quinta-feira, julho 15, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
15 de julho de 2010
COLUNA DAS QUINTAS

FORA ESTADO!
Por Enéas de Souza


O mundo parece parado. Sensação de que tudo já passou, embora não se saiba qual é o barco que vai conduzir a economia capitalista. E há no pedaço uma presença forte, até certo ponto silenciosa, quase um sussurro, dos chineses. O fato do Estado ali fazer a diferença, impede que a imprensa ocidental neoliberal venha e faça o seu berreiro de sempre. O capital depende do Estado, mas não é bom proclamar com tuba sonora. Fala baixo, porque senão os outros países se lançam nesta empreitada e nós, os americanos, vamos ter muito que fazer para desdobrar este caso. Mesmo, porque, se eles chamam Obama de “marxista”, “socialista”, “comunista”, como é que eles chamariam os netos de Mao Tse-Tsung – mesmo que estes sejam capitalistas? Afora, essas realidades, como é que a gente vê o rio da conjuntura?

PONTO NÚMERO UM: O REI NÃO É O CONSUMIDOR

1) A economia está parada porque os capitais estão em guerra contra o Estado. Claro, este, nos Estados Unidos, já fez o serviço sujo imprescindível: efetuou dois planos de salvação para as finanças e várias linhas de crédito (mais de 2 trilhões de dólares), deu algum dinheiro para o setor produtivo e uns trocados para os cidadãos. E pela luta decisiva que a economia futura trava no Congresso Americano, a gente percebe que só há um ponto que os bancos concordam: o Estado tem que se por à margem dos mercados e evitar qualquer regulação. Somente num aspecto todos os financistas são favoráveis: que o Estado atue no momento do risco sistêmico. O risco sistêmico é aquele tipo de comportamento de bancos e de ativos que põe em perigo todos os componentes do sistema financeiro e, por extensão, da economia em geral. Então, a primeira tese, tese prioritária: o Estado está a serviço do capital e dos negócios. PONTO FINAL.

2) E, portanto, conclusão mais que evidente, ele deve ficar longe das atividades econômicas. O que significa isso? Antes de tudo, que o Estado seja um soldado e um militante do lucro e da rendabilidade. Depois, que evite o tal risco sistêmico. E, em caso de explosão, arrebanhe todos os recursos, inclusive endivide-se, para salvar os bancos, em último caso as empresas. E os trabalhadores? Bem, é doloroso, mas vão ter que esperar um pouco, pois quando a economia responder positivamente e as firmas retomarem o crescimento, teremos sem dúvida a possibilidade de novos empregos. Eis o lema: todo dinheiro ao capital. Por último, o Estado deve, como um bom policial, depois de ter limpado a zona de perigos adversos, deixar a política econômica para soluções micros, ou seja, para as corporações. Eis a lei do crescimento: a macro é o resultado de decisões micros. E, por consequência, o Estado deve novamente recolher-se à espreita de uma nova irrupção de uma outra crise, espera-se, vai levar muito tempo para aparecer. Assim, ao contrário do que pensava Ludwig Von Mises, que o consumidor era o rei, o desejo aqui é outro: o rei é o capital. O leitor duvida que as finanças pensem isso? Pois, então leiam as manifestações dos dirigentes do “business” americano no Financial Times, no New York Times e em outros “times” do planeta.

3) Podemos concluir que, assim, desta forma, qualquer teoria, tipo Keynes, tipo Schumpeter, tipo Teoria da Regulação, devem ser descartadas, porque são desesperos – compreensíveis – do setor produtivo, dos saudosistas do Estado, e desta turba de trabalhadores desempregados que querem soluções mágicas?

VAMOS RECUPERAR O ESTADO – PARA NÓS

1) Ora, a conseqüência do momento é a seguinte. Vamos fazer da regulação proposta no Congresso Americano, uma limonada. Nada de incluir os bancos de investimentos fora do corpo dos bancos comerciais; preparem as velas para os hedge funds e para a especulação com tudo o que for possível. Pois, o mundo está custando a descobrir o que já era evidente desde o começo. “Speculation, that´s the name of the game”. Só que a especulação não está tão fácil assim. A renda caiu; os Estados, sobretudo os europeus, cheios de dívidas; os trouxas quebraram; os bancos desconfiam uns dos outros; e a securitização perdeu a germinação fértil e brava. Resultado: a queda da economia financeira parou, foram postos colchões estatais; mas um colchão não é como a lona do pula-pula. E o mundo continua parado, o crescimento das finanças não saltou e prossegue como um sonho permanente de pilantragem financeira. O que significa que não tenham capitais ganhando muito mais que outros. Mas, o negócio é o seguinte: o capitalismo é um baita processo de concentração e centralização. E daí?

