quarta-feira, março 18, 2009

A GOVERNANÇA CORPORATIVA EM CHEQUE
Por Enéas de Souza

Duas notícias interessantes: a luta de Obama para limitar os bônus dos executivos das empresas, daquelas que o Estado está apoiando, e a posição de Welch (assinalado por André Scherer) de não considerar prioridade fundamental o valor acionário. Significa que na prática a governança corporativa está sendo posta em cheque. Não sei se esta divergência, este conflito entre o proprietário da ação e o executivo pode ser resolvido assim. Por uma razão muito simples, o que está em jogo não é uma decisão de um ou de outro político ou dois ou três acionistas. Trata-se de uma questão do atual capitalismo de hegemonia financeira. Na verdade, o proprietário do capital e o dirigente da empresa são dois lugares estruturais, logo autônomos a simples decisões ou recusas ou idéias de pessoas. É preciso que esta questão estrutural seja decidida de forma estrutural. Ou seja, que as múltiplas decisões da política e da economia convirjam para uma solução, tomada pelos homens, mas que ao alterarem comportamentos, torna-se novamente autônoma, inscreva-se numa nova estrutura.

Dois lugares e o primeiro conflito

Como já falamos muitas vezes, e não custa repetir, estes dois lugares são resultados da passagem do capitalismo produtivo para um capitalismo financeiro-produtivo. Nessa passagem a figura do capitalista, o proprietário do capital e o comandante da administração e do chão de fábrica, o líder da empresa, enfim o dirigente das atividades produtivas é a mesma. Era o chamado capitão de indústria. Porém com a instauração do mercado de capitais, da bolsa, esta unidade perdeu a sua consistência. Catapultou assim para o exterior da empresa, para o negócio das aplicações financeiras a face proprietária. E para substituí-lo no interior da corporação, só restou a figura do executivo, personificado no diretor-presidente, os CEOs dos Estados Unidos, o PDGs da França.Este é o primeiro aspecto do conflito que a cisão do capitalista, do empresário, provocou.

O explosivo segundo conflito

Mas, há um segundo aspecto do conflito. Para que estes executivos vestissem a camiseta, e assumissem simbolicamente a encarnação do proprietário, era preciso que eles fossem também proprietários, e, portanto, ganhassem ações das companhias, as chamadas “stocks options” que transformassem esses empregados em proprietários, e que no limite, pudessem resgatar a figura do capitalista. Por outro lado, para aumentar os desempenhos dos executivos, havia um sistema de bônus, dentro de um pacote de remuneração e benefícios para estes dirigentes. Pois, aí se revela a crueza do retrato da crise da governança corporativa. E é preciso ligá-la, à questão cíclica. Porque, quando o ciclo sobre, a economia vai bem, todos ganham, o executivo de fato está ancorado com forte adesão no bojo da empresa. Mas, a fissura vem quando por acaso a empresa vai mal, sobretudo quando o ciclo reverte, porque aí os interesses se mostram divergentes. Isso ficou muito claro tanto na crise da economia pontocom em 2001/02, como agora na atual crise financeira. Nessa hora, nesse trânsito, seja porque o executivo conhece a verdadeira contabilidade da empresa, seja, porque ele percebe que a empresa está afundando, seja porque ele tem um sistema de bônus bem negociado, os interesses pessoais, valem mais do que a sua adesão à empresa. Com o bônus, ele está tranqüilo, a corporação produtiva ou bancária pode ir à falência, à bancarrota, mas, ele, executivo, um empregado de luxo, por contrato, sai com um bom dinheiro, enquanto os proprietários de ações se ferram, os empregados buscam o seguro desemprego e a população em geral fica estarrecida com esta aristocracia de dirigentes. Ocorre, com alarido ensurdecedor, a gritaria de políticos, eleitores, jornalistas, etc.

Obama encara os felizes ganhadores de bônus

Temos uma situação agravante, evidenciada pela orientação de Obama ao Tesouro. As empresas que forem salvas pelo governo não podem pagar esses bônus fulgurantes que, companhias praticamente falidas, pagam a esses executivos incompetentes. Lawrence Summers, o assessor controverso do presidente norte-americano, embora seja contra as remunerações acha que elas no fim devem ser pagas porque não se podem romper contratos, e essas vantagens estavam neles. É a fidelidade ao direito e ao neo-lliberalismo que faliu. Obama quer que o Tesouro faça legalmente ações para modificarem essa situação, porque se pode haver legalidade nos pagamentos, há imoralidade nos seus recebimentos.

O esquema que afundou a distribuição da renda

E com isso, a governança corporativa recebe um golpe profundo, mas não acredito que decisivo. De qualquer forma, esta situação faz parte do processo de transferência de renda da sociedade para as finanças, para as instituições financeiras bancárias e não-bancárias, para os proprietários de títulos financeiros de todas as ordens (caso dos acionistas), como para os executivos destas entidades, o último beneficiário deste esquema, o empregado-aristocrata. Este esquema (finanças-governança corporativa: acionistas e executivos) é o fundamento da piora substancial da distribuição da renda nos Estados Unidos e fez parte da hegemonia financeira que levou ao desastre financeiro e produtivo do planeta.

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