quarta-feira, setembro 15, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
16 de setembro de 2010
COLUNA DAS QUINTAS


A CRISE MUNDIAL
AINDA NÃO TERMINOU (*)

Por Enéas de Souza


O economista, entre outras coisas, é um analista e um avaliador. Examina os dados, estuda as forças que atuam sobre a economia, vê o posicionamento do Estado. E avalia. Pois, é o que estamos fazendo aqui. Há uma aparência de calma nos noticiários, na mídia, mas, há uma tensão na realidade. A crise mundial ainda não terminou. Estamos num mirante privilegiado, o Brasil, onde tudo parece estar bem. onde a economia brincando de alpinismo vai chegar entre 5 e 7% de acréscimo neste ano. Neste mirante se tende a enxergar, a perceber e a avaliar as coisas econômicas mundiais com otimismo. Mas, é preciso tirar estas lentes coloridas. E ver de perto, como a face da realidade tem como em alguns primeiros planos do cinema, uma parte do rosto clara; outra escura. A clara nos dá otimismo, a escura nos faz mistério. E o mistério é que depois da continuada crise americana e da atual crise européia, contrabalançadas pelo extraordinário crescimento da China e dos emergentes o ciclo da economia mundial não recomeça e não deixa para traz os maus tempos. Qual o mistério que se esconde atrás da dificuldade de recuperação desta economia?
No entanto, a economia mundial está mudando. E vai mudar a sua liderança, vai mudar o carro-guia, esta ave condutora da história. Pois, é isso que está em causa: trocar a liderança da era econômica do automóvel e do petróleo pela era das novas tecnologias de comunicação e informação. É uma mudança cíclica, é uma mudança na liderança e na estrutura do processo produtivo, é uma mudança no longo prazo da economia capitalista. Pois, quando se muda alguma coisa na economia deste porte, é preciso derrubar paredes, arrumar financiamento, é preciso mudar o Estado, ter instituições que comandem as mudanças, etc. É isto que está impedindo a metamorfose da economia. Ou melhor, a rapidez das mudanças. É isto que mostra que a economia mundial é ainda uma planta doente. É isto que mostra que o que precisa mudar ainda não mudou e o que é indispensável aparecer ainda não apareceu. Considere para ver como é necessária a liderança explícita de empresas de telecomunicações e não de bancos, como é fundamental um novo encadeamento de novas indústrias: nanotecnologia, bioeletrônica, ciências médicas, etc., e igualmente, substituir a infra-estrutura energética da produção. Estas mudanças são estruturais e levam tempo para serem feitas. A troca de padrão de acumulação que ainda não ocorreu, está se operando lentamente.
No fundo, há que se mudar o que está, no momento, mandando. Trata-se de mudar as finanças de posição. Elas querem que tudo fique como era, visando desenvolver-se livremente no céu da especulação. Então como é que se faz para as finanças saírem da sala de comando? Também é aqui que tudo está se jogando. A pergunta chave é: para onde vai o Estado? Qual é o seu novo sentido e a sua nova direção? Antes de tudo, encaminhar as finanças na economia e pela política econômica para um lugar mais adequado que é financiar as atividades produtivas. E porque, as finanças têm que desaparecer do primeiro plano? A economia deve retornar à liderança da produção com nova estrutura produtiva. Os ativos podres e o cassino especulativo atrapalham o novo desenvolvimento, o sistema bancário precisa ser convertido para o apoio ao sistema produtivo. Hoje as finanças funcionam como tranca-rua. Há, portanto, a necessidade de um reforço do Estado, para que este seja capaz de resolver a algazarra no bar da economia. Em alguns lugares já aconteceu ou está acontecendo; China, Brasil, etc. A mensagem é clara, há que reposicionar as finanças, a prioridade tem que ser da produção, do investimento e do emprego. Este é o novo sinal dos tempos.
No plano da retórica, tudo parece fácil, porque falamos de agregados. No nível macro é simples vislumbrar: muda-se a demanda centrada no consumo e a economia vai ser puxada pelo investimento. No entanto, tem que haver uma troca de política econômica; tem que se reformatar o Estado; tem que ter planejamento; tem que se criar, social e novamente, a mentalidade do investimento; tem que dar novas ênfases na educação para a nova economia que entra; tem que se alterar a hierarquia no Estado; tem que se condicionar o novo crédito, etc. As alterações econômicas são transformações de formas que podem ter passagens longas e difíceis.
A principal cirurgia a fazer tem que ser no DNA da economia, e naquilo que Hilferding chamava a forma financeira do Capital. Esta forma tem duas esferas, a financeira e a produtiva, só que contém em si a hegemonia das finanças sobre a produção. Foi o que ocorreu progressivamente de 1979 até 2009. E isso não se troca assim no mais. Mudar a hegemonia passa pela política e, por extensão, passa pelo Estado. E não basta que forças políticas ponham a sua bandeira nele, é preciso que haja uma reformulação técnica e qualitativa na burocracia. É este andamento da mudança histórica no processo econômico e social que tem uma duração complexa. Pois se trata, em verdade, de construir uma nova dinâmica econômica, o eixo Estados Unidos/China, de onde uma nova ordem internacional do trabalho dará surgimento a um outro processo de acumulação produtiva do capital, onde as finanças encontrão o seu novo lugar.

(*) Publicado originalmente na CARTA DE CONJUNTURA FEE, edição de setembro de 2010, da Fundação de Economia e Estatística.

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