quinta-feira, novembro 19, 2009

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
Coluna das quintas
19 de novembro de 2009

QUEM VIU OBAMA POR AÍ?
Por Enéas de Souza

Qual é a sua importância?

Obama vive uma espécie de inferno de início de governo. Sua eleição veio para transformar a política e a economia dos Estados Unidos. Por conseqüência a economia do mundo. Nosso personagem tem idéias claras e de longo prazo, mas os homens não têm a boa vontade que as pessoas esperam deles. Gente complicada. E principalmente se vivem numa sociedade do lucro, do vencedor, da competição. E se tornam piores quando estoura uma crise. Mas, Obama não pode esperar que eles colaborem, tem que derrotá-los no jogo político. Obama é um homem de tino. Aqueles que acreditam nele e nas forças que o apóiam, sabem que ele está cercado de bandidos por toda parte. Nesse jogo não tem mocinhos, nem mesmo Obama. A única diferença é que ele se apresentou e se perfilou pelo lado da humanidade. Então, qual é a sua grande importância, desde logo? Ah! algo precioso. Sepultou a administração e a era Bush, que como dizia um colega meu de mestrado, são “coisas como essas (que) nunca deveriam ter acontecido”.

Os iraquianos que o digam

Mas, aconteceu. E sua trajetória foi conseqüência do triunfo americano na guerra fria. Os titulares da direita já apregoavam há muito tempo a aspiração por um grande projeto militar. Mandamos nós, que os outros tem que obedecer. Conseqüência: podemos intervir em qualquer lugar do mundo. O neoliberalismo de guerra. Todo travestido de liberdade de mercado, de liberalismo e de democracia, uma ideologia que só favoreceu aos ricos e aos predadores. Os iraquianos que o digam. Inclusive não se esqueça, querido leitor, que faz parte da resposta destes, o sapato que aquele jornalista árabe mandou para cima do Bush. Gesto que virou joguinho de esquerdistas, de cínicos e de gozadores. Pois, aí é que entra Obama, este americano “cool”, este americano tranqüilo, com o famoso slogan “Yes, we can”. Transformou a face midiática da presidência americana, mudou a cor da América, procurou nos dar uma imagem outra do cotidiano dos Estados Unidos, ao menos nos primeiros meses. Os verdadeiros liberais exultaram; já os neo (neoliberais e neo-conservadores) estão querendo, desde logo, barrar tudo que é novo e moderno e transformador na terra de Marlboro. Mas olha o resultado até agora: Obama, sim, mudou algo, mas não transformou, infelizmente, nem a política, nem a economia, nem a guerra.

E porque razão?

A herança corrosiva de Bush e Dick Cheney

1 – Quando um presidente entra em campo - embora a campanha já prepare a largada do seu mandato - encontra a fortaleza vai ser sua, já inteiramente cercada, abafada pelos habitantes da véspera e afivelada pelos mandantes de sempre. Os republicanos caíram porque Bush fez uma guerra absurda. Cada vez menos popular com o Iraque, notando-se que a performance de seu governo na área econômica foi desastrosa. Duas bolhas. E sobretudo a segundo, aquela do seu último mandato, quando o sub-prime desabou sobre sua cabeça. Seus auxiliares, mais incompetentes impossível, como por exemplo, o secretário do Tesouro, Paulson. O coitado não tinha a mínima idéia do que era uma crise. E muito menos do que era uma crise financeira. Quis ser esperto e deixou quebrar o Lehman Brothers, a concorrente de sua instituição financeira de origem, o Goldman Sachs. Provocou com essa atitude um brutal risco sistêmico. Ele não tinha a menor consciência do que estava fazendo com o primeiro bailout que em seguida preparou. E, óbvio, não tinha respeito pelo Congresso Americano, que ele enxergava como organizado pelo lobby de sua entidade e do sistema financeiro. Bush realmente foi um desastre. Mas, a pergunta é: como enganou por tanto tempo a nação americana? Como enganou – claro que menos – o mundo ocidental? Uma das respostas, pois talvez existam várias, é que Bush foi eleito porque o capitalismo americano precisava de um tipo desta ordem. De um lado, permitir que as finanças chegassem ao seu limite, soltando Alain Greenspan, o mago, e o doce Bem Bernanke, para propiciarem que elas fossem além do seu limite. Logo, que explodissem. De outro lado, deixar que o seu homem das sombras, Dick Cheney, esta mistura de Iago, Ricardo III e Macbeth da política americana, fosse a presença das trevas na destruição e na reconstrução do Iraque. Sim, Dick Cheney e Bush protagonizaram a frase de Braudel, o capitalismo é o sistema de grandes lucros e grandes predadores. Cheney foi a máscara sutil do iceberg que navegava no interior do Estado americano e que tinha como objetivo permanente a guerra. Que dupla! Obama veio para mudar esta imagem da aventura americana!

