quinta-feira, fevereiro 25, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
25 de fevereiro de 2010
Coluna das quintas


O SEGUNDO
TEMPO
DA CRISE

Por Enéas de Souza


O MEU MUNDO CAIU

1 - Para compreender a possível metamorfose da sociedade contemporânea é preciso saber da construção que está em rota de desabamento. Uma madeira cheia de nós e tensões, cupins e baratas. A finalidade é única: não repetir o mesmo, não realçar de novo esta hegemonia financeira. Pois, é da realidade de agora que temos que falar. Ela se engalanou, se empolgou, cresceu com os seus delírios, as suas especulações e numa das esquinas da vida, esbarrou no carro da crise, que vinha na contramão da ideologia neoliberal. O que aconteceu? Antes de tudo, a articulação sistema financeiro e Estado, sistema financeiro e produção, sistema financeiro e população foi armada, ao longo dos últimos trinta anos, para exibir a vitória das finanças dentro do triunfo do capital. Digo triunfo do capital, porque a Guerra Fria, com a queda da União Soviética, trouxe para o primeiro plano o lado financeiro do empresariado, a arrasadora presença das corporações bancárias e não-bancárias. Coisa que ficou dominando, fustigando, planta viva e planta carnívora, construindo moeda financeira; fazendo subir e descer mini-crises nos mercados de ativos financeiros; entrelaçando moeda, títulos privados e títulos públicos; fazendo um rodízio especulativo contra moedas, contra as aplicações imobiliárias, contra as ações na Bolsa, contra os produtos financeiros e especulando ostensivamente contra o petróleo e commodities. Depois de tantas crises miúdas e médias, explodiu, sem refinamento a grande recessão de 2007, puxada pelo personagem marginal das sub-primes.

2 - Como escrevemos num trabalho chamado a “Insustentável Leveza do Capital Financeiro”, o sistema financeiro girava uma máquina, que unia desregulação, alavancagem, sindicalização, securitização, agências de ratings e articulação especulativa das finanças e da produção”, buscando a acumulação financeira do capital. Ou seja, um modo outro do capital de acumular, ao contrário de aumentar seus volumes de riqueza pela produção, agora, a sua forma tinha a lantejoula e a plumagem do crescimento via papéis. Num mundo, onde tudo era ativo financeiro, desde os próprios, até os ativos monetários e os reais; as fábricas, as mercadorias, as empresas, a tecnologia, as hipotecas, os dólares, os euros, as obrigações, os derivativos, tudo, tudo, se perfilavam e se comportavam como ativo financeiro. Vendeu-se tudo, comprou-se tudo. Só que um dia, como sempre, alguém desconfia desta roda da felicidade, e sai fora. E o mundo cai, as finanças acordam em crise. Mas dormem sonhando com o retorno da forma que desmanchou-se. Na aurora seguinte, começa um devastação social, que devasta nos Estados Unidos, atravessa a Inglaterra, incomoda na China, requer malandragem no Brasil e desmaia na Grécia.
Então a pergunta acorda: “que tipo de construção social está diante de nós?”.

A DIALÉTICA ESTADO-CAPITAL

1 - O Estado a serviço das finanças

Vamos examinar um aspecto da complexa questão. Trata-se da relação entre a economia e a política, e nela, a construção do Estado financeiro, o Estado que acompanhou a carreira das finanças como a linha das ondas que chega com a maré à praia dos ganhos maiúsculos. Todo o objetivo da hegemonia financeira foi exatamente isso, criar um Estado poderoso, altamente coercitivo, mas flácido em relação ao desejo especulativo e a ambição de rendas fartas do setor. Uma sociedade precisa de um Estado que combine seus órgãos, sua burocracia, suas medidas de política econômica, seus planos de tratamento social das classes desfavorecidas, em benefício, maior ou menor, às frações dominantes. No caso atual, ele foi elaborado social, econômica e politicamente pelo capital financeiro. Portanto, esculpiu-se uma entidade a serviço das finanças, por causa da hegemonia desta.

