quinta-feira, fevereiro 26, 2009

TODO PODER PASSA PELO SONHO AMERICANO
Por Enéas de Souza


A luta econômica atual é a divisão que está ocorrendo entre as finanças, a produção e os serviços, marcando uma divisão no setor empresarial. Esta divisão se dá em razão da crise do mercado financeiro e da incapacidade das instituições bancárias e das instituições financeiras não-bancárias de reorganizarem o setor, entrando numa crise sem precedentes. Naturalmente, que as finanças tinham uma forte hegemonia no governo de Bush. Mas hoje dada a sua imensa necessidade de recapitalização; dada a existência de balanços contaminados cuja dimensão ninguém sabe qual é; dada a liberdade de ação diminuída cassando as vantajosas possibilidades de alavancagem; dada a interrupção da infinita possibilidade de criar ativos para serem negociados sem garantias efetivas; o sistema financeiro perdeu, como uma árvore depauperada, o comando da economia. A sua desestruturação levou não só a queda substancial dos seus rendimentos nas suas aplicações, mas também a sua quase total retirada do fornecimento de crédito aos setores necessitados. Contudo, esta área da economia ainda tem balas para ferir, talvez já não tenha nenhuma munição pesada, talvez seu estoque esteja terminando, mas não perdeu definitivamente o seu poder político, ainda tem capacidade de negociação.

Todos esses aspectos se notam fortemente no quase silencio do discurso de terça-feira de Obama, quanto ao destino do setor; nas oscilações de comportamento de Tim Geithner, o secretário do Tesouro; e nas atitudes do presidente do Banco Central, Ben Bernanke, principalmente com a decisão de ontem, de conceder um prazo de seis meses para que bancos em dificuldade arranjem capital. E prometendo, como uma jóia rara, uma outra tolerância: se depois deste prazo, o capital não aparecer, abre-se mais uma oportunidade: estes bancos podem pedir auxílio ao governo. Ou seja, há um lance à brasileira, uma postergação atrevidamente evidente. E nesse jogo político e econômico, os bancos encontram, feras feridas, forças para lamberem as suas feridas e para protelarem decisões que são urgentes.

De uma maneira inarredável e progressiva, as finanças vêem a balança do poder e do governo tomar a direção da área produtiva. Obama deu um vigoroso recado: a economia deve reestruturar-se visando o longo prazo. Indústria, energia, saúde e educação devem trabalhar em conjunto para construir um novo padrão capitalista, um novo paradigma industrial, uma nova sociedade. Se isto é profundamente visível, como se fosse um míssil estratégico, o que não está claro para o público se refere à reformulação financeira, que é uma sombra a ser iluminada. E há duas razões: a primeira é a necessidade de salvar o que se puder e construir um outro sistema financeiro, pois o problema do crédito é a chave do sistema capitalista. E a segunda razão, se pode creditar a brutal resistência das finanças à mudança, seja porque a atual configuração – ou o que resta dela - está lutando em desespero para não ser destruída, seja porque a desocupação social da hegemonia ainda não se fez decisivamente. Observe-se que a área produtiva está ainda muito fraca, num processo cumulativo de convalescença. E por isso, Obama se escuda no povo, ou dito mais claramente, na classe trabalhadora - empregados e desempregados - para aproveitando-se da divisão na ordem social instalada pelas finanças, tentar, com essa nova força, unir a produção e frações do setor serviços. E com essa manobra forçar e fustigar no tempo o setor financeiro, objetivando, no momento possível, a recomposição das finanças na reconstrução da sociedade para um novo padrão de desenvolvimento da economia.

Com esse projeto estratégico, a relação dos Estados Unidos com o mundo também vai mudar. Sendo a indústria o centro do futuro sistema, a posição em relação ao comércio externo passa a ser outra, a ênfase vai ser novamente na exportação. E para que tal aconteça o governo vai dar incentivos fiscais, vai fazer protecionismo e tentar reorganizar, com o G-20, o mundo a esta nova feição. Mas, para tal, as finanças terão que se transformadas. E por enquanto, o processo é de dissimulação, de enrolação, para dar tempo a que o setor financeiro se enquadre ou que as forças triunfantes da nova política possam impor os seus requerimentos. Estamos num luta entre as finanças enfraquecidas e uma produção ainda sem forças. E nesta tensão a se resolver, por causa dos excessos de duas superacumulações, inflação de ativos financeiros e inflação de mercadorias, a metamorfose vai se desembocar na necessidade de reformulação de um outro padrão de acumulação de capital. Há, no entanto, um vulcão caótico a ser organizado, a massa de pessoas que trabalha e que tem medo de perder o emprego ou que já o perderam. Obama se concentra nela e promete recuperar o sonho americano, que é o seu lance de evitar que o fogo caia nesta Roma em processo de desfinanceirização.

Nenhum comentário: