quarta-feira, agosto 24, 2011

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
25 de agosto de 2011
Coluna das quintas


A EUROPA NUNCA SE ACABA?
Por Enéas de Souza


Como Zaratustra de Nietzsche, um economista vai ao mercado e vê a Europa se balancear no trapézio, pronta para se esborrachar no chão. Terrível. A Europa foi o grande engodo das finanças. As finanças e, em particular, os europeus sonharam dar o grande pulo do leão. Sim, o do leão e não o do gato, porque o pulo europeu seria vasto, mais vasto que o do próprio gato, pois esse seria muito pouco para a ambição européia. Era a astúcia do capital financeiro em plena Europa a querer saltar por cima das nações e abrir e constituir um espaço amplo, à frente, uma face já no futuro, independente dos Estados nações, puxando a sua própria valorização. A Europa dos capitais. Uma valorização imantada pela atividade especulativa solta, selvagem, desordenada; o capital só se relacionado consigo próprio, dinheiro chamando dinheiro, como diria o velho alemão Karl. Todos os capitais estavam vibrando: pouca regulamentação, nenhum controle europeu, apenas um Banco Central, posto por eles mesmos – uma lição de JP Morgan, o banqueiro que inventou o Banco Central. Surgiu então o BCE com esta alma, com esta postura transnacional, atravessando praticamente todo o continente.



2) Mas os capitalistas vão de arrasto no movimento dos capitais. Pensam que são eles que criam o dinamismo deste; é o contrário, eles são criados pelos capitais. E o sonho do capital era o de avançar num espaço aberto, sem amarras, especulando; ou seja, a renda alcançando dimensões notáveis, superando fortemente a categoria do lucro. Todo mundo é rentista, inclusive você. Pois bem, quando a economia cresce, o ciclo sobe como uma pipa, como uma pandorga, tudo vai bem. Mas os ludibrios são tantos, que se colocam em jogos financeiros tantos títulos e hipotecas sem nobreza, vagabundos, que a desconfiança chega; e traz o vento desagradável do inverno econômico. Na Europa, com um agravante, o incesto capital privado e Estado.



3) Onde está o furo desse capitalismo financeiro? Onde está o furo desse eixo Estados Unidos – Inglaterra – Europa ? Onde está o furo do eixo americano?



4) Vamos sempre pensar como é que se dá a dinâmica desse capitalismo financeiro. Ela começa com a especulação puxando a valorização, a proporcionar renda aos investidores, faz com que o capital-dinheiro saia pelo escoadouro do consumo e a importação de produtos necessários para a reprodução da economia E só aí é que a economia pensa no futuro; só aí vem o investimento. Vejam o primeiro equívoco deste sistema: o investimento é variável dependente. O segundo ponto – na verdade, o primeiro – todo esse processo é feito sob o olhar de Carolina: o Estado fica na janela vendo o banco passar. O banco é a banda do Chico. E a economia se faz sem regulação.



5) Pois vejam a ambição: a economia estaria nas mãos das finanças que puxaria os links do consumo, do comércio internacional e, no fim, dava uma chance para a produção. E isso sem controle, sem a presença, a não ser muito discreta, do Estado, do FED praticamente, pois o resto do Estado ia tratar, no caso americano, da Guerra ao Terror, na verdade, a Guerra Santa do Petróleo, a Guerra da Predação. Uma aliança Pentágono – Indústria Bélica – Indústria da Construção Civil – Indústria Energética.



6) Continuo a me fixar na questão da dinâmica, porque é preciso entender que o centro geográfico do comando da acumulação de capital era os Estados Unidos, mas, via os fluxos de aplicação financeira, abria-se uma dupla mão que avançou a expansão do capital pela Inglaterra e pela Europa. Quando o Lehman Brothers e a economia das finanças americana desabaram, a Inglaterra e a Europa foram juntas. E aí se viu o escuro da luz. Pois o Estado não estava a serviço da nação, estava do lado das finanças. Mais que o Rhum Creosotado, quem salvou o capital da bronquite foi o Estado, mas deixou a população com a enfermidade, o desemprego, é claro. E, ao mesmo tempo, a peste foi mais longe: não havia coordenação estatal entre Estados Unidos, Inglaterra e Europa, o tal de G-7 era uma drágea de paracetamol e, com isso, os capitais ficaram no pânico. E todos correram para os seus Estados. Será que deu pra ver que o eixo Estados Unidos – Inglaterra – Europa se corroeu, e cada parte ficou meio que isolada, tentando resgatar o lado estatal de sua praia?



