quarta-feira, fevereiro 18, 2009

ROTEIRO PARA O FILME DA CRISE

Por Enéas de Souza

Para que o leitor não perca o roteiro da crise, deste verdadeiro filme da crise americana, um filme misto de Hitchcock, Orson Welles e David Lynch, é preciso que ele esteja bem atento a pontos que a trama e a intriga vão anunciar e desdobrar. Pelo menos de alguns destes aspectos, vou fazer uma lista e deixar algumas perguntas, para que se possa ter a noção do buraco, ou da caverna como diria Platão, que estamos metidos. Tente fazer um esforço de análise e de previsão, estaremos já pensando na mutação do nosso estado de coisas.

1) A crise financeira está ainda na metade. É preciso ver que existem muitos papéis tóxicos, oriundos dos cartões de créditos, dos empréstimos de automóveis, de empréstimos estudantis, etc para estourar. E também, cabe observar se a cadeia de papéis podres vai dar origem a novos problemas críticos nos hedge funds, nos private equitys e nos fundos de pensões. Duas perguntas pelo menos. Que medidas podem ser tomadas para deter estas tendências? E que agentes econônmicos poderão toma-las?

2) A crise financeira requer soluções sobre diversos outros pontos. As indagações giram sobre a regulação e seus estatutos; sobre a posição das instituições no sistema financeiro (FED e as demais agências tipo SEC, FDCI, etc).; sobre como os bancos vão ser capitalizados; sobre qual o regime de solução para os ativos podres nos balanços dos bancos, sobre a nacionalização dos bancos ou não.

3) A crise financeira está trazendo uma questão importante: como o crédito na economia americana, dado o permanente “credit crunch” (agora um pouco suavizado), vai ser defintivivamente solucionado?

4) Os recursos do bailout do Paulson, e os recursos do pacote aprovado pelo Congresso terão que ser despendidos pelo Governo dos Estados Unidos. Qual o plano, qual a transparência, qual a fiscalização, que serão efetivamente implantados e exercidos?

5) O pacote, como diz, Obama, será o princípio da solução da crise?

6) A crise produtiva nos leva a algumas questões: como será encontrada a solução para os mercados dos dois centros de acumulação que sucumbiram radicalmente nesta etapa crítica: o imobiliário e os automóveis? Como se dará a recuperação destes dois setores? E qual a atenção que será dada aos demais integrantes da cadeia de valor destes setores?

7) Uma coisa é o crédito de curto prazo, outro o de longo prazo. Quando a bolsa vai retornar a fazer parte deste último papel?

8) Qual é a viabilidade do financiamento do governo para a questão energética dar certo? E qual a matriz de transição a ser feita pelos Estados Unidos?

9) Se o modelo financeiro de acumulação faliu, falindo com ele o engate econômico do comércio externo, como – e esta é a pergunta – vão se organizar as relações mercantis internacionais? Ou teremos antes um forte protecionismo como etapa necessária para a desintegração da atual estrutura econômica?

Porém há perguntas que quero destacar, mais que as outras, para mostrar a envergadura da crise. O que estamos vivendo é o desabamento de um ciclo não apenas financeiro, mas também produtivo. Ao que tudo indica, parece que a solução da economia vai começar através de uma reversão cíclica da produção. E o ponto fundamental para que isso aconteça é que um conjunto de tecnologias possa permitir que a potencialidade dos lucros se derrame por toda a esfera da indústria e da agricultura e que ela cresça vigorosamente, levando também à reversão cíclica financeira. Na direção correta, o Estado certamente estará, desde os primeiros momentos, na origem dos investimentos que, aliados aos posteriores investimentos privados, vão permitir esta metamorfose. Então da pergunta principal não se escapa: qual será o volume de recursos que ele terá que despender para que isso ocorra? Por outro lado, a pergunta subsidiária completa: os recursos do atual plano de estímulos serão suficientes? Vem, igualmente, mais outras interrogações: se não, quais os próximos passos a seguir? E quanto tempo levará? E não deixemos de fazer uma pergunta crucial: o Estado poderá resolver todas essas questões sem que a dívida pública afete e destrua a moeda?

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