2 – Obama veio contra isso. Mas, atenção! A indústria bélica era um dos líderes do processo de acumulação de capital nos Estados Unidos. Uniu a direita, o fundamentalismo cristão, os militares e os imigrantes em busca do “green-card”. Michael Moore mostrou bem esta derradeira faceta. E o resultado, foi, de cara, em resposta ao terrorismo do 11 de setembro, uma campanha forte no Afeganistão – arrasado pela segunda vez, já que a guerra civil tinha sido a primeira. Logo depois, um dos verdadeiros alvos do governo bushista, uma ação mais forte ainda, derrubou o Iraque. Terrorismo e petróleo. Embora, o páreo oculto, ainda que inatingível, fosse o Irã. A direita, navegando seu liberalismo, mercado e democracia, ficou com a debacle americana. E o que fez Obama, quando foi eleito presidente? Diante do lobby militar moveu o peão, uma pequena peça do jogo. Passou do Iraque para o Afeganistão. Mais lógico e mais veraz para os americanos e para o mundo: caçar os terroristas. E nesse lance, ao mesmo tempo, busca contentar minimamente os militares e a indústria bélica. Qual foi a reação? Ah! quer dar o dedo? É pouco, queremos o braço! Queremos mais 40 mil homens no Afeganistão!

3 – Claro, a estratégia de Obama, no geral, está certa. Em tempos de crise e de derrota militar no Iraque, vamos para paz. Em momentos de agonia e de crise, a carta anti-bélica pode funcionar como coringa. Foi o que Obama jogou. Belo aratifício. Só que para quem está cercado, não é possível escolher muito. Saiu do Iraque, acossa o Irá, mas joga bombas no Afeganistão. Meia solução numa uma jogada de realismo. Porque ali na primeira trincheira da White House está a indústria bélica e os próprios militares, querendo melhor aparelhagem, melhores armas, melhores engenhos, maior expansão industrial. A famosa frase que a gente aprendia nas aulas de latim “Si vis pacem para bellum” continua imperando. Faz o reforço americano do seu potencial enquanto negaceia pela coisa pacífica. Obama, com seu charme e seu carisma, anda na corda que treme. Guerra e Paz. Todos pergutam: Vai ganhar? Mas não se diga que a idéia da paz em Obama é falsa. Tem trabalhado para isso inclusive com a Rússia, só que a burocracia militar é muito forte, os Estados Unidos tem se envolvido em muitas guerras, ou como disse Bush, os americanos são um povo guerreiro. De qualquer modo, é uma das contradições mais fortes que envolvem o governo Obama: ele joga pela paz e o stablishment - inclusive militar - joga pela guerra. Tudo em nome da segurança.

