quinta-feira, janeiro 21, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
Coluna das quintas
21 de janeiro de 2010

OBAMA E O NOVO
FAROESTE AMERICANO

Por Enéas de Souza

A vitória republicana em Massachusetts demonstra não o fracasso de Obama, representa um recado, o povo americano está insatisfeito. E pelos dois lados. Pela direita, sob o império dos bancos e da mente neoliberal de guerra, a vontade de liberdade para o sistema financeiro e para a expansão do poder militar com gastos governamentais justamente nesta área. Pelo centro e pela esquerda, um grito contra a impotência imediata do presidente diante do poderio das instituições bancárias e dos financistas, a fraqueza diante das questões energéticas e ecológicas, como aconteceu em Copenhagen; a lentidão em apoiar a retomada industrial; a falta de atenção ao emprego que atinge mais de 10% da força de trabalho, etc. A mistura do coquetel de posições de direita e de esquerda deu, num estado que tinha como representante um Kennedy, portanto, um democrata, a mensagem, o aviso da população. Take care.

OBAMA ESTÁ NA RODA

a) O balanço do descaramento

Olhando de um ponto de vista mais estrutural, pode-se ver o seguinte: Obama dança o seu cool jazz no meio de um círculo de ferro das classes no poder. A hegemonia está com as finanças, o que significa não apenas liderar economicamente a nação e o mundo, mas ter condições de influir na definição do Estado. E o que ela quer mesmo é a continuidade dele com a sua atual organização. Ou seja, O Estado deve continuar financeiro. E diz isso descaradamente. Agora. E diz com todas as pressões e abertamente, porque antes a hegemonia estava coberta com o véu ideológico. Agora não; agora escancarou tudo. Agora é nu frontal. Senão, vejamos. Para estupefação geral, os banqueiros tomaram dinheiro do Estado com a finalidade de resolver seus problemas com os ativos podres, com falta de caixa, com a carência de capital. E todo mundo viu, todo mundo sabe, não resolveram. O Citi, por exemplo, anunciou nesta semana, que deu prejuízo, mas foi um preju que não impediu a direção de pensar em distribuir os famosos bônus. Envergonhado, fala em diminuir os valores, mas outros bancos, que tem dinheiro do Estado como o próprio Citi, reservaram para si polpudas recompensas. O bônus é o escândalo da dominação e da hegemonia financeira. Logo, um fato como esse, revela, como uma fenda geológica num terremoto, a visão da desigualdade social. E na hora presente, o tratamento político e econômico débil, por parte do Estado, na preservação dos interesses coletivos. E aparece como evidente – absolutamente evidente para a população – que os financistas mandam e o governo obedece contrafeito por falta de força e age com inquietante hesitação. Logo, a conseqüência emerge: os eleitores votam pelos republicanos, contra Obama.

b) O equívoco do lance estratégico

A direita tem mais um outro grupo, os fiéis da guerra, os seguidores da seita Cheney, que fustigam fortemente a política externa americana. São cães que ladram no limite da ferocidade. Batalham em defesa da “América” em perigo. O discurso segue sempre na mesma direção: precisa-se de mais militares no Iraque, Obama disse e diz que não. Tentou uma manobra: deslocar o eixo da guerra para o Afeganistão. Ampliou o espaço para a fala guerreira. Pois não dá para sair do Iraque porque senão ele desmancha. E acabou por se envolver no Afeganistão. Ganhou o prêmio da Paz, por declarações de princípios não confirmadas. E está perdendo a batalha da guerra por equívoco de concessão aos militaristas na sua estratégia política. E os atentados dos Talibans põem fogo nas esperanças dos pacifistas. Enquanto isso, a direita americana, rejubilando-se, tenta empurrar o rastilho para o Irã. Só que o Irã está escapando, acabou de fazer um acordo concreto para uma rede de gás e petróleo, que envolve o Turbequistão, a China, a Rússia e o próprio Irã. Ou seja, os americanos não conseguiram isolar este país e tiveram como resposta política um eixo econômico que garante a Ahmadinejad um trunfo de resistência muito forte. Claro, a direita fustiga Obama. E o centro, e a esquerda e os pacifistas clamam contra as tortuosidades do presidente. Resultado: as urnas votam contra.

I LOVE THIS GUY

Claro, Obama tem uma estratégia semelhante ao Lula. Está cercado e vai tentar sair do terreno minado. Sair pelo popular. Tem mais dois anos para ganhar a esperança da reeleição. Até agora está faltando para ele algo como uma bolsa família e seus derivados. Começou com o Healthcare, mas o resultado é ainda indeciso, talvez nebuloso. Não conseguiu emplacar o alvo maior que era o seguro do Estado. Não conseguiu a cobertura universal, é verdade, mas ao menos botou 36 milhões de novos segurados, via recursos do Estado no jogo. Só que este dinheiro vai entrar nos cofres do setor privado. Mas a proposta ainda não é vencedora, tem que passar no Senado. E com a derrota de Massachusetts o projeto treme e Obama vai ter negociar para ganhar. Se perder, sua reputação vai se derreter vivamente.

Já na reforma financeira a coisa tá preta, tem uma montanha de lobbies das finanças jogando no ataque. E agora a adversidade aumentou, há uma fúria dos banqueiros e financistas na questão das taxas sobre os cinquenta maiores bancos. Aqui nesta arena a impulsão contra Obama é devastadora. Suas cartas não têm a natureza do curto prazo, são aquelas que atingem o curso longo: energia, meio ambiente, mudança da estrutura produtiva com ampliações da área tecnológica de comunicações e informações, reformulação no médio prazo do setor financeiro, etc. Bem, para cumprir a rota e pousar neste aeroporto, de fato, tem que fazer uma estratégia à la Lula: tentar ganhar a população no primeiro mandato para alcançar, no segundo, a intensidade suficiente, com o fim de produzir as mudanças que levariam aos seus objetivos. O problema é que, para atrapalhar o cenário, o prestígio americano está declinando tanto na economia como na política. E isso serve à direita e ao voto contra Obama para fabricar a tentativa de cortar o segundo período presidencial.

Assim, o ano de largada do novo mandatário foi um prolongado e progressivo desgaste do eleito, uma erosão do seu governo. Mas na política democrática o que importa não é o hoje, é o balanço que o povo faz na próxima eleição. O peso do pró e do contra, ou seja, da avaliação concreta das múltiplas medidas e das múltiplas atitudes, da materialização da estratégia proposta e da imagem que o presidente vai conseguir construir. De qualquer maneira, o sentimento que se tem do primeiro ano é o que se nota: Obama tem jogo, mas está cercado. Como nos antigos filmes de faroeste, a caravana está envolvida pelos índios. Só que nestes anos do século XXI, a Cavalaria que vem é contra e está do lado dos índios.

Quem poderá intervir a favor de Obama? Haverá um deus ex-machina, um super-herói, que salvará o segundo mandato? A estratégia à la Lula de furar o muro terá sucesso? É fatal: Obama tem dois, dois anos e meio, para abrir o cerco das finanças e dos homens da guerra.

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