quinta-feira, outubro 14, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
14 de outubro de 2010
COLUNA DAS QUINTAS

TROPA DE ELITE
Por Enéas de Souza


O que fizeram FHC/Serra?
FHC e Serra enganaram muito tempo, mascararam durante muitos anos. O primeiro, cognominado como Príncipe da Sociologia, com uma carreira acadêmica sublinhada pela glória de ter sido aluno de Florestan Fernandes e de ter participado de um seminário de Marx em tempos de ditadura, escreveu um livro famoso em parceria com Enzo Faletto e foi eleito suplente de senador, suplente de Franco Montoro. Este último episódio trouxe uma movimentação de classe média inédita, única, porque a favor de um grande intelectual. Me lembro que a UNICAMP e o resto de São Paulo se moveu toda em torno dele. E apostem para saber quem era o puxador da campanha do ilustre sociólogo? Advinhem? Acertaram. O prof. Serra. Como Fernando, também se apresentava como um nacionalista, um intelectual que, colado na Maria Conceição Tavares, participou de um trabalho marco na época da ditadura: “Mas allá del desarollo”, escrito nas plagas promissoras e depois, terríveis do Chile dos anos 70. E naquela época, Fernando Henrique tinha a sua luz e a sua aura; era o farol e a cintilação, o grande resistente da ditadura. Nada mais justo que José Serra fosse o seu escudeiro, sempre ligado a muitas estatísticas, avizinhando uma possível posição nacionalista. Nunca foi uma grande figura como Fernando Henrique, me lembro do seu único e belo trabalho “solo”. Trata do desempenho do Brasil no século XX até os anos 70, mostrando a performance de longo prazo nacional, só superada, no mundo pelos japoneses. Fernando Henrique era o Zeus do Olimpo paulista, e Serra, o Mercúrio do chefe da assembléia de deuses.

A dança da política trouxe duas carreiras políticas, com um ou outro percalço para o pleno de sucesso. Glória, glória, nas alturas. Nas múltiplas trajetórias das pessoas existem episódios menores, porém pode ocorrer algo maior, algo que mude tudo. Tudo se transforma. FHC é escolhido presidente. Aqui é o salto do tigre. FHC pula do nacionalismo para o liberalismo. Poucos viram antes das eleições. José Luís Fiori viu claro. Anunciou para todos que Fernando vinha como o cavaleiro andante do Consenso de Washington. Anunciou e escreveu. De todos que falavam da opção do futuro presidente, foi o único que o Príncipe se dignou a responder. Respondeu por que José Luís tinha visto o coração da reforma intelectual e política de FHC, que ao longo do processo foi de todo o seu grupo. O nacionalismo virou liberalismo. A defesa do Estado virou delapidação das suas propriedades. Diga-se: propriedades do povo brasileiro. As empresas foram torradas por títulos podres, o governo permitiu o uso de títulos desvalorizados no processo de compra, o governo financiou grupos internacionais e nacionais na compra destas corporações. E José Serra, o escudeiro fiel, tornou-se o agilizador das vendas, o cirurgião – porque Ministro do Planejamento – da amputação do Brasil, o Chefe do Plano de Privatização.

Caiu a máscara da face, diz o samba antecipador. E venderam mal, pois cobraram pouco, permitiram que as moedas podres entrassem na jogada. A Vale foi um crime de lesa-pátria. E por que? Porque estrategicamente foi como perder uma das armas decisivas numa política de agigantamento do país. Olhem onde a Petrobrás foi novamente colocada por Lula e Dilma, no centro do grande movimento de retorno do Estado à economia brasileira. Ocupa o nervo estratégico do governo. Se a Vale fosse do Estado seria o segundo grande suporte. (A descoberta do pré-sal veio na corcova deste processo.) E o FHC não queria deixar a Petrobrás de fora, queriam fazer a Petrobrax. Olha só, Petrobrax! Mente de colonizado. Não conseguiram vender, o fantasma do velho Getúlio e a história do “Petróleo é nosso” impediram a venda. E isso nos salvou. Um dia, discutindo sobre a economia brasileira, no final do segundo mandato de FHC, com o economista francês Pierre Salama, (Salama temia que o Brasil seguisse os passos da Argentina) lhe disse: “a grande diferença é que o Brasil não entregou nem a Petrobrás, nem o Banco do Brasil, nem a Caixa”. E, de fato, o Fernando Henrique não teve coragem de ir até o fim no seu processo de venda. E com o Brasil quebrando três vezes, com a privatização desamparada e desarvorada pendendo para os lados dos compradores, com a abertura do comércio externo (completando Fernando Collor) e com a abertura financeira, sem pedir nada em troca, o Fernando Henrique tornou-se um grande entregador de empresas estatais. Tudo em nome da modernidade da economia. E nós, brasileiros, ficando sem investimentos e com alto desemprego, e sendo chamados, por cima, de “neo-bobos”.

