quarta-feira, abril 08, 2009

Quarta-feira, 8 de abril de 2009

O OCULTO E O VISÍVEL
(ou a estratégia econômica de Obama)
Por Enéas de Souza

O vento das incertezas

Para pensar a estratégia de Obama é preciso fazer duas coisas: primeiro, perceber que ele está querendo muito ser um grande presidente, porque ele é o presidente de uma transição econômica fundamental. E para tal é preciso que tenha, e esta é a segunda coisa, uma estratégia. E uma estratégia muito bem pensada, ampla, firme e vigorosa, mas uma estratégia que esteja sujeita às variações táticas em função das adversidades e dos adversários. E pensar a estratégia de Obama é uma questão decisiva tanto para os aliados quanto para os adversários. Só que, neste ponto e neste momento, não podemos ter certezas, porque muito discurso, diversas idéias, algumas ações nos dão apenas sinais muito precários, muito iniciais e razoavelmente diáfanos dos seus objetivos. Não se pode negar que há algo mais importante do que está visível, é aquilo que está envolto no oculto, algo que se vislumbra no escuro. E o que não aparece, mas que está grudado e encoberto pela luz, é aquilo que temos que supor, é o pulo do gato, e que, no atual correr do vento, está pleno de incertezas.

A visão e o norte

À primeira vista, a impressão que se tem é que Obama tem uma visão da totalidade. Ele sabe que um ato feito num ponto do sistema afeta os demais pontos e que há uma interconexão entre os elementos que estão em jogo. Em segundo lugar, parece que Obama tem um norte que vai ficando mais nítido à medida que os lances são jogados, como um rosto de um desenho que um artista está fazendo. E combinando os atos e a possível totalidade pensada por Obama, podemos esclarecer tanto o que está na luz como o que está na sombra dos seus gestos estratégicos.

Existem rumos para a mudança?

Nesse sentido vamos fazer um primeiro retrato, um primeiro esboço de sua estratégia. Diremos que a sua visão geral parte da necessidade de uma mudança no capitalismo e do poder americano. Vamos analisar hoje, especificamente, a mudança econômica, embora ela esteja acoplada com a questão do poder nacional. Elas são duas realidades interligadas, mas para efeito de análise, vamos discuti-las por partes. Queremos tratar, em primeiro lugar, da transformação do capitalismo. E o que importa para Obama, é sairmos desse capitalismo financeiro predador e que está abraçado com a guerra. Quer desfazer este enlace de morte. E quer re-posicionar as finanças, levá-la de um exclusivo setor especulativo para um setor disposto a fornecer crédito para o desenvolvimento produtivo da sociedade. Só que há um terrível obstáculo: a produção está atravessando uma crise tecnológica impressionante, envolvendo a questão energética, a questão ambiental, a renovação tecnológica de inúmeras indústrias, como a automobilística, etc. O que Obama pretende, então, para dar início à nova dinâmica econômica, é posicionar a economia para o longo prazo. E neste posicionamento vem uma enxurrada de problemas: o que fazer no curto prazo? Como financiar a pesquisa tecnológica? Qual o tempo de duração destas pesquisas? Como relacionar o curto e o longo prazo? Para que tal aconteça, Obama está disposto a fazer o Estado cumprir o seu papel. E tentar novas alianças setor público-setor privado, produção e trabalho, que estavam fora de questão na hegemonia das finanças.

A pedra no roubo

E é aí que surge a grande interrogação: como atuar com as finanças? Este setor é altamente poderoso, tem um sistema perverso de lucratividade, manda em toda a parte, desregulamenta o que pode e, ainda assim, burla as poucas regras que existem. Trata-se, até agora, de um setor totalmente fora de controle. E mais, Obama tendo, no seu elenco de atores, dois prêmios Nobel, Krugman e Stiglitz, não pode deixar de contar com o grupo dos “financistas”, Geithner e Summers, e o presidente do FED, Bernanke. As finanças estão como ostras encravadas nas pedras do Estado. Obama, mais cercado impossível. E, assim, se “financistas” dizem A e os outros, dizem B, se Geithner diz que o seu plano é dez, os outros – Stiglitz, por exemplo – diz que o plano não é zero, é pior, é um roubo; Obama, dado o maior poder das finanças, opta por aqueles que dizem A. Apenas bota uma pequena pedra, um grão de areia no sapato e decide que os executivos dos bancos ajudados pelo governo não podem ganhar essas fábulas que Wall Street paga. Essa decisão foi uma navalha afiada e uma cisão importante no grupo especulativo.