2) Quer queiramos ou não, se a política não controla a economia, esta vai para o aumento frenético do tamanho das corporações, já começada com “to big to fail”, com o Bank of America e outras figuras do negócio bancário. Pode-se dizer mais. O que esperam os bancos e as finanças e mesmo as grandes corporações produtivas é que o Estado (executivo, legislativo e judiciário) favoreça este processo de concentração e centralização de capital e que ajeite e concerte os possíveis desarranjos. É o incentivo da lei do reino animal: o maior come o menor. O oposto seria claramente diferente: dar poder ao Estado para buscar sustentar o investimento e o emprego; bloquear o gigantismo ineficiente e ameaçador sistemicamente da concentração e centralização bancária; regular o sistema financeiro, sobretudo, nas suas interconexões; aplicar a Volker Rule; tornar a regulação do sistema financeiro unitária; e construir uma arquitetura financeira onde a função de crédito à produção seja prioritária em relação às finanças de mercado - e altamente especulativa. E principalmente, dar curso a uma metamorfose de toda a estrutura produtiva.

3) Por essa razão: as finanças proclamam que os Estados (de todo o mundo) devem buscar como ponto insofismável a redução dos gastos, a recuperação de sua capacidade financeira, obviamente com a finalidade de manter a inflação baixa e ter recursos para dar uma lucratividade indispensável aos títulos do Estado, até que elas, as finanças, consigam emplacar outras e tantas inovações de ativos financeiros, palatáveis para a economia.

4) Só tem um complicador: para a economia como um todo se recuperar, vai ter que haver, neste projeto, queima de capital. O que só ocorre por quebra de corporações ou quando alguns capitais absorvem outros. E isto não é um processo tão rápido. Ainda mais com o Estado dando dinheiro de presente como andou. Mesmo porque, a economia não é só financeira. A recuperação da produção passa por uma transformação e substituição profunda das indústrias que comandam o processo, bem como pelo impedimento da deterioração do meio ambiente e da metamorfose da infra-estrutura energética do mundo.

5) Coitado do Obama, que teve e que terá que lutar, no Congresso e na sociedade americana, com seu caminhãozinho de boas intenções contra os Exterminadores do Futuro. Mas, há um passo importante nas suas pretensões. Vota-se nesses dias, no Congresso, a nova “regulação financeira”. Houve ali uma batalha infernal, demonizaram o presidente o que deu. Mas, um projeto, resultado de negociações entre a Casa Branca e os partidos, vai ser votado hoje. e talvez seja o primeiro trampolim para redirecionar as finanças. Consta que o nervo desta reforma será a construção de uma forma política de redefinir o sistema financeiro centrada num Conselho de Reguladores, e não numa reforma com regras estritas e bem definidas, embora o texto tenha 2.300 páginas!

6) Ou seja, Obama pode avançar ou pode perder. Os bancos fizeram e vão fazer tudo para apropriarem-se desta reforma. Mas, Obama conta com a sua astúcia de avançar aos poucos, como um carro que vai a 40 kms e depois passa a 120 na auto-estrada. Tudo vai se decidir no andamento da carruagem, isto quer dizer na dinâmica da implantação do que será decidido no Congresso.

7) Então, como é que o Estado pode ficar de fora? É nesse ponto, que a economia se torna novamente política. E só uma luta democrática, viva e ativa, pode manter o Estado em benefício da sociedade. E nunca esquecendo que eleições são necessárias para a democracia, mas apenas eleições, não são suficientes. Só a invenção de múltiplos contrapesos na sociedade atual pode evitar que a ditadura das finanças - via o afastamento do Estado das questões sociais, através do seu domínio sobre os Bancos Centrais e as Fazendas e sobre a regulação do sistema financeiro - se torne uma fantasia ao modo de Walter Disney e dos desenhos animados japoneses. Ou seja, um maravilhoso mundo de aplicações, uma adrenalina pura, em ativos privados e públicos.

Que a reforma americana dê margem a ações importantes diante do império das finanças!

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