Mas, o que queria salientar era outra coisa. Pela primeira vez, temos concorrendo à presidência da República dois candidatos que, de uma forma ou de outro vem das batalhas dos anos 60, mais exatamente da ditadura. Serra era presidente da UNE na hora do golpe, participou dos discursos do famoso comício de 13 de março, o comício onde Jango bradava por um caminho inexistente e Maria Tereza olhava perdida para o infinito. Como se antevisse a derrota, o golpe militar. Duvidam que Maria Tereza olhava para o infinito? Vejam o filme de Silvio Tendler sobre “Jango”. Como dissemos, Serra era presidente da UNE. Um das músicas do CPC da UNE, acho que uma música do Carlos Lira, falava nos “capitais amigos dos Estados Unidos”. A UNE do Serra. Pois, mirem-se nos engajamentos políticos dos anos sessenta. Havia muitos caminhos: ser golpista, ser pró-americano, ser resistente – e aqui com várias raízes, vindas de dois troncos fortes: a guerrilha e a resistência legal. Fernando Henrique e Serra foram contra a ditadura. E Dilma, a adversária de Serra, nem se fala.

Mas, a aranha que formata as teias da história não formata como poderia parecer a lógica dos personagens. Qual seria esta lógica? Que a resistência à ditadura por parte de gente de esquerda (Fernando Henrique era, Serra sempre pareceu que, e Dilma esteve sintomaticamente na contramão da ditadura) os levasse não só à democracia, mas com uma posição nacionalista. Pois, o que é a realidade, o cara que foi da UNE, o cara que participou do Seminário de Marx dos anos 60, ao entrarem no templo da política culminaram como vendedores do patrimônio estatal. Entregaram a preços de amendoim. O que foi a venda da Vale? E Serra vendeu muito mais. Fernando Henrique aprovou tudo. Pois não é que oito anos depois do FHC, depois que o neoliberalismo está em decomposição, Serra não desmente o “anúncio” de David Sylbersztajn de que o pré-sal pode ser vendido. O Serra, como dizia a minha mãe, “o Serra não se emendou”. Parece continuar na ponta do balcão a dizer: “Quem quer comprar o pré-sal? Se for presidente, o pré-sal vai estar à venda”. Comprem, comprem. A astúcia da História mostrou bem: a tropa de elite da intelectualidade e da política brasileira quer vender o Brasil.

E Dilma, não. Continua fiel aos princípios pelos quais foi à luta em 64. Pela democracia, pela distribuição da riqueza para os brasileiros. Mas, esta tropa de elite, não, Quando tomaram o poder, foi para negociarem tudo. Venderam tudo. Vale, Telebrás, Banespa, etc. etc. E agora fingem deveras que querem estatizar, (“Vou reestatizar tudo”, disse Serra depois do debate da Bandeirantes) quando pensam em vender. Isto consagra a grande volta que fizeram, quando trocaram de lado: de nacionalistas a neoliberais, de defensores do Estado a adeptos do mercado, de homens de esquerda a políticos de direita. São os pássaros desta vertigem e da fascinação pelo capital financeiro. Constituíram uma tropa de elite, uma formação de primeira (FHC, Serra, Malan, Paulo Renato Souza, Wiston Fritsch, Elena Landau. Mendonça de Barros, Gustavo Franco, Pérsio Arida, Armínio Fraga, Lara Rezende, Edmar Bacha, etc.) para ser a vanguarda econômica e política do neoliberalismo. Anos 90. Agora, no século XXI, não esqueçam que, apesar da crise nos Estados Unidos, existe um movimento forte de capital das finanças, alimentados pela liquidez americana garantida pelo Banco Central (FED). Estes capitais estão dispostos a investirem no Brasil e no mundo afora. Seríamos, portanto, a cauda de um neoliberalismo financeiro retardatário. As metas parecem claras: pré-sal, em primeiro lugar (como disse o economista Pedro Almeida, este patrimônio pode valer 8 trilhões de dólares ou seja mais da metade do PIB anual dos Estados Unidos). E claro, vende-se primeiro o dito pré-sal, e depois pode ser a Petrobrás. Isto pode descortinar um itinerário. E obviamente nessa visão, o Estado não deve ter bancos, pensando assim poderíamos arrastar o Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal para linha de tiro. No fim, quem sabe se ponha o BNDES para correr; ou, como Fernando Gros (outro que foi da Tropa de Elite e já faleceu) fez, transformá-lo em Banco de Investimento (que, na linguagem neoliberal, é banco de aplicações financeiras).

(Como podemos resistir a este itinerário político e econômico da privatização, que já foi efetuado no passado e que está antevisto para o futuro do Brasil na campanha de Serra? O “candidato do bem” sabe a quem oferecê-lo. Que Serra, FHC e seu grupo tomem esta posição faz parte do jogo democrático, mas não queiram passar por nacionalistas e defensores da riqueza nacional, quando são atores da privatização e da venda de empresas estatais para o capital estrangeiro. São atores do neoliberalismo).

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