quinta-feira, junho 25, 2009

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
Coluna das quintas
25 de junho de 2009

O QUE FAZ UM
ESTADO FINANCEIRO?
Por Enéas de Souza


Estamos numa encruzilhada. O carro da economia chegou num ponto onde pode seguir a estrada para a ascensão ou entrar na rota da ladeira abaixo. Por quê? Existe uma política econômica – talvez, seria melhor dizer uma política de Estado – que está tentando, com alguma coerência, propor uma saída para a economia americana. Vejamos seus passos.

O começo está no fundamental

Primeiro passo – fazer uma intervenção forte do Estado no campo da economia. Seu objetivo foi evitar o risco sistêmico e proporcionar às instituições financeiras e produtivas condições de recuperação. Dizendo noutra linguagem: dado que a economia chegou a um impasse, sua solução é só uma: concentração e centralização de capital. Pois o Estado americano está proporcionando esta concentração e esta centralização. Ao mesmo tempo em que também tenta amparar empresas pouco competitivas no mercado mundial, como a GM, para a reformulação de sua estratégia nacional e internacional, demitindo presidente, exigindo mudança de projetos, etc. A importância da intervenção do Estado passa pela possibilidade de tornar-se, momentaneamente, uma cabeça financeira – papel fundamental do Estado financeiro – e gerir as estruturas em falência do atual estágio. Gerir para salvar. Gerir para manter a árvore crescendo. Gerir para salvar a produção e manter parte do emprego. Claro, a solução principal buscada não é o emprego, a solução principal é a recuperação do capital.

OBAMA é um CEO?

Segundo passo – O Estado é uma cabeça financeira, mas é uma cabeça política, e uma cabeça política com visão privada. E isto quer dizer que, como diz o Laurence “Hot” Summers, a primeira preocupação do presidente da República – Obama para os íntimos públicos – é a manutenção dos princípios de mercado. Portanto, o Estado financeiro é uma cabeça financeira que tem vários sócios, e estes sócios, Obama diria “gentlements”, são sócios políticos da dominação do mercado sobre o Estado. O presidente é uma espécie de CEO (Chef Executive Office, geralmente equivalente a presidente) ao menos na área econômica, que define política, administrativa e burocraticamente a forma de buscar a manutenção e a continuação da estrutura do capitalismo. Portanto, fica claro, que a última instância do sistema não é o banco central, mas sim o Estado. E não apenas financeiramente, mas politicamente. Porque, politicamente, ele decide que a política pública vai defender, financeiramente, com fundos públicos, o que um comentarista vulgar disse: a “solidez e a estabilidade” do capitalismo americano. Ou será que é o capital que, dominando o Estado, decide salvar-se a si próprio, via recursos da sociedade?

As chaves do Paraíso

Terceiro – A garantia do Estado faz com que a sua intervenção use tanto a política monetário-financeira quanto a política fiscal para garantir a sobrevivência sistêmica do mercado. Daí a dupla face da política: intervenção (bailouts, participações, linhas de liquidez, etc.) e administração privada (ou seja, o governo não passa a indicar o board de diretores, etc. O que ele faz, no máximo é vetar os planos de recuperações ou diretores consagradamente incompetentes para a fase atual, etc.). Ou seja, o Governo tem a participação, assim como os shareholders (acionistas), apenas nas considerações políticas, mas a administração continua privada ou, praticamente, a mesma. O que significa: a consagração máxima do modelo da Governança Corporativa. Isto quer dizer que o Governo toma a posição dos proprietários do capital, mas conserva a contradição do sistema, com a permanência dos administradores correntes, ou seja, mantém o capital em funções. Isto quer dizer que garante o sistema da governança corporativa tanto na sua forma quanto no nível do conteúdo.
(Porque será que os economistas não conseguem entender que a resposta da China tem que ser mais rápida que a americana, uma vez que a China é um capitalismo de Estado e os Estados Unidos não, é um sistema privado que usa o Estado quando possível?)

A máscara do Estado como
acionista das empresas privadas

Quarto – A diferença do Estado como acionista e o acionista normal é que a intervenção do primeiro vem por ter assumido a posição do capital em geral, e que, portanto, depois de restabelecida a posição de competitividade dos capitais, ele devolverá aos investidores, as frações do capital, a recuperação alcançada. Embora possa fazer esta operação com lucros, o Estado procura, e este é o projeto do capital financeiro, na sua fortaleza, deixar o cenário econômico para apenas sustentar o sistema em bom funcionamento, cuidando para que a sociedade mantenha o seu apoio e as suas convicções em favor do sistema de mercado. E, de outro lado, no caso dos Estados Unidos, que ele continue o seu processo de liderança, que no momento, é uma das preocupações fundamentais de Obama, ou seja, na verdade, a correção de seu rumo perdido pelo inolvidável George Bush, filho. Enfim, temos aí um resumo do Estado financeiro americano. Sustentador de estratégias econômicas e políticas com recursos da população; funcionando politicamente como emprestador, em última instância, do sistema financeiro em risco sistêmico; e reorganizador, no caso dos Estados Unidos, das ordens econômica e política mundiais, sempre instáveis por natureza da hegemonia do capital financeiro.