A corda

Bem, qual é mesmo a estratégia de Obama? Ele tem uma visão de longo prazo centrado na produção; e busca ajustar as finanças a esta dinâmica. Sem ser contra os bancos, pensa que o capitalismo tem que ser produtivo antes de tudo. Mas como reverter as finanças do seu antigo projeto, de financeirização de toda a economia? Só pelo controle do Estado. E como chegar a este objetivo? Parece que o lance de Obama aqui é o seguinte: dar corda para as finanças. Deixar que ela se arranje ou mostre a sua inviabilidade. E aí, Obama deve ter um cálculo, pois não há estratégia sem cálculo. É preciso, então, em primeiro lugar, dizer até quando, mas principalmente até quanto o Estado vai ficar nas mãos das finanças. Ou seja, deve ter claro até que ponto pode ir a estratégia de Geithner, seja em termos de dinheiro, seja em termos de resultados, seja em termos de tempo. O André Scherer publicou ontem, aqui no Econobrasil, que a estimativa do FMI para o custo da crise é de 4 trilhões. Roubini falava em 3,6 tri. Logo, se isto for certo, o plano de Geithner não vai chegar até o gol, fica no meio de campo e, talvez, até a bola vá para fora, vá para a lateral. O problema, então, para os analistas, é ter certeza que dar corda para Geithner é, de fato, a estratégia de Obama, e que ela é uma estratégia correta. Se assim for, cabe pensar com a cabeça dele e responder até quanto vai custar e até quando vai durar a chance. Obviamente que está embutida a pergunta: quem vai ganhar E quem vai perder? O plano de Geithner (e de Summers, como dizem alguns) vai dar dinheiro para os banqueiros. Eles vão ganhar política e economicamente o que perderam financeiramente. A nós, nos parece que este é o jogo do presidente americano, dar corda para que se evidencie socialmente que a solução é outra. Pois só desta maneira o Estado – e ele como presidente – podem tentar sair do cerco em que estão metidos.

No fim do túnel, só perguntas

A estratégia de Obama na área econômica supõe, portanto, uma espera dupla: uma espera para que as finanças se arranjem, uma espera para que produção se reorganize e vá na direção do longo prazo. E Obama confia que estas esperas possam ser regradas pelo Estado. E aí os leques e os trunfos são muitos: ajuda financeira, financiamento de pesquisa, apoio aos trabalhadores: saúde, educação, ajuda nas moratórias habitacionais, etc. Mas, se isto está visível, tem muito mais coisa no oculto: qual a posição do sistema financeiro neste novo projeto? Qual a segurança que vão conseguir os trabalhadores em termos de aposentadoria e de melhorias sociais? Qual será a possibilidade de competição nacional e internacional da indústria americana? Qual o projeto de expansão da economia dos Estados Unidos no quadro internacional? Como será realizado o comércio entre os países do mundo? Qual o papel das finanças neste comércio?

A paz e o tempo

Então, o que se pode ver é que Obama vai ter que fazer um jogo complexo, sair de uma economia financeirizada para uma economia produtiva. Vai ter que alterar os termos do contrato social e político; vai ter que se afastar de uma economia baseada nas finanças, na guerra e nas novas tecnologias de comunicação e informação para tentar a construir uma economia sustentada na infra-estrutura energética, nas novas tecnologias dos múltiplos setores industriais, além da expansão de outras tecnologias de comunicação e informação. E é neste modelo que vão ter que se encaixar as finanças. Mas, atenção, este reposicionamento vai ser feito durante um processo de reformulação do poder americano no mundo, abrindo espaço para uma política de paz, talvez a única forma de assegurar um tempo para a renovação da economia produtiva e financeira americana.

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