O lento jogo da mudança

1 – O que a meu ver Obama tem é uma estratégia geral. Sim, veio para mudar. Mas, a sua base de apoio não tem poder real suficiente. Porque politicamente, as finanças, os que mandam, não são a seu favor, não o apoiaram, embora a população queira uma mudança séria e profunda na vida e no sistema financeiro. Contra este, querem regulação, nova arquitetura do setor, limite dos bônus e nova função do sistema. Contudo, como já escrevemos várias vezes, aqui Obama também está cercado, enosado num fio de linha apertado e preocupante. Basta olhar sua proposta de reforma financeira. Ela regula insuficientemente. É um suave pé na escada para não fazer a madeira estalar. E o que temos: um Congresso dividido e animado por lobbies das instituições financeiras. A reforma talvez não saia ou saia pior que o desejo de governante. E no interior do Estado, no poder, o que é que a gente enxerga? Temos o FED, o Tesouro e o Nacional Council Adviser, tudo com infiltrados como diria Martin Scorcese. Ou seja, vai ser uma longa e desanimadora luta por muito tempo. Talvez uma nova crise financeira ou o aumento progressivo do desemprego, que alguns analistas chegam a pensar que pode ir acima de 11%, possam criar uma crise social profunda como foi a depressão dos anos 30. E aí sim, lançar a oportunidade esperada. Obama só pode contar com a paciência. Há que esperar. Esta crise ou algum passo em falso dos seus adversários. Por isso, seus primeiros e apaixonados adeptos, os sonhadores românticos, já desesperados, perguntam: Até quando, Catilina?

2 – Queremos, ampliando, dizer que na economia Obama precisa controlar as finanças. E claro, até agora, as coisas dependem do Congresso e, portanto, nada. Os lobbies estão vencendo. E ao mesmo tempo, Obama precisa recuperar o investimento para aumentar inclusive o emprego (mas com uma indústria como a automobilística isso está longe de acontecer, pelo menos no momento). A metamorfose principal, a passagem para o apoio consistente e renovado às novas tecnologias de comunicação e informação, ao desenvolvimento de novas energias, as ações mais precisas sobre o ambiente, essas ações esbarram no tamanho imenso da dívida fiscal do Estado. Obama terá que contar aqui também com a paciência, antes que faça uma transformação e comece a agir. Por esse lado, são os desempregados que clamam: Oh, até quando?....

3 – Está se vendo: na economia o jogo é muito complicado. Há que retomar as indústrias nos Estados Unidos, recambiar setores que estavam no estrangeiro, retomar a expansão globalizada a partir do país, organizar uma nova relação com a China, etc. Mas, tudo isso está emprerrado. O setor financeiro apenas especulando no exterior e nenhuma reorganização do sistema, nenhuma nova função do crédito. A produção americana continua dependendo muito das importações e o país ainda não aumentou suficientemente o seu nível das exportações. Os déficits continuam. Como reorganizar a relação com a China? A China, é quase óbvio, não pode ser a nova locomotiva do mundo, é um terço da economia americana. Mas, por outro lado, há que negociar uma boa relação com ela (é o que Obama está fazendo na atual viagem), pois os chineses embora não queiram brigar com os americanos, não estão dispostos a serem enganados, sobretudo na questão monetária E os americanos não querem nada: querem desvalorizar o dólar e querem que o yuan se valorize. Os chineses riem – até gargalham - quando Geithner fala de que aos Estados Unidos interessa o dólar forte. Mas, a questão monetária é também uma questão que China não resolveu. Não tem estrutura para produzir uma moeda que seja mundial. E joga lentamente: vai organizando e aglutinando em torno de si os países asiáticos e parte da África e até uma beirada do América Latina. Mas, o impasse continua, o dólar prossegue perdendo para o ouro, para as commodities, para o euro e para outras tantas moedas. Mas, não adianta, não existe moeda que substitua o dólar. Não há Estado para garantir tal coisa. Isso significa que os retrocessos e as instabilidades da economia financeira e produtiva americana afetam a moeda e esta articulação com o mundo, a começar pelo elo fundamental com a China. Aqui, como em toda parte do seu reino, Obama também vai ter que ter paciência. E o pior, a paciência é chinesa. Logo, se esse é o horizonte de longo prazo, no curto, terá que esperar que a combinação americana do self made man e do pragmatismo resolvam este polo da equação. Mas, não basta nem querer, nem esperar. Pessoa já ensinou: “Navegar, é preciso...” A esperança é que Obama já esteja com as velas acesas no mar do “Indefinido”. (Vai aqui também Pessoa, de novo! "Ode Marítima", Álvaro Campos.)