E o Estado tem bala?

Há dois problemas que é preciso considerar no momento. Primeiro, o repique da crise. Segundo, a capacidade do Estado de sustentar financeiramente a reformulação do sistema de mercado.

a) O repique da crise

Começa-se a desconfiar, algo que já apontamos outras vezes, mas não com esse desdobramento, de que existe uma série de ativos que estão embutidos no sistema, e podem estourar. Trata-se da securitização de cartões de créditos, empréstimos estudantis, e empréstimos para a construção civil para imóveis não-residenciais. O FED tem contribuído para dar liquidez ao sistema financeiro, visando – olho preciso, tentando ser cirúrgico – a eliminação dos ativos tóxicos originados dos CDOs, das RMBAs, etc. Ensaia dar, obviamente, tempo para que as instituições do setor possam aumentar capital, sanear papéis do balanço, alcançar lucros em novas operações, etc. Mas, a bomba da segunda geração da crise ainda não foi desativada. E isto sem esquecer o CDS, cujos efeitos destrutivos ninguém sabe bem quais serão. E ainda há perigos com as instituições do tipo fundos de pensões e hedge funds. Ou seja, o que queremos dizer e perguntar é o seguinte: pode haver um repique da crise? Esperemos que não. Mas, se isto ocorrer, a crise não será em W, mas, como diz uma amiga, talvez seja em M, ou seja, a última perna descendente nos levará a uma crise mais vasta que a depressão dos anos 30. Assim, a verdade seria que o cassino financeiro teria se tornado um vulcão econômico. Por isso, a questão que se impõe: vai haver um repique da crise? No caso afirmativo, a recidiva seria desastrosa para os Estados Unidos e para todo o mundo. A visão, então, é catastrofista? Não, a pergunta é que é realista.

b) A sustentação financeira do sistema de mercado

Examinando o segundo problema. Obviamente, que o panorama e o potencial de gasto do Estado, na amplitude da sua capacidade de financiar-se, seja por dívida pública, seja por emissões, causa desacertos e inquietações. Todavia, de qualquer modo, há um limite no processo. Porque, embora o próprio governo deseja uma certa inflação, a deterioração das contas americanas pode chegar a um ponto de ameaçar a integridade da moeda americana. Hoje mesmo, a preocupação do mundo é quase frontal, o dólar oscila, cambaleia, às vezes fica sóbrio, mas volta a cair e etc. Ou seja, o dólar está sempre na eminência de uma ameaça possível de desvalorização.

A reunião dos BRICs, sobretudo a China, tem mostrado uma sombria preocupação quanto à política monetária americana e o dólar. A própria idéia de swaps de divisas, no comércio dual entre vários países, vem do fato de que o dólar e as políticas americanas não inspiram total confiança nos seus parceiros mundiais. E que eles tem dúvida da função do dólar como reserva de valor internacional. O que significa dizer que os países não querem pagar a conta da crise americana. Principalmente a China, que acumulou um saldo de mais de 2 trilhões de dólares. Mas, uma coisa é clara: não há moeda substituta do dólar à vista. O euro só foi moeda stand by em momentos especulativos, seja quando a economia está bem ou quando a economia mundial começou a entrar em crise. O yen desapareceu como moeda pela anulação do Japão como pólo organizador da economia asiática, assim como o yuan por ser uma moeda controlada pelo Estado Chinês, que não tem nenhuma viabilidade de padrão monetário internacional, mesmo que a economia chinesa cresça. Portanto, uma desvalorização crescente da moeda americana pode levar a um caminho complexo e complicado. Os países, definitivamente, não querem pagar a conta dos Estados Unidos e não há outra moeda para tomar o lugar do dólar.

Sinta então leitor, se a crise der uma recidiva, os gastos do governo aumentarão em muito, e as possibilidades de uma desvalorização do dólar serão fatais. De qualquer forma, colocamos estas duas questões, porque a solução da crise ainda está andando sobre uma lâmina. Há um grau enorme de indefinição e de incerteza, ou seja, ninguém sabe o que vai acontecer. O que serve para desmascarar a ridícula idéia de que a crise já passou e que o pior ficou para trás. Até pode ser, mas o horizonte da estrada aponta um futuro que ninguém sabe para que lado a economia vai. É preciso ter calma e aguardar novos sinais e novas atuações das forças econômicas e uma sucessão de gestos do governo, para que se possa ter, se não uma certeza, ao menos uma intuição para onde vamos. Por enquanto, temos que fazer como o poeta Thiago de Mello, que em outros tempos, nos tempos da ditadura brasileira, dizia: “É noite, mas eu canto”.


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