CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
04 de fevereiro de 2010
Coluna das quintas
DONOS DO PODER
E SEUS
LANCES DE DADOS
Por Enéas de Souza
04 de fevereiro de 2010
Coluna das quintas
DONOS DO PODER
E SEUS
LANCES DE DADOS
Por Enéas de Souza
I - A SUPREMA CORTE DECIDE A FAVOR DE QUEM?
1 - A primeira coisa que está complicando, fazendo um certo rombo na turma do Obama, é um forte ataque dos conservadores, dos financistas e dos grandes empresários contra o controle da democracia. Poucos estão se dando conta desta decisão da Suprema Corte (5 a 4) que definiu pela não-limitação dos recursos que as corporações podem dar nas contribuições pecuniárias à política. Não interessa os artifícios que sustentaram esta aprovação (absurdos como este argumento de igualar corporações a pessoas, afirmando que todos devem ter liberdade para manifestar sua opinião). O que importa, verdadeiramente, é que, através do judiciário, o Estado americano tomou uma decisão favorável à presença mais intensa e sem limites dos setores produtivos, financeiros e mercantis – enfim, empresariais – na arena da política.
2 - Ora, obviamente, isto é uma dupla ameaça para Obama. De um lado, a abertura para o capital financeiro dando-lhe uma poderosíssima arma: usar todos os seus recursos com a finalidade de derrotar qualquer pretensão de organização, por parte do Estado, da arquitetura financeira. Continua a vontade predadora de bancos e entidades financeiras, seja na propaganda, seja nos lobbies, seja no volume de dispêndio, seja na própria atividade econômica. E, no fundo, no fundo, uma derrota para a justiça e para a democracia americanas. E, por extensão, um revés para a população pobre, um bloqueio evidente com a finalidade de deter as transformações sociais. De outro lado, não há dúvida: estão se abrindo perspectivas para gastos favoráveis, seja à promoção do retorno à velha especulação financeira, seja à atuação bélica, cujo orçamento praticamente não foi cortado. São os perdedores da guerra do Iraque, entre elas as empresas de construção de infra-estrutura, que retornam pela porta do tribunal. Ou seja, o setor financeiro e o setor bélico se unem para se abraçarem no declínio dos Estados Unidos, mas não sem resistirem e não sem atuarem fortemente na cadência de uma melodia de baixa qualidade, em nome da democracia para, pensamos nós, destruir a democracia. E pensar que os Estados Unidos, na Segunda Guerra Mundial, foram os campeões da liberdade. Certamente, Machado de Assis diria: mudou o Natal!
3 - Obama está novamente em cheque. Estão gostando dele como alvo. Esta decisão da Suprema Corte dá armas aos seus adversários e está contra a maioria do povo americano, que votou e aceitou a proposta de Obama. O problema é que não basta um governante ser eleito, existem instituições e estruturas sociais e governamentais que impedem um presidente de dar curso aos seus projetos. Anulou-se a grande amplitude do healthcare e busca-se impedir o controle das finanças, via lobbies e ações financeiras. E as forças adversárias mandaram um recado ao presidente: nós vamos usar a justiça e na justiça não vai ser fácil. E é verdade, a batalha está se deslocando do econômico para o campo político, mas com colorações jurídicas. Pois vejam, além desta medida da Suprema Corte, as finanças ameaçam entrar em campo no judiciário contra a taxação dos 50 maiores bancos por terem causado prejuízos aos contribuintes na crise financeira recente. Uma lei que seria aprovada no Congresso. E os 50 bancos ajuizariam contra ela, por ela ser uma lei discriminadora dos 50 bancos (sic!). Por tudo isso, Obama vai estar este ano sob forte ameaça de temporais e perigosos deslizamentos, portanto não apenas um cerco, mas estocadas visando a paralisia do Estado. Senão, a conversão para o conservadorismo da direita. Como o presidente não deu o golpe de morte logo que assumiu o governo, agora, depois de vitaminadas, elas, as finanças, jamais aceitarão a bênção de um projeto de ampliação da democracia, via controle das finanças e da guerra, um projeto de criação de um sistema de proteção da saúde.
II - VOLTAMOS A SER QUINTAL?
1 - Eis uma segunda coisa que está complicando: é preciso sentir uma mudança geral dos Estados Unidos em relação à América Latina. Primeiro Objetivo: apossar-se da Venezuela sob forma política, ideológica e militar. Como ação: desmoralizar o projeto bolivariano e, com isso, derrotar Chaves. E ameaçar e isolar Evo Morales. Claro o objetivo fundamental é econômico, obter o petróleo venezuelano, cujas reservas estão notavelmente expressivas, sobretudo, depois da descoberta das reservas do Orinoco. Portanto, retorna o objetivo predador do grupo bélico e petroleiro. Tudo à moda Texas. Será que a Venezuela vai ser mais comodamente o Iraque que este grupo não teve?
2 - Segundo objetivo: desvincular a crescente presença do Brasil na liderança da América Latina. Naturalmente, que não está em questão forçar um golpe no país, como em 1964. Isso seria uma incompetência no momento, mesmo porque o Brasil cresceu econômica e politicamente. Apenas, se trata de botar o Brasil, esta aspiração de liderança, no seu lugar. Episódios como de Honduras e do Haiti mostram isso. E como a vulnerabilidade brasileira é militar, nada melhor do que a Quarta Frota para mostrar um pouco das garras da águia americana. O interesse dos Estados Unidos continua sendo dividir o controle da América Latina com o Brasil, mas sob a sua estrita obediência. Mas, não somos mais como antigamente. Crescemos e pretendemos ser uma potência média mundial O problema é que o Brasil é muito pequeno diante da primeira nação do mundo. Deve, portanto, frente as últimas manifestações do nosso parceiro, responder, desde agora, com uma certa flexibilidade no campo diplomático. Depois de tanto capital acumulado, as manobras tem que visar não sofrer derrotas contundentes.
3 – E, em segundo lugar, buscar rapidamente essa associação com a França, para estabelecer uma mínima capacidade bélica, seja para se atuar nestas situações como a do Haiti e não sair lascado; seja, inclusive, para proteger nossas riquezas como a Amazônia, como a água, como o petróleo. Não podemos nos enganar: o quadro tem mudado. Olhe-se o episódio de Honduras e o deslocamento “humanitário” que os americanos fizeram no Haiti, e perceba-se o novo eixo Uribe-Piñeyra, além da ampliação das bases americanas na região. Os meteorologistas detectaram que os ventos dos anos 60 estão retornando. Enquanto Bush e Cheney pensavam no Iraque, as coisas estavam bem; agora que Obama pensa na América Latinas, as coisas pioraram. Não se enxerga na oficina do Pentágono algo de novo? Não haverá uma busca de propor ao Brasil uma lição de conflito para que ele se situe, no mundo e na América do Sul, sob o insofismável comando americano? Um Brasil alinhado ajudaria a reconversão venezuelana. Mas há uma pergunta que diplomatas brasileiros conservadores, como nos falava num artigo José Luis Fiori, não ousam perguntar: um pouco de independência para o país não faz bem? (Mas, não é verdade também, como escrevia Florestan Fernandes, que há gente no Brasil que prefere a submissão voluntária e proveitosa para comerciar à sombra do guarda-chuva do irmão maior?)
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