terça-feira, março 17, 2009

O DIABO DO CICLO
Por Enéas de Souza

Toda vez que começa um crescimento um pouco mais alentado, como aconteceu no governo Clinton, diversos ideólogos americanos começam a dizer e a afirmar que o ciclo terminou. O período clitoniano, como se fosse uma árvore de borracha, espichou o crescimento mais do que o comum, e logo em seguida, surgiram muitos escritores da nossa área a expressarem que o ciclo tinha sido domesticado pela política econômica. Agora novamente, depois da crise de 2001/2002, já num novo crescimento, cada vez mais puxado pelas finanças, veio a afirmativa, familiar ,da superação do ciclo. Paul Krugman, no seu livro “A crise de 2008 e a economia da depressão” (Ed. Campus), nos coloca que Robert Lucas, o prêmio Nobel de 1995, embora não tenha declarado o término do ciclo, assegurava que o importante estava na busca do crescimento duradouro, deixando de lado a preocupação com algo próximo do domesticado.

Mas há algo que desaba

Pois o interesssante é perceber que o ciclo retornou. Aliás, ele nunca deixou de ser um dos elementos mais ativos da economia, porque a economia capitalista pela própria dinâmica da competição entre as corporações, produtiva ou financeiras, instaura uma disputa intensa, um conflito sempre exuberante pela conquista de mercado Pois um dos rostos da extrema fortaleza da concorrência é o apetite pelo lucro. E em função deste combate pelos resultados positivos, os capitais aceleram com vigor o processo dinâmico do investimento. O resultado disso é sem dúvida, o que chamamos de superacumulação do capital, que é na verdade um aumento fulgurante de capital, um acréscimo que se expressa pelo excesso. E é este excesso que faz com a expectativa de lucros não aconteça, que eles despenquem do céu como um avião em chamas.Torna-se então uma viagem fatal: as mercadorias se mostram invendáveis. E a ação de resposta é única: passá-las adiante, passá-las a qualquer um e a qualquer preço. É esta sutil transição entre uma economia que se eleva estupidamente e que de repente, com uma flecha, como um fiasco, ou como um giro de bailarino desastrado, desaba para uma desaceleração, para uma recessão e pode chegar a uma depressão, quando há uma forte paralisia do movimento cíclico.

Dos ciclos nascem as novas estruturas

Existem vários tipos de ciclos, desde ciclos de 3 anos até os de 50 anos. E se escutarmos a História podemos considerar os ciclos seculares. Mas, a economia não é uma ciência exata. Apenas podemos constatar que estamos diante de vários tipos de ciclos, e que sua extensão além de ser variada, não tem a precisão de uma medida de ciência exata. O importante é perceber que existem ciclos de vários tipos. Mas, sem nos comprometermos com essa idéia de ciclos de 50 anos, os chamados ciclos de Kondratieff, carece que nos demos conta de que temos ciclos longos, que são aqueles onde o capitalismo muda efetivamente a sua estrutura ou os seus paradigmas.
Porque, para que a lucratividade retorne a níveis cobiçados, são neles que ocorrem renovações tecnológicas expressivas em vários setores. Schumpeter, na sua teoria, nos mostrava que só um conjunto de inovações tecnológicas permitiam que a economia se transformasse para retomar a uma nova fase do desenvolvimento econômico.

De onde vêm as dinâmicas modernas

Temos a considerar que a economia capitalista tem uma trajetória ascendente, mas que nessa dinâmica ela apresenta ciclos com faces e figuras diferenciadas. A economia tem componentes financeiros expressivos desde o fim do século 19 e, portanto, o capital financeiro - idéia trabalhada no célebre livro de Hilferding em 1907 - transformou a atividade econômica numa tensão entre as órbitas produtivas e das finanças, mas com uma progressiva hegemonia em favor desta última. O conflito taxa de juros versus taxa de lucro esperada é resultante disso. E portanto, o processo de criação excessiva de capital que provoca a diminuição da lucratividade no capitalismo moderno atravessa a tensão expressa acima.

Por onde passa o novo

Bem, o que aconteceu no momento atual foi que houve a combinação de duas superacumulações, a financeiras e a produtiva, criando, dada a hegemonia das finanças, um ciclo devastador. O resultado da primeira é uma inflação de ativos podres e o da segunda, uma inflação de mercadorias invendáveis. Emergem tanto a queda brutal da renda financeira, como a queda brutal do lucro produtivo. Porém este ciclo tem mais uma característica. Nós estamos no tombo de um ciclo que começou em 1979 com o estabelecimento da já citada hegemonia financeira, mas estamos também no fim de um ciclo onde a infra-estrutura energética baseada no petróleo está dando todos os sinais de seu esgotamento e de sua provável impossibilidade civilizacional. Portanto, o que está em jogo é uma mudança substancial desta infra-estrutura e da renovação de tecnologias dependentes ou independentes desta infra-estrutura. Ou seja, é aquilo que o Obama falou no seu discurso, o problema do longo prazo, no caso o de um novo ciclo longo.

Quem organiza o jogo do longo prazo?

Parece que está em jogo uma mudança radical na economia capitalista, que vai passar de um processo de acumulação financeira para um processo de acumulação produtiva de outra natureza do que o até agora. Metamorfose que exige antes de mais nada uma solução política para conduzir políticas econômicas nesta direção. Ou seja, dito de outra maneira: o Estado vai entrar na arena dos conflitos para comandar o processo. E trata-se de um processo longo. Ou seja, o ciclo tem uma fase de expansão que, após a ruptura, nos conduz a um extenso processo de digestão da passagem das soluções econômicas anteriores para as novas soluções. Nesse sentido, mal estamos começando a fase de descida da pendente negativa do ciclo para chegar, depois de uma duração considerável, ao processo de reversão para uma outra ascensão cíclica. Nessa circunstância atual somos orientados por uma mudança de longo prazo a ser dado pela metamorfose da infra-estrutura energética, como também pela constituição de uma outra estrutura produtiva baseada em novas tecnologias. E o Estado, lugar de deslocamento e condensação de forças sociais, vai ter que proporcionar políticas que dirijam os atos econômicos para tal, ao mesmo tempo que negociará a transformação da estrutura financeira, para compor um ambiente institucional capaz de fornecer os créditos indispensáveis para essas alterações.

É este diabo do ciclo que nunca foi levado em conta pelos economistas do mainstream, pelos financistas, pelos ideólogos orgânicos que acreditavam que a história tinha acabado, como o inimitável Francis Fukuyama.

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