quinta-feira, abril 02, 2009

Quinta-feira, 2 de abril de 2009

PERGUNTAS AO REDOR DO G-20
Por Enéas de Souza.

Hoje, exatamente no dia da reunião do G-20, vamos responder perguntas que nos chegaram e que, de uma forma ou de outra, estão envolvidas ou balizam o contexto amplo desse encontro.

1ª pergunta – de Maria Lucrecia Mendes
→ Qual será a prioridade do G-20: regulação ou relançamento da economia?

Na verdade, temos dois problemas fundamentais. De um lado, a regulação é fundamental para reverter os desastres da economia capitalista, promovida pela área financeira. A solução dos planos de salvação são soluções parciais e precárias, demoradas e não resolvem o problema da fluidez do crédito; e são cada vez politicamente mais difíceis, pois eles apenas buscam resolver a questão dos ativos tóxicos. E não solucionam o ponto fundamental, a mudança institucional da estrutura financeira. É preciso definir-se sobre que tipos de instituições o sistema financeiro deve ter, como será o papel do Banco Central, qual será o grau de regulação que vamos ter, como vão ser controlados as instituições não bancárias, os hedge funds, os private equities, etc. Portanto, a área financeira não está planejada, nem sequer temos um plano decente para resolver a questão dos títulos podres. A meu ver, a nacionalização será a forma mais rápida, mais conseqüente para enfrentar essa desordem financeira americana e global. Pune a incapacidade, a ineficiência e a especulação desbragada. E proporciona, certamente, um grau de confiança inviável com esta falsa salvação, que só posterga a resolução das finanças.

De outro lado, a questão produtiva tem um itinerário. Primeiro, colocar o gasto público na direção do investimento através de obras públicas. Uma reativação das empresas e uma busca de uma recuperação do emprego. Segundo, segurar a queda das corporações, dando a elas uma higiene conveniente. Ou seja, deixar quebrar a GM e a Chrysler, mas salvando as fábricas. Reencaminhando totalmente as empresas para uma nova competitividade. Pois o capitalismo passará para uma nova fase de reorganização. Terceiro, desenvolver, através de pesquisas, de financiamento adequado, o caminho para um novo padrão de acumulação. Isto significa tanto a transformação das pesquisas em energia e das tecnologias em fábricas e produtos que, em determinado momento, vão tirar a economia do buraco para o qual ela se encaminhou. Será a forma de vencer a recessão e a depressão que nos rondam, pois é uma solução de longo prazo.

O processo de recuperação da economia se acelerará se as duas órbitas do capital forem postas em andamento conjuntamente. Pois para a economia produtiva decolar precisa uma adequada estrutura financeira para atender as demandas da área de produção. Em todo o caso, não há no momento, nenhum indicativo que a área financeira esteja disposta a atender os reclamos ligados às necessidades imperiosas de fornecer crédito para esse desenvolvimento produtivo.

2ª pergunta: de Mario da Silva Drummond
→ Qual a importância dos ataques feitos pela China contra o dólar? Ele está ameaçado?

O desastre do capitalismo financeiro americano – destacando os dois déficits gêmeos (o comercial e o financeiro) e a crescente dívida pública para resolver os problemas das finanças – criou suspeita sobre a situação do dólar. Mas não há nenhum substituto à vista. Uma moeda se sustenta através do poder do Estado que, por sua vez, está baseado na potência de sua economia, na sua capacidade militar, na sua força política. Desta maneira, não há nenhuma economia capaz de rivalizar com o dólar. Por outro lado, a China é o maior credor do Tesouro Americano e possui o maior estoque de reservas do mundo. Nesse sentido, o que o presidente da China fez foi, simplesmente, tentar manter o valor de suas reservas e dizer aos Estados Unidos: vocês têm que considerar a nossa posição! Claro, a China poderia retirar as suas reservas e causar um grande problema para o dólar. Mas seria como dar um tiro no pé. A China se evaporaria e se arriscaria a uma situação internacional complicada: política, econômica e militarmente. A sugestão de utilizar o DES como moeda de reserva mundial, só seria viável se tivesse um Estado por trás. E este Estado seria, obviamente, os Estados Unidos. Porque veja, o euro, não poderia ser a moeda substituta do dólar, porque ela, a rigor, não tem um Estado, portanto não tem um Tesouro por trás. Na verdade, o euro é uma moeda enfraquecida pela multiplicidade de Estados que fragmentam a sua unidade política e econômica.

