quarta-feira, julho 20, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
21 de julho de 2011
Coluna das quintas

OS TAMBORES DA ESPECULAÇÃO
E DA POLÍTICA AMERICANA
Por Enéas de Souza

O leitor atento tem muitas coisas para pensar e debater. Há, de um lado, a crise americana com a sua crise fiscal – o Congresso disputando um limite, um teto, para a dívida pública; há, de outro, a avalanche européia que vai derrubando a Grécia, Portugal e Irlanda e se avizinha como um anjo negro da Espanha e da Itália; há as relações perigosas da imprensa com o Estado na questão inglesa de Murdoch – o homem que sabia de menos – para contrastar com Hitchcock, o homem que sabia de mais. Temos um clima de incerteza no mundo, uma crise no compasso do estouro e outra, vindo logo ali atrás, e o Ocidente parecendo um bordel, onde todos os frequentadores estão brigando, estão se digladiando, com adversidades pelo caminho. Temos bandidagem, temos vigarice, temos chantagem, temos mortes, temos desesperança, temos desespero. Enfim, o avesso do dinheiro, da política e dos negócios. Se a gente toma a posição de um analista que vê as coisas como comédia e como tragédia, a gente sente que vamos ter muita confusão. Em todo caso, já dá para ver também que se pode chegar a um trabalho de observação agudo sobre o capitalismo, sobre as relações do Estado com a sociedade, sobre o conflito financeiro/produtivo, sobre as forças da política e da economia. Mas não se pode esconder que o Ocidente está muito bagunçado. Como o espaço é pequeno para tanta questão, vamos nos contentar em desenvolver uma rápida análise sobre o caso americano. A razão é simples. Já comentamos na semana passada a Europa e hoje vamos entrar no caminho americano, pois os Estados Unidos são a maior potência do planeta. E mesmo que a geopolítica esteja em transição da unilateralidade americana para uma bipolaridade com a China, o que parece interessante é que as vastas lutas no interior da sociedade americana, tanto políticas como econômicas, terão um papel decisivo na transição do capitalismo. Vejamos os conflitos que vive a “soi disant” América, para observar que, como na Europa, há ali também um barril de pólvora.



O DESENCONTRO DAS FINANÇAS E DOS CONSERVADORES



1) A crise americana, depois do tropeço de 2007/08, se encaminha para uma nova fase. Duas coisas avultam: uma nova crise especulativa e a questão do teto da dívida americana em discussão no Congresso nacional. A crise especulativa, depois de muitas assistências que o Estado deu às finanças, desde salvamentos a ajudas de liquidez, passa, agora, para um novo patamar, devido a um novo rastilho especulativo, onde sobressaltam os fundos mútuos. Ou seja, vamos para mais uma ameaça de queda do mercado financeiro. E isso vem evidenciar que o problema de 2007/8 não foi resolvido. O elemento radical para a solução da baderna dos mercados de títulos privados e públicos era e é a regulamentação do sistema financeiro. O que obviamente não aconteceu naquela ocasião, uma vez que as finanças conseguiram bloquear no parlamento qualquer tentativa de votação de uma lei que regulamentasse o setor.



2) Não escapa a ninguém que as finanças têm um poder de lobby absurdo, fulminante, devastador e podem arquitetar um muro, com a finalidade expressa de impedir qualquer proposta congressual. E podem brandir, no momento decisivo da hora crítica, a cruz do risco sistêmico. Vai vir tudo abaixo. E, então, o presidente de plantão, como foram Bush e Obama, tira da cartola, não um coelho, mas mais um plano de salvação. O leitor acertou: um plano de salvação com dinheiro público. E esses planos, de um modo geral, atendem bastante aos bancos, muito pouco aos empresários produtivos e praticamente nada aos trabalhadores.



3) Os banqueiros na Fórmula Um do dinheiro se acostumaram a ter o Estado, como um super-herói, ao seu lado. Mas, também, como se ele fosse um bombeiro disciplinado para apagar o incêndio das especulações que as finanças atiçam. No processo político-econômico, os financistas detém um tal poder no Legislativo que freiam qualquer dose de regras fortes ao setor. E, ao mesmo tempo, como um guri, como um moleque bagunceiro, sabe que, de um modo geral, o Executivo está pronto para entrar em campo e retira-lo das maldades dos excessos praticados. Essas ficam com a população e com o Estado. Assim, a tática das finanças com o Executivo e com o Legislativo é jogar perigosamente, mas nunca chegar a fechar as portas do bar – já que, com o contribuinte, elas acham que ele só tem que comprar os seus títulos, podres ou não. O resto é silêncio.