Da roleta onde nascem os estadistas

1 – Que ninguém se engane, Obama tem uma estratégia política global. Pode até não dar certo. E já vimos os obstáculos. Seu norte estratégico é visível: manter os Estados Unidos como país líder. E nessa continuidade de potência planetária, recuperar o poder moral, jogando o jogo caristmático da paz. Seu objetivo é da restauração e do aumento do poder americano global, Faz parte de seu cardápio reformular a economia capitalista, aumentar o poder midiático, e conduzir o mundo para uma leve tensão estratégica com a China, ainda com hegemonia americana. Há um ganho em toda esta estratégia pacífica. Achar tempo para reformar as finanças; achar tempo para retomar a esfera produtiva em termos de tecnologia e de pontos fundamentais de infra-estrutura; achar tempo para redefinir o Oriente Médio; achar tempo para fazer um pacto político interno nos Estados Unidos, etc. O problema que Obama enfrenta é como ele vai conseguir ligar o longo prazo, onde tem um projeto claro, com o curto, onde a ligação com o porvir está difícil, porque a sua conjuntura é uma conjuntura de passagem, uma transição complexa, para uma outra estrutura nacional e internacional. Ele manobra, manobra, mas continua com uma posição oscilante, o mar está cavalgando em meio de temporais. Obama atua em terreno escorregadio, movediço, e enfrenta como estamos vendo atropelos em quase todas as áreas. E, sobretudo, as internas, porque o setor financeiro não quer mudar nem a sua estrutura nem a arquitetura do sistema; porque o setor de tecnologia velha continua pensando em termos de um mundo do século XX; porque o setor bélico está sempre preocupado com a expansão militar, porque o setor de tecnologias modernas depende de muito apoio do Estado e do êxito de sua nova estratégia. E pior de tudo para Obama: as políticas sociais têm avançado muito pouco, estão até desfiando-se. Veja-se a batalha sangrenta do health-care. A idéia que passa tem que ver com a imagem de uma erosão na base popular de apoio ao presidente. Passado um ano, continua sem alcançar uma coesão entre o curto e o longo prazo de sua política global. Por enquanto angariou apenas retalhos. A pressão dos conservadores com seu poder político e de riqueza é enorme. Verdade, o seu nome é aplaudido no exterior, mas o saldo de suas ações é ainda muito pequeno e reduzido. Terá gás e sonho e artifícios e flores políticas para engatar num abraço o presente e o futuro?

2 – Não se pode esquecer que na política moderna, na política pós queda da União Soviética, na época da política neoliberal, as oposições quando ganham tem muita dificuldade de propor políticas progressistas. Os grupos de poder e as associações de classe continuam a dominar a opinião, porque a indústria midiática - a indústria de idéias, valores e imagens - está do seu lado, e gera o ambiente comunicacional, informativo e de opinião, onde joga o governo. Tudo isso mostra que Obama tem que trabalhar duro, com habilidade e em segredo e por muito tempo. Para termos uma noção comparemos com Lula. Este, só no segundo mandato é que conseguiu reverter alguma coisa. E só com a crise, que o beneficiou, pode passar para a ofensiva, o que não quer dizer que tenha triunfado irreversivelmente. Nas raízes do império, as coisas são muito mais complicadas ainda. Tem muito chão para que Obama possa transformar o sistema financeiro, o sistema produtivo, a posição dos trabalhadores, a política externa, etc., em abelhas criativas. Por enquanto são abelhas desesperadas, que se fustigadas atacam. A chamada América é uma colméia exposta à insolação do deserto. O interessante é perguntar se Obama tem a fleuma e a astúcia e a sorte dos jogadores de pôquer dos filmes americanos? Porque se não tiver...

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