O atual Estado foi um Estado privatizado na sua natureza e em toda a sua extensão, a começar pela mirabolante proposta das instituições financeiras de deixarem em suspenso uma regulação estatal, visando obviamente a instauração da auto-regulação. Renovou-se o faroeste vivo e solto da mitologia americana. Do ponto de vista político, a presença das finanças forçou uma cisão, uma fissura, uma cirurgia no Estado, dividindo de um lado, uma presença forte, até totalitária, do mesmo, em relação a sociedade civil. E de outro lado, a razzia financeira, a livre exploração dos ativos financeiros inventados para aplicações e possíveis proteções empresariais. Quanto ao primeiro aspecto, não foi a troco de outra coisa que o Estado americano agiu guerreiramente no campo externo (exemplo, a ação predatória sobre petróleo no Iraque), e o estabelecimento de uma repressão da coletividade interna, (valham os casos, do Patriotic Act e do violento acréscimo de cidadãos presos). No tocante ao item da razzia financeira, separou-se e isolou-se, em desfavor das demais, a parte do Estado que se dedicou a criar condições para o cultivo dos rendimentos nos jardins dos ativos financeiros.

2 - Sucessão de quinze pontos

Houve uma sucessão de características econômicas nessa contradição, nessa tensão, entre o Estado e o Capital, principalmente quando a pensamos a partir dos Estados Unidos. Destacando a temática desde os anos 70 até agora, enumero facilmente 15 pontos desta aliança/conflito:

Primeiro ponto: a liquidação da moeda que atendia a hegemonia produtiva: a supressão do dólar-ouro.
Segundo ponto: a construção de uma moeda financeira, o dólar papel, para substituir a precedente. O Estado dispôs o Banco Central, o FED, para definir a taxa de juro básica do mercado, e o Tesouro, para fornecer o título - títulos do Tesouro Americano - que possibilita o nível de valorização mínima da aplicação financeira. Acabam, assim, os dois órgãos do Estado, o FED e o Tesouro, por construir a função reserva de valor desta moeda. Também fica revelada a natureza da moeda que se instaura: o Estado garante.
Terceiro ponto: uma cisão na estrutura do Estado. Uma cisão entre o Estado dedicado a política monetária, financeira e fiscal – em resumo, a política macroeconômica de apoio as finanças – e o Estado dedicado aos demais aspectos da sociedade, salientando em primeiro lugar a guerra e o controle interno da sociedade.
Quarto ponto: o desgaste crescente da unidade do Estado nas questões financeiras. Uma das realidades importantes foi a criação de vários órgãos controladores (às vezes, embolando o nível federal, estadual e municipal) de setores financeiros: bolsa, seguros, setor imobiliário, etc. Ou, foi permitir que se estabelecesse o descontrole total, como no caso dos CDS onde a auto-regulação é absoluta. Tudo isso foi um torpedo das finanças no Estado.
Quinto ponto: a ocupação insustentável do Banco Central na posição de emprestador em última instância. No desempenho desta função, durante a crise, o FED teve que pedir auxílio ao Tesouro para poder absorver os títulos podres do sistema, através dos bail-outs e das linhas de liquidez. Em resumo: o Banco Central quebrou. E acredite, salvou-o, como se dizia na infância, o Rhum Creosotado. Aliás o Tesouro; logo, o Estado.
Sexto ponto: o crédito social como uma questão privada. O Estado não estabelece a direção dos empréstimos porque ele, sob a iniciativa das finanças, é submetido fortemente ao critério da máxima rendabilidade. Não há prioridades estratégicas do Estado para os empréstimos e os recursos para aplicações são atraídos pela instantaneidade valorativa do mercado financeiro. As alocações são vertidas para o curto prazo.
Sétimo ponto: a construção de um Estado financeiro. O Estado fica, por conseqüência da lógica econômica presenste, nas mãos das finanças, facilitando as necessidades e os objetivos desta. E fica a serviço inclusive da integridade do capital financeiro, no detrimento da sociedade como um todo. Vejam-se na composição dos bail-outs o que foi doado às finanças, à produção, e aos consumidores. (Aqui não podemos nem falar em cidadãos, pois esta “categoria” não influenciou nas decisões dos pacotes salvadores).
Oitavo ponto: o surgimento da “governança corporativa”. Toda a política de organização das corporações foi submetida à “governança corporativa” porque alisou as pretensões contraditórias dos financistas e dos acionistas, financeirizando toda a corporação, desde os seus objetivos, as suas metas, até a remuneração e a previdência de seus funcionários. Neste último aspecto o Estado deixou que a regulação e o cumprimento de uma política social funcionassem como uma janela de valorização do setor privado.
Nono ponto: o setor público como espaço ampliado de valorização do capital. O financiamento, os títulos e a dívida do governo estão igualmente à serviço das finanças, seja como fonte segura de suas aplicações, seja como a busca de recursos que o Estado traz do mercado financeiro para a salvação de diversos capitais do próprio sistema.

