque a vida de Lula foi uma aprendizagem constante, um crescimento renovado – se transformou numa imagem de passagem, da passagem de um presidente que aprendeu e se desenvolveu e se engrandeceu no cargo. A imagem do “grande presidente”, do cara que foi o estadista do ano, teve a sua configuração submetida a uma metamorfose dinâmica. Uma imagem desfazendo a outra e a melhor incorporando a menos brilhante, sobretudo, na vertiginosa transformação dos últimos tempos. E sintam como é importante não se deixar contaminar pelas imagens propostas pela grande imprensa. Se Lula ficasse nas imagens do mensalão, ele teria sido o grande presidente que foi? Tempo, tempo.


Depois, há que considerar a diferença entre a imagem de um presidente ou presidenta da imagem do seu governo. E sob certa forma há uma relação dialética entre os dois, onde um é diferente do outro, mas estão ambos perpassados pelo pólo oposto. E esta dialética das imagens vai se consolidar ao longo do tempo, na passagem da história. Me lembro do ex-governador Guazzeli falando sobre o governo de JK. Dizia ele que quando Juscelino tinha saído do governo, os jornais – e, principalmente, um grande articulista de ultra-direita, o católico Gustavo Corção, um escritor de frases e torneios estupendos – tinham dito horrores sobre Brasília. E hoje – época em que Guazzeli era governador – JK já era o grande presidente do Brasil. Seu trabalho com o movimento da política se consolidou, se agigantou. E só para citar dois exemplos: “50 anos em 5” e “o criador de Brasília” foram imagens que pegaram na sua pele histórica. E construíram a imagem de grande presidente que foi. Só o tempo desenvolve os traços, a cor, o relevo, os contrastes de luz e sombra, as marcas da imagem que vão ficar para o sempre.


Pois deixem a Dilma trabalhar – ou qualquer eleito ou re-eleito em 2010 – pois a sua imagem vai oscilar. Um pêndulo entre a imagem produzida por ela, Dilma; a imagem fabricada pela Comunicação do Governo; e a imagem que a oposição vai lhe atribuir, a imagem que a mídia vai tentar produzir. De qualquer forma, por enquanto, vai ser apenas um fio de água, detalhes da imagem que o artista chamado Tempo vai pintar, esculpir na matéria prima da História. E tudo está em aberto, porque uma imagem nunca é fechada, ela é como uma fruta – uma laranja, uma maçã, por exemplo – aberta à mesa, como um apelo de gosto, um prêmio, uma nota, que a população e o país e o mundo se nutrem. Uma imagem, portanto, evolui. E imagem então, ao mesmo tempo, se veste de consistência, torna-se uma substância ativa, um filme vivo, que penetra no imaginário da política e dos habitantes de uma sociedade. A imagem nos tempos que correm, nesta sociedade do espetáculo, tem a equivalência das imagens que Homero fabricou para os gregos tanto na “Ilíada” como na “Odisséia”. E como dizia Heráclito: essa narrativa de uns ela fez deuses, de outros homens comuns, de outros escravos.


Uma imagem só termina quando um filme termina, quando um quadro está pronto, quando uma peça encerra sua temporada. Assim como a imagem de Lula ainda pode ser modificada, a imagem de Dilma mal está começando. Estamos, em verdade sobre o reinado do Tempo majestade, que vence e classifica os homens. Mas tem um negócio. André Bazin, um célebre crítico de cinema, já nos dizia: a imagem é uma revanche dos homens contra o tempo.




quarta-feira, janeiro 12, 2011

André Contri e a inflação brasileira: "Bacen não deve subir a taxa de juros"

