quarta-feira, abril 01, 2009

Quarta-feira, 1º de abril de 2009

G-20
OBAMA E O PODER AMERICANO

Por Enéas de Souza

A dupla ótica dos Estados Unidos

É importante vermos o movimento de Obama nesta temporada européia, que começa hoje com encontros com Gordon Brown, com Medvedev e com Hu Jintao, sob o alarido francês de Nicolas Sarkoyzy, ameaçando deixar “uma cadeira vazia”, se a reunião não se encaminhar para discutir a questão da regulação da economia financeira, de maneira sólida e importante. O movimento de Obama é uma larga e ampla manobra. Atravessa o G-20 amanhã, e engloba depois, nos dias subseqüentes, os encontros com chefes europeus e com dirigentes da Otan. É um esforço decisivo para mostrar a nova posição americana no cenário mundial. Estamos em face de um país disposto a retomar a liderança sob uma dupla ótica: reafirmar a posição estrutural dos Estados Unidos de diálogo com seus parceiros, e a preparação, com invenção progressiva, de uma saída para a infernal crise da economia americana e planetária. Nesse movimento, Obama busca dar ao mundo uma demonstração de sua liderança, tentando, como os grandes heróis da história de quadrinhos, de fazer face às múltiplas e incansáveis tarefas que este trânsito lhe apresenta.

O cão aguerrido e o conflito latente

Nesse momento da contemporaneidade fica claro que temos uma profunda e irreversível crise do capitalismo, do neoliberalismo, da economia financeira e produtiva e uma deplorável crise da liderança americana. Elas todas conjugadas desafiam sem cessar o presidente recém eleito. Para podermos observar seja os lances deste, seja os resultados das reuniões, é fundamental perceber o que vai se estabelecer nesta viagem. O que está se desenhando é um novo padrão de relacionamento e de diálogo entre as nações. Um jogo onde o conflito está latente, revolvendo o ambiente como um cão aguerrido e capaz de raiva. Os Estados estão disputando uma nova forma de liderança, abrangendo a realidade política e econômica do mundo. Sob certos aspectos há uma luta generalizada das nações, mas todas estão sabendo que a única que pode comandar esse processo é os Estados Unidos. Mas, tudo está indefinido, inovadoramente indeterminado, demasiado incerto. E a rota para a saída das múltiplas crises depende de acordos no meio de uma possibilidade ampla de desentendimentos e desencontros.

Quais os links que os Estados Unidos vão linkar?

O momento é da política, no meio de uma realidade se encaminhando para uma desordem generalizada. E a política é o reino da disputa, do antagonismo, dos combates, das contradições. Nesse sentido, o primeiro passo, vai ser a definição daquele que vai dar o dinamismo às disjunções. E é nesse ponto que os Estados Unidos vão assumir a tarefa de liderança, para restaurar o seu poder político moral, para liderar tanto um novo quadro político entre as nações, como uma trajetória de reformulação da economia do planeta. E eles se põem esse esforço, mesmo porque a crise veio deles. Uma desastrosa presidência que, tendo sido guerreira, isolou-se na sua pretensão unilateral e escondeu, sob o pretexto de combate ao terrorismo no Iraque, o seu desejo predatório de petróleo. Só que o ornamento desta moldura foi, sem dúvida, a embriaguez enfeitiçada de uma financeirização de todas as relações de produção. E como a política arma as possibilidades da economia e a economia possibilita a vida das nações, a primeira grande questão de Obama é, no magma da desordem, a construção de uma nova economia política, fazendo a linkagem do front interno com o externo. A própria política, numa dialética com a economia, precisa e principia a se reorganizar. Obama vai ter que enfeixar outros grupos sociais numa nova definição política e de economia no interior do seu país. E os americanos vão também fazer novos entrelaçamentos e novas tramas econômicas e políticas com a Europa, com o Oriente Médio, um outro jogo-confronto com a Rússia, uma nova etapa de colaboração com a China, etc., etc. O G-20 tem este filme, vai de dentro dos Estados Unidos aos outros lugares do mundo.