Décimo ponto: a ameaça das finanças às contas internas e externas do governo. Obviamente, esta ameaça depende do grau de ousadia dos capitais; da corrupção e da competência do Executivo, do Legislativo e do Judiciário; e do convencimento (via a indústria da mídia), do poder estatal e da sociedade para o uso do Estado em favor da área privada.
Décimo primeiro ponto: a pressão do Estado para o controle da inflação mundial. As finanças utilizaram o governo dos Estados Unidos e instituições para-nacionais, como o FMI e o Banco Mundial - via ajustes, planos, programas – para forçarem os Estados de diversos países a efetuar um controle inflacionário, com o objetivo de assegurar horizontes de cálculo para a valorização das aplicações e especulações da área financeira do capital.
Décimo segundo ponto: os capitais requerem a proteção do Estado contra eles próprios. As finanças concordam que deve haver um mecanismo básico de proteção contra o caráter auto-destruidor da natureza especulativa do capital. E aí o Estado serve. E serve para salvar a concorrência intercapitalista do risco sistêmico.
Décimo terceiro ponto: a competição dos capitais privados com o Estado pelo poder e pela regulação. No processo atual, as instituições chamadas “to big to tail” (“muito grandes para falir”) passam a afrontar o Estado no sentido regulatório, ou no sentido auto-desregulatorio. E com isso ameaçam a coesão unitária do Estado, produzindo, no mínimo, um nível elevado de imposição de suas políticas.
Décimo quarto ponto: as finanças ameaçam a moeda. Os capitais financeiros fazem e jogam na falência da solidez de uma moeda, como um dia fez Soros contra a Inglaterra.
Décimo quinto ponto: a busca de preservação do Estado por causa do tipo de movimentação das finanças. As nações (e os Estados) são ameaçadas pela especulação das finanças e ficam numa dupla situação: de um lado, são sustentadores político-econômicos da continuidade da existência das corporações financeiras; e de outro lado, terminam na dependência, em diversas ocasiões, do crédito privado, porque também se caracterizam como um dos locus de aplicação e fonte de rentabilidade dos capitais da área em pauta. Com isso, os países são internamente constrangidos pelas ações desbragadas e especulativas dos capitais privados. Não há dúvidas, a par das euforias, as finanças tem no seu âmago uma vocação explosiva E se os Estados, governados por um combinação política de classes, não tomarem a precaução de se preservar da competição feroz e destruidora dos capitais, eles terminam por implodir. Pois, o conflito é o rei da economia e da política.

A CRISE FINANCEIRA VAI DESCENDO O RIO

Tudo isso tem a finalidade de mostrar como a crise atual se desdobra do mercado financeiro para o sistema financeiro; do sistema financeiro para o Banco Central, do Banco Central para o Tesouro, do Tesouro para o Estado. E, assim, hoje, com o excessivo endividamento dos Estados Unidos, com as crises anunciadas e efetivas da Grécia, da Espanha, da Itália, da Irlanda, estamos sentindo um cheiro de um segundo tempo: o tempo da crise fiscal. Com isso nos aproximamos de uma crise social e de uma crise monetária. Ou seja, estamos passando da crise dos setores privados para o setor público. E no centro da questão está o Estado, seja na sua relação com o referido setor privado, seja na sua relação consigo próprio, seja na sua relação com a sociedade civil. Pois, neste jogo, emerge uma diferença aguda. Uma diferença entre um Estado com unidade precária e crédito geralmente privado como os Estados Unidos, a Europa e seus países, e um Estado com unidade razoavelmente consistente, com crédito centralizado, como o da China. Por essa razão, é razoável dizer que o futuro do capitalismo sairá destas questões apontadas neste texto. E que envolvem o atual desenvolvimento da crise, do desdobramento do que estamos chamando de crise do segundo tempo, onde o segredo estará no resultado dos múltiplos confrontos sociais que existirão entre o capital financeiro e a sociedade. Combate que se expressará na definição de um Estado, resultante da trajetória dialética do Estado e do Capital.