Repersussão da posse do economista Adalmir Marquetti como presidente da FEE-RS

Conhecimento, ciência e tecnologia para o desenvolvimento do Rio Grande do Sul

É simbólica e importante a presença do governador Tarso Genro na posse do presidente da FEE, Adalmir Antonio Marquetti. Em um estado que investe tão pouco em ciência e tecnologia, como o Rio Grande do Sul, a presença do governador pode ser um indicativo de que, finalmente, se iniciará o reconhecimento da importância da produção de dados qualificados para o embasamento das decisões de governo e, quem sabe, também para a geração de conhecimento científico de base.
Investimento em ciência básica e tecnologia e no(s) órgãos de assessoramento técnico-científico do Estado, na verdade, são atividades complementares, mas distintas. A tradição de não investimento em uma e outra, no entanto, é antiga e demonstra, mais do que o desconhecimento de sua importância, o desprezo puro e simples da sua necessidade para o bom exercício da gestão pública e para a promoção do desenvolvimento social e econômico da sociedade gaúcha.
O desprestigiamento da FEE, com o congelamento das verbas de investimento e manutenção e dos salários de seus quadros técnicos, de um lado, bem como o não cumprimento do percentual constitucional das transferências estatais para o fundo de financiamento científico, mantido pela FAPERGS, demonstra o menoscaso com que os governos anteriores trataram estas áreas.
Não por desconhecimento de sua importância, ressalte-se, mas porque a maioria dos governantes preferiu sempre relegar a tarefa de produzir conhecimento inovador que impulsiona o desenvolvimento e que possibilita melhor desempenho das funções públicas às universidades federais e às poucas universidades estaduais existentes no país, na melhor das hipóteses, ou aos centros de pesquisas internacionais, públicos ou privados, na pior das alternativas.
Muitos dos governantes brasileiros e gaúchos que integraram a leva ultraliberal tupiniquim acreditaram que se poderia importar conhecimento e que seria mais barato fazê-lo. Erro crasso. Esqueceram-se, ou melhor, tentaram fazer parecer que se esqueciam, de que conhecimento não é mercadoria de compra e venda direta. Quem detém conhecimento não o entrega, a não ser a preço muito elevado, e, quando o faz, entrega, normalmente, apenas os resultados finais do processo, mantendo para si, e como segredo, as etapas de sua geração.
Gerar um centro de pesquisas requer investimento pesado e contínuo por não menos do que 10 ou 15 anos – tempo médio de maturação necessário para que se produza massa crítica suficiente para a geração de cientistas e de um centro de excelência em pesquisas. Custa caro, sim, mas é o preço que se deve pagar para se obter boas informações e bom embasamento para a tomada de decisões no setor público e para se promover o desenvolvimento econômico e tecnológico avançado. Sem isto não se romperá nunca o circulo de dependência que ainda nos mantêm presos aos países e centros hegemônicos internacionais.
Se Tarso Genro pretende, como vem anunciando desde a campanha eleitoral e reafirmando desde sua posse como governador, retirar o Rio Grande do Sul da estagnação econômica e do atraso social e administrativo ao qual se mantêm atrelado há anos, é imprescindível que ele retome e aumente em muito os investimentos na FEE e nos seus técnicos, na FAPERGS e, inclusive, na UERGS.
O simbolismo da presença do governador na posse do presidente da FEE, por si só já alvissareiro, poderia ser reforçado com o estabelecimento de um calendário de aumento progressivo das transferências do orçamento público estadual para a ciência e tecnologia, definindo uma data para o cumprimento integral da determinação constitucional estadual para o setor.

quinta-feira, janeiro 06, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
06 de janeiro de 2011
Coluna das Quintas



ANA DE HOLLANDA,
ANA DO BRASIL

Por Enéas de Souza



Discurso de posse depende de quem é o ministro ou o secretário e depende do recado que quer passar, do público que pretende atingir. Sempre tive medo da escolha do Ministro da Cultura. Sempre vi alguma referência sobre a área, contudo sem a ênfase que acho que merecia. Claro, a Dilma é uma mulher culta; leiam – não me lembro qual, se peça ou se comentário sobre o teatro, um trabalho de Ivo Bender, onde ele agradece às considerações da Dilma. Mas, quando a gente está na política, a urgência dela, o conflito que é básico no jogo do político, leva muitas vezes as pessoas a se esquecerem que o ambiente como um todo é que compõe a carne onde estes fenômenos se dão. Esquecem do ambiente como política - e este ambiente é a cultura, a sociedade viva como um todo. A arena do combate dos partidos e das classes pode ser o espaço público, mas a casa ampla onde os acontecimentos se efetivam levam a moldura do enquadramento cultural.