7) E o que é que aconteceu? As partes foram se isolando. E isso hoje é absolutamente visível. Por falta de coordenação geral dos Estados – até pode haver uma restrita colaboração entre Bancos Centrais – a cadeia dinâmica foi se esfacelando e a Europa cada vez mais tendo que se virar por si mesma, mas, como já temos falado, com aquela fragilidade toda, sem reinventar investimentos produtivos. Então, leitor, veja o que está ocorrendo: os bancos e os Estados se deram as mãos. Os bancos estão mal porque tem títulos do Estado, e os Estados estão no cadafalso porque têm seus títulos colocados nos bancos. Nesse nível, o rastilho da crise funcionou assim: a crise dos títulos podres bateu nos bancos e a crise dos bancos se aconchegou no Estado, e a crise do Estado voltou para os bancos. E então, esse mesmo fenômeno olhado pelo lado dos países, a coisa parece assim: dos Estados Unidos passou pela Inglaterra, e logo, dali aportou na Europa. Só que agora, com a crise européia, os Estados Unidos estão tentando se livrar dela, usando porta corta-fogo. Por exemplo: de um lado as autoridades reguladoras americanas e inglesas estão exigindo dos bancos europeus comprovações cada vez mais rigorosas da sua liquidez; e de outro lado, os americanos estão retirando aplicações feitas no outro lado do Atlântico. Banqueiro escaldado tira a cauda da sala; melhor, tira seu capital dinheiro dos bancos em perigo.



8) Entre outros fatores, um dos problemas da Europa, já falamos, é, sem duvida, esse enlaçamento bancos e Estados. Ponhamos nossos óculos de grau para enxergar melhor. Só para se ter uma idéia: os bancos detêm em euros: 98,2 bi da Grécia, 317 bi a Itália, 280 bi da Espanha. Quebra um, ameaça o outro. E aí, essa turma, por esses tempos, fez um acordo geral para resgatar a dívida da Grécia. Fizeram um, fizeram em seguida um segundo acordo. Contudo a Grécia, em desespero total, em crise social imensa, tem que esperar, porque o acordo dos chefes de Estado só vale se for aprovado pelos parlamentos. É claro que a velocidade e agilidade não estão na natureza desse instrumento, só que a Grécia precisa de grana AGORA! Percebe-se logo, a inteligência da situação é crítica: o referido acordo permite – olha só a desordem vinda no outro lado da rua – que haja acordos bilaterais entre a Grécia e um dos signatários. Pois não é que a Finlândia e a Grécia fizeram um concorde rapidinho e tácito, o que enfureceu a Alemanha, que vetou esse negócio? Assim, esses pequenos acertos travam o movimento geral, criam problemas políticos para os diversos países, para a Grécia inclusive. E, no final, ela vai fechar com o pior aceite, pois todo mundo vai querer acabar ganhando nas costas da Grécia. E desaba uma das coisas fundamentais da Comunidade Européia, a união, justamente aquilo que poderia sustentar o objetivo maior. Do jeito que está, ela, a Comunidade, vai se chamar de Desunião Européia.



9) E o grave problema – isso é assunto comezinho em nossas análises – é que não existe um Estado europeu, portanto, ninguém manda. Dessa forma, temos grupos contra grupos; a França e Alemanha tentando organizar o mundo do jeito que gostam; e no fundo, estão todos contra todos. A Europa, a rigor, é uma praça de ninguém. O sargento da vez, como na antiga Bolívia, é que dá a direção... Contudo, a coisa é pior, porque as dívidas da Grécia, da Irlanda, de Portugal, da Itália e da França ou já marcharam ou estão para ser postas em causa. Daí a eminência do desastre. Se esses países pudessem fazer parte de um Estado da Europa com um Tesouro único, talvez elas fossem bem manejáveis, pois mesmo diante dos grandes volumes, a dívida seria única e haveria um jogo monetário com o Banco Central e um jogo fiscal com o Tesouro Europeu. No caso atual, a desordem é absoluta: os Estados não confiam nos Estados, os Estados não confiam nos bancos, os bancos não confiam nos Estados, e os bancos não confiam nos próprios bancos – talvez até acreditem menos ainda..