As contradições de Obama

Mas, Obama tem a suas contradições. Num certo sentido, ele sabe bem que a saída da economia vai ser por etapas: 1) é preciso deter a tendência de queda das atividades produtivas que, estando em recessão, poderão encaminhar à depressão; 2) retomar a dinâmica econômica, reorganizando o curto prazo, através do gasto público, para criar condições da economia se encaminhar para o longo prazo; 3) reformular o padrão produtivo atual, dirigindo a economia para um paradigma centrado na renovação energética da infra-estrutura e na aglutinação de novas tecnologias na construção de um novo padrão produtivo.

Todavia, se isto está muito claro no campo da economia real, nada ainda está muito definido no campo das finanças. Porque as soluções financeiras são todas pensadas pelo grupo que sempre atuou no comando do processo de expansão das finanças. Foram eles que participaram de uma financeirização calamitosa, que teve por base uma excessiva alavancagem dos recursos, uma expressiva securitização, uma multiplicação quase infinita dos produtos financeiros, chegando até a uma articulação distorcida do setor financeiro com o setor produtivo. Ou seja, a questão é simples: é indispensável e necessário mudar as finanças para restabelecer o crédito, no mesmo e amplo processo de reanimar a economia para preparar as mudanças fundamentais do próximo paradigma industrial. Como fazer este elo, cuidando igualmente dos problemas ambientais e energéticos adversos, é o horizonte onde se constrói a presidência política de Obama.

Mas, não há como negar: Obama ainda não tem solução para as finanças. O plano de Geithner não atende a vários problemas financeiros, nem sequer sobre o ponto número um: como desativar este sistema bomba, que pulsa, sem marca-passo, ameaçando explodir? Do ponto de vista positivo, tudo pode se concentrar numa idéia: a falta de um desenho para o sistema financeiro. O que é isso? Trata-se de fato de ter idéias para solucionar a regulação do sistema, envolvendo desde o tipo de instituições que vão atuar até o tema dos paraísos fiscais. As tarefas de supervisão, de controle, de fiscalização, de punição, etc. tanto das instituições bancárias e não-bancárias, se constituem em pontos que as finanças lutam desesperadamente contra.

Tudo para ficar no mesmo

Comparando com o pensamento sobre a esfera produtiva, onde emergem as idéias de curto com as idéias de longo prazo, a esfera financeira ainda é um jogo de protelação, de postergação, de diferimento das ações. A única forma de explicar essa inaptidão do governo Obama é a escolha dos seus auxiliares nesta área. Todas as figuras comprometidas com as finanças destroçadas. Elas mostram a sua força, optando não pelo movimento, pela transformação, mas pela imobilidade. Numa síntese: pela mudança para ficar no mesmo. Pode ser que Obama espere que os ataques dos europeus, dos asiáticos, dos latino-americanos possam criar um clima de pressão, capaz de reverter a tendência de ativa inércia tanto do Secretário do Tesouro dos Estados Unidos como do setor que o sustenta. E com isso se abriria um caminho para a nacionalização do sistema financeiro, que seria o começo de uma reformulação de toda área, dando o início a uma recomposição da economia. Mas, se na política a questão é o conflito, na economia é a competição. E, portanto, só um poder muito forte, capaz de organizar uma saída ordenada da crise poderá mudar este panorama caótico do momento, com previsões de quedas assustadoras para o ano de 2009 da OECD.

As vozes européias e a orelha de Obama

Para concluir este breve panorama, é preciso dizer que existem, neste périplo de Obama, dois aspectos: um, propriamente político, de reafirmação da posição estrutural dos Estados Unidos e da renovação da liderança americana, e outro, propriamente econômico, de reorganização das relações entre as finanças e a produção que vai redobrar-se sobre a questão americana e mundial. E sobre este tema das finanças nada está decidido e, fora o plano Geithner, não existe nem sequer uma proposta. Nela deveriam constar os problemas fundamentais examinados neste texto, porque eles têm repercussões em muitas frentes: além da economia real, eles afetam, por dentro do Estado, as finanças públicas, a taxa de juro e, no caso americano, aquilo que é uma das preocupações chinesas, a sustentabilidade do dólar.

Pois esta é a flecha que vai direto ao ouvido de Obama. Estará ele em condições de ouvir? É por isso que o G-20 vai ter que falar forte, gritar alto, lembrar a Obama que não somente a guerra, mas também o neoliberalismo das finanças foi uma das causas do desastre americano. (No fundo, até o escudeiro Gordon Brown tem essa opinião.)

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