Pois, conhecia pouco o trabalho de Ana de Hollanda. Ontem, li o seu discurso de posse. Tinham me antecipado: “é bom”. Não acreditei muito, demasiado ligado à dúvida permanente. Embora pela origem de Ana, pudesse sair alguma megasena. Sempre achei que o Sérgio Buarque e sua mulher – pianista -, pelos múltiplos relatos sobre a sua família, tinham criado seus filhos imersos num viveiro de cultura. A variedade da obra dele é imensa, para começar. Lembro de suas críticas de literatura, entre a análise aguda à observação e o ponto de vista surpreendente. Quem como eu fui aluno da Economia de Campinas não deixou de ler e discutir “Raízes do Brasil”, sutilmente citado por Ana. As narrativas sobre o casal dão conta de sua casa sempre cheia de intelectuais e artistas. Mas, essas imagens sempre ficaram lá no fundo. Com a nomeação de Ana irrompeu a espera da surpresa, uma espera meio distraída, um tanto assim num aguardo e numa esperança vaga; vamos ver o que o Ministério vai fazer.

O discurso de Ana foi uma peça que me entusiasmou. Ana de Hollanda, Ana do Brasil. Atravessa a malha do texto uma voz de entusiasmo, um tom de lucidez, uma vocação de amplitude da idéia de cultura, que acho que o Sérgio Buarque anotaria com satisfação de pai e de intelectual. Mais. Se a gente se põe a escutar a palavra que corre na retórica, há uma cadeia delas que são palavras pra frente, pro alto, para a saudação da cultura brasileira, para o horizonte de futuro que, parece, pode estar aí e pode estar chegando. Ana, quero mais deste esplendor da grama, destas flores, quero mais deste jardim! Falando à moda dos diálogos imaginários do Nelson Rodrigues digo: Olha só, você fala que o Ministério da Cultura deve estar organicamente conectado ao programa geral de governo. Perfeito. O seu sonho de ministra, posto no papel, lido, falado para o auditório, tem o desafio da ponta do desejo. Tratando daqueles que ascenderam recentemente, você diz: “Até aqui essas pessoas têm consumido mais eletrodomésticos – e menos cultura. É perfeitamente compreensível. Mas a balança não pode permanecer assim tão desequilibrada. Cabe a nós alargar o acesso da população aos bens simbólicos. Porque é necessário democratizar tanto a possibilidade de produzir quanto a de consumir”.

Logo a seguir você, ministra da Cultura, nos diz, comovente, esta coisa maravilhosa: “A mesma e forte chama da cultura e de criatividade do nosso povo deve cintilar, ainda, no solo da reforma urbana e no horizonte da afirmação soberana do Brasil no mundo. Arquitetura é cultura. Urbanismo é cultura. Na visão tradicional, arquitetura e urbanismo só são “cultura” quando a gente olha para trás, na hora de tombamentos e restaurações. Isso é importante, mas não é tudo. Arquitetura e urbanismo são cultura também, no momento presente de cada cidade e na criação de seus desenhos e possibilidades futuras. Hoje, diante da crise geral das cidades brasileiras, isso vale mais do que nunca”. Aqui, Ana, você deu show de bola. Faça uma enquete com os secretários de Cultura dos estados e dos municípios para ver quantos acham que arquitetura é cultura. Aqui você pode até encontrar uma meia dúzia. Mas, urbanismo, aí sim, é que nós vamos ver quem entrou para o primeiro time, quem sabe que o barro não é apenas esperança de escultura, mas que também o urbano é a cultura traçando uma letra do seu nome.

Acho que sempre fui contra setores isolados. Para mim cultura tem que existir ligado à educação. Que bela homenagem você fez a todos que pensam desta maneira, nos incorporando e nos fazendo pensar nesta figura de diabo satanazim de Darcy Ribeiro. Fazia tanto tempo que o passado não ressurgia assim com aquela elegância brasileira da memória, quase portuguesa da saudade, mas de uma saudade que é promessa de futuro, de reconquista de terras perdidas para os tempos e os sapatos falsamente floridos e modernos do neoliberalismo.