4) As finanças são conservadoras. Só que tem gente que é mais conservadora ainda, chegando ao campo da ultra-direita no Congresso, estando entre eles aqueles que simpatizam ou estão diretamente ligados ao “Tea Party”. Para esses conservadores, o tema preferencial tem outra cor – a de um vermelho sangue intenso – pois muitos republicanos querem a jugular do governo. O problema aqui é eleitoral e ideológico. Os conservadores querem derrubar Obama. E, então, toda a estratégia, sobretudo depois da vitória eleitoral no Legislativo do meio do mandato, é pôr água no chope, aumentar a radicalização contra o governo democrata. E depois da aprovação do programa de Saúde, a ação se fortaleceu e se cristalizou. Amarrar o governante e a burocracia, jogar em cima de um teto para o endividamento federal. Ou seja, buscar um controle maior do Estado sobre os gastos, sobre o déficit e sobre a dívida, sobre a assistência social e impedir aumento de impostos. E o jogo tem uma data fatal: 2 de agosto.



5) Se a insanidade vier à tona, o Congresso vai impor para o governo de Obama uma limitação na progressão da dívida dos Estados Unidos. Ora, essa medida levaria a um “default” americano, que certamente repercutiria devastadoramente sobre o dólar, o que anularia essa moeda como reserva de valor e afetaria todas as posições de países credores do Tesouro americano, como a China, Grã-Bretanha, Japão, países produtores de petróleo, Brasil, etc. O resultado seria a catástrofe.



6) Assim, embora sejam aliados contra o governo Obama, as finanças e os conservadores têm posturas distintas. Os financistas ambicionam manter o controle da política econômica. E, portanto, não distantes dos recursos e do endividamento público para que obtenham a salvação, caso necessitem dela. Os financistas trabalham no horizonte financeiro. E os conservadores querem retornar ao poder. Logo, seu panorama tem a ver com a política. Estão dispostos a fustigar ao máximo o governo Obama, paralisando-o, engessando-o, limitando seus raios de manobra, sua capacidade de receita e de gasto, etc. Querem que o governo fracasse.



7) O que se espera é que eles, os conservadores, não cheguem a afrontar a razão, criando um impedimento para que os Estados Unidos não refinanciem as suas dívidas e que possam se endividar tranquilamente em função de sua estratégia. Que não se pense no “default” como objetivo derradeiro. Pois como já vimos, caso ocorresse, isso seria o caos americano e mundial. Trata-se de uma demência. Assim, se os conservadores forem ao limite do inferno, o fogo fará do mundo um campo minado em explosão, cujas conseqüências são imprevisíveis. Afasta de mim esse cálice, pensaria Milton Nascimento. Portanto, que isso fique no limite do jogo político congressual e inter-partidário.



8) Agora, uma coisa é clara: enquanto as finanças não forem controladas, não haverá solução nem para a economia financeira, nem para a economia produtiva, nem para os avanços tecnológicos, nem para a liderança do Estado. O aprendizado geralmente vem dos erros – e de muitos erros. Só assim que os humanos e o capital e os governos começam a encontrar, com um faro que termina por aparecer, o caminho do longo prazo, saindo das disputas miúdas e destrutivas do curto prazo.



O ENLACE COM A EUROPA



Certamente, a configuração da crise dos Estados Unidos se articula com a configuração da crise européia, que analisamos semana passada neste espaço. O compasso da crise avança semana a semana, dia a dia, e o eixo que envolve Estados Unidos – Inglaterra – Comunidade Européia está inflamado em vários níveis. O que se põe em pauta aqui é uma figura desse eixo, as entranhas de um país fundamental. A especulação e o teto da dívida estão fervendo e as apostas dos personagens nessas duas cenas se conectam, se desarticulam e se concentram nos Estados Unidos e se espraiam para o resto do mundo. Aqui como na Europa, os tambores estão rufando, o que não quer dizer que China, Brasil, Rússia, África do Sul, Coréia e o resto do mundo não estejam atentos. Mas todos têm poder e não têm, porque a intriga da realidade é maior que as nações e os capitais. Cabe analisar o que dá, mas sabe-se que o jogo é feito entre a razão e a desrazão. Mostramos aqui nesse jogo americano, alguns pontos de sandice. Por isso cabe a pergunta: será que a razão será capaz de vencer a insanidade? Ou os homens e os países continuam os mesmos?

Um comentário:

Anônimo disse...

Com certeza, em tempos em que o egoismo, digo, capitalismo gera diferenças enormes e dificulta a regulamentação em seu próprio sistema, terá a seu favor, o insano audacioso, ranhuras para que as finanças entrem no jogo e mantenham-se no poder, aumentando o medo e a tensão sobre a crise.