10) Com toda essa atmosfera envolvendo a cena européia tudo, o ambiente fica péssimo. Os especuladores ameaçam os Estados, os bancos fecham o interbancário, e a preferência pela liquidez impede que a fluidez venha, senão da Europa para a Europa, ao menos, dos Estados Unidos. Mas a sinistrose está a caminho, pois o boomerang está se armando. Quem diz que essa bomba americana, que foi posta no colo dos europeus, não volta para os Estados Unidos, dado que tudo está interligado, como rede de metrô ou uma rede da internet? E obviamente, não tendo Estado, nem tendo Tesouro, a Europa, meio alquebrada, vai tentar se equilibrar com o Banco Central Europeu. Esse vai tentar dar liquidez ao time, só os Tesouros dos Estados Europeus, vão ser todos ameaçados – quem sabe até o da Alemanha – e não vão poder fazer nada sozinhos. Resta, então, o superestimado Fundo de Estabilidade (EFSF) que vai surgir somente para cobrir as necessidades do trio Grécia – Irlanda – Portugal. Se Itália e Espanha precisarem, os dois países liquidarão esse fundo, porque ele só tem, e precisa ainda ser aprovado, 440 bilhões de euros de recursos. Portanto, a Europa está pela bola sete. Ou a Europa se reinventa ou ela volta para as Cruzadas. Imagine se ela fosse como os Estados Unidos: teto da dívida controlado e despesas também? Shakespeare poderia dizer: Europa, teu nome é fragilidade. E mais ainda quando soubesse que a Alemanha quer aprovar para todos os demais Estados a estultice liberal por excelência: igualdade da receita e da despesa. E ficaria mais espantado quando descobrisse que a Alemanha já aprovou para si essa pérola, com a possibilidade que a segunda supere a primeira em um ligeira flexibilidade de 0,35%. Que liberalidade, hein, Angela Merkel?



11) Enfim, aqui está a espiral explosiva. Dívida, austeridade de gasto, aliança banco–Estado, queda da atividade produtiva, crescente incapacidade das finanças de especularem e desemprego larvar e contudente. Tudo o contrário do que seria a receita fundamental. Vejamos: Estado europeu, Tesouro europeu, aumento do déficit, aumento da dívida, fortes gastos públicos e privados em investimento, retomada da produção, aumento do emprego, aumento de receitas, pagamento das dívidas, e um novo caminho. Isso para retomar e reativar as atividades econômicas. O que, no entanto, seria só o recomeço pois seria decisivo ver qual a forma como a indústria européia poderia se integrar no novo padrão de acumulação dominado pelas novas tecnologias do conhecimento, da comunicação, da informação. Mas este é um outro problema. Ou a Europa vai para a depressão ou ela vira o jogo.



12) E ela pode? Seria preciso discutir o rumo político do continente. E a pergunta decisiva é a seguinte: com tantos países rumando para a direita (não esqueçam a Inglaterra e mesmo a batalha americana de 2012), cujo objetivo é o conservadorismo paralisante, expresso por corte de gastos, equilíbrio orçamentário, corte de despesas sociais, exclusão de emigrantes, etc., permite que eu faça a você esta indagação: qual é a sua opinião, leitor, sobre o futuro de nossa amada Europa? Será que a coisa não está tão feia, pois 16 milionários franceses (seguindo a linha do americano Buffet) estão dispostos a serem taxados para ajudarem a crise do Estado? E basta essa atitude de cortar as unhas para ficarem os anéis em dedos polidos?



13) Enrique Vila-Matas, admirável escritor espanhol, escreveu entre belos livros, um que se chama “Paris no se acaba nunca”. Faço meu este título e o amplio para a economia, só que o ponho como questão: “A Europa nunca se acaba?”.


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