Parece incrível, mas é verdade, você diz simplesmente isso, e que muitos acham que não: “A criatividade brasileira chega a ser espantosa, desconcertante e se expressa em todos os cantos e campos do fazer artístico e cultural: no artesanato, na dança, no cinema, na música, na produção digital, na arquitetura, no design, na televisão, na literatura, na moda, no teatro, na festa”. Que diferença de um colega seu, um antecessor, que disse que o seu grande triunfo e do governo ao qual pertencia, era ter introduzido no Brasil a indústria cultural. O que você está propondo tem outro condimento, passa pela cor do artista plástico, pela câmera do diretor, pela encenação do teatrólogo, pelo projeto do arquiteto, pela coreografia da dança, pelo traço do urbanista, pelo artesão de bonecos, pelo cantador de cordéis, pela concepção do artista de fogos de artifício. “Este é o verdadeiro milagre brasileiro, que vai do Círio de Nazaré às colunatas do Palácio da Alvorada, passado por muitas cores e tambores”. E você se jogou muito bem como Diadorim nesta vereda imensa: “ao assumir o Ministério da Cultura, assumo também a missão de celebrar e fomentar os processos criativos brasileiros. Porque, acima de tudo, é tempo de olhar para quem está criando”. E, leitor inquieto, escute esse clarão portentoso: “o Ministério (da Cultura) tem de realmente começar a pensar o Brasil como um dos centros mais vistosos da nova cultura mundial”.

E você sabe, Ana; você tem a intuição do que fazer: “A partir deste momento em que assumo o Ministério da Cultura, cada artista, cada criadora ou criador brasileiro, pode ter a certeza de uma coisa: meu coração está batendo por eles. E o meu coração vai saber se traduzir em programas, projetos e ações”. Bravo, Ana! Um dia Domingos de Oliveira filmou “Todas as mulheres do mundo”. Se você fizer o que você diz nestas palavras, vamos ter de inventar outro Domingos para escrever a sua época como ministra. Pois, sua aposta é de partido alto. E sua finura: “Por tudo isso é que devo dizer que a atuação do Ministério da Cultura vai estar sempre profundamente ligada às raízes do Brasil”.

(Ah! meu caro Sérgio, você e sua mulher não esperavam por essa, esperavam?) .

Agora tem mais alguma coisa que quero salientar. Tenho escrito por aqui que a nossa sociedade substitui o pensar pelo calcular, o pensamento é um vagabundo atrevido, pois coloca em cheque qualquer ideologia, inclusive a neoliberal da eficiência. Você, Ana, fala no criar, você louva a criação, você comemora que seu corpo e sua mente e sua sensibilidade pulsam com o artista, você põe junto cultura e arte. E você fala em pensar, fazer e saber escutar. Mas, falar em pensar é retomar a correnteza mais funda do Ocidente – sem esquecer o pensar zombante de Machado de Assis. Você está com ele, ou ele está com você: “Mas, volto a dizer, e vou insistir sempre: com a criação no centro de tudo. A criação será o centro do sistema solar de nossas políticas culturais e do nosso fazer cotidiano. Por uma razão muito simples: não existe arte, sem artista.” Você está certa Ana, você liga erradicação da miséria, ascensão social com ascensão cultural. E nesse movimento, está aí o segredo das jóias: “o Ministério vai ceder a todas as tentações da criatividade cultural brasileira”.

Ana, Aleluia! O plano das concepções, das idéias, dos sentimentos está ótimo, agora, como você disse, começa a hora do fazer!

(PS para a presidenta. Dilma, maravilha! Você não pensa só em taxa de juros, dívida pública, inflação, PAC e superávit primário, como muitos acham. Você mostrou que ao colocar Ana de Holanda no Ministério pensa também em superávit de cultura. Sua ministra disse bem: “Um momento novo está amanhecendo na história do Brasil”.)