3ª pergunta: de Osvaldo Ribeiro Kreuz
→ E a proposta do retorno ao padrão ouro?

Esta proposta, no momento, não tem viabilidade. Se for o padrão outro puro e simples, é totalmente inviável; o comércio internacional deixaria de funcionar crescentemente. E, em função da limitação da mercadoria ouro, a tendência seria uma deflação e uma recessão enorme. O retorno do dólar-ouro, no momento, também seria inviável, pois um padrão se estabelece não por antecipação, mas já na continuidade dos negócios. Por exemplo, a suspensão do padrão dólar-ouro em 1971 ocorreu porque já havia uma expansão dos bancos americanos, e o dólar precisava dar a possibilidade de uma expansão do capital financeiro. E então teve que se constituir a invenção da moeda financeira, baseada na taxa de juro do FED e nos títulos do Tesouro Americano, fazendo do dólar uma moeda de reserva mundial. Hoje, com a indefinição da economia, a colocação do dólar-ouro manteria a hegemonia dos Estados Unidos e, ao mesmo tempo, daria as possibilidades aos Estados Unidos fazer a mesma operação que fez em 7l. De qualquer forma, enquanto não se definir a questão da economia – produção, finanças – o dólar será o que é: uma moeda instável, sujeita à desvalorização, capaz de ser questionada por diversos países. E quem sabe, no limite, sujeito a uma crise monetária de proporções. Mas não é o caso nesse momento. E se olharmos bem, não há substituto à vista para o dólar.

4ª pergunta: de Hilda Vieira Jardim
→ Qual seria a possibilidade dos trabalhadores numa crise como esta?

Uma crise do capitalismo sempre traz a possibilidade de modificações profundas na estrutura das relações sociais de produção. É verdade que o capital, apesar de sua vasta crise, conquistou um poder sobre o trabalho com duas poderosas chaves de dominação: a tecnologia e as finanças. Com a tecnologia, ele impediu que os trabalhadores pudessem ameaçar realmente o capital e, com as finanças, ele aliviou a luta dentro da fábrica dos prejuízos financeiros de paralisações e de greves. Porém, falando da oposição capital/trabalho, vimos o fracasso das finanças que põe, no limite, em risco todo o domínio do capital, porque se estabelece uma aliança direta entre trabalho e população. Mas as condições políticas, econômicas, tecnológicas, militares e policiais de domínio do capital não estão paralisadas. A reprodução do capital não se tornou inviável. Mas, os trabalhadores em geral não estão trabalhando neste momento com alguma possibilidade revolucionária. Ao contrário e na verdade, o que eles pedem é a possibilidade de mais democracia, de mais direitos sociais e de maior distribuição da renda, lembram as questões energéticas e ambientais, pois o capital financeiro tem uma inclinação para o congelamento democrático: veja-se Guantánamo, o Patriotic Act, a própria atuação de certas instituições estatais como o Banco Central, etc. E a democracia, com o acréscimo de controles populares, vai depender da queda das instituições falidas do neoliberalismo e do aumento de força e inventividade dos operários, dos desempregados, dos aposentados, etc. Ou seja, os modelos de revoluções francesas, soviética, chinesa, cubana, etc. estão superados política, tecnológica, ideológica e militarmente. A História nunca está fechada definitivamente e chegamos a um momento de incerteza, de indefinição; talvez o momento de agora fosse que os digladiantes da esfera social encontrassem um pacto num outro nível, diferente deste, tão desfavorável aos trabalhadores como foi no neoliberalismo, sobretudo a partir da queda do socialismo real. Hoje ainda não dá para vislumbrar como será a luta real, apenas vemos que os conflitos se multiplicam: finanças/ produção; capital/trabalho; capital financeiro/população; nacionais/emigrantes; emoldurados por conflitos religiosos de diversos matizes, pela banalização inconcebível da cultura etc. Porque, em verdade, a luta política tem muitos níveis e não se pode reduzir os conflitos sociais às formas como se desenvolviam no século XVIII, no século XIX, no século XX. O século XXI nos traz um horizonte de múltiplos conflitos, mas o terrível é que ninguém tem teoria e prática – e estamos falando de todos os lados (como reconhecem, inclusive, os partidos anti-capitalistas) – para que possamos dizer que o caminho será este ou aquele, dizer que a luta será por ali ou por aqui.

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