sexta-feira, fevereiro 19, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: Matt Taibbi mostra como a próxima grande crise financeira está em processo

Matt Taibbi é um jornalista que se notabilizou por ter realizado um retrato extremamente crítico das atividades da Goldman Sachs na revista Rolling Stone no auge da crise financeira. É interessante pois ele populariza e mostra a importância para o cidadão comum de temas que são usualmente maltratados (propositalmente) pela mídia oficial. Taibi volta agora com novo artigo que basicamente se pergunta o seguinte: de onde estão vindo os lucros dos bancos norte-americanos, em particular da Goldman Sachs? E chega a uma conclusão: eles não aprenderam nada coma crise da qual foram salvos pela intervenção do Estado e estão manufaturando um desastre ainda maior.

Interessante, pois mostra que o monolítico sistema de proteção às versões financeiras oficiais não existe mais nos EUA e que o ressentimento contra os banqueiros aumenta.

Link relacionado:

quinta-feira, fevereiro 18, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: A crise acabou... de recomeçar!

O impressionante na crise financeira é como ela segue os rumos lógicos previamente estabelecidos depois que sua dinâmica se delineou claramente. A crise imobiliária de 2006-2007 se transmutou em agosto daquele ano em crise financeira. Nada mais lógico e evidente. Aqueles que acreditaram no "está contido aos financiadores do subprime" pagaram o histórico mico de demonstrarem em público toda sua ignorância sobre a natureza sistêmica subjacente ao funcionamento do sistema financeiro globalizado (pior que dentre estes estava Ben Bernanke... mas ele logo se deu conta do equívoco, a bem da verdade...).
Um ano depois, a crise financeira se metamorfoseou em crise econômica, com quedas records no pós-guerra na produção industrial e no comércio internacional mundiais. Óbvio, mais uma vez. Para evitar um encadeamento destruidor ainda mais nefasto entre finança e economia, o bombeiro Estado entrou em campo com toda a água disponível. Fez efeito parcialmente, o incêndio parou de se alastrar e alguns pontos chamuscados foram recuperados. Mas, obviamente o fogo permaneceu aceso. Como a capacidade dos Estados para ir além e possibilitar novas bases para o crescimento estava solapada pela dimensão dos gastos realizados para evitar uma queda na depressão generalizada, era evidente que se veriam confrontados com demandas crescentes e receitas diminuídas pela queda na atividade econômica. Sua situação fiscal se deterioraria inexoravelmente, e, mais cedo ou mais tarde, isso levaria a uma ameaça de crise fiscal generalizada.
Aqui estamos. Tudo como previsto, tudo evidente, tudo óbvio. Iremos para o caminho da crise fiscal e depois da crise monetária terminal? O filme é tão claro que sigo me recusando a acreditar que seja trilhado. Como bem coloca o Enéas, a solução é política. Mas, aqui entro eu, o problema também o é. Ou seja, desde o início nada de efetivo, de estruturalmente importante, foi ainda realizado. A situação se encaminha para um longo e lento desenrolar sem que se vislumbre nada capaz de alterar o rumo ao desastre que o óbvio nos aponta.
No início do ano se proclamava em altos brados: a crise acabou! Se disse isso em novembro de 2007, em março de 2008, e em grande parte de 2009. Mas a danada é insistente e como um monstro de filme "B" reaparece, mutante e fortalecida. E, tal qual no terror de quinta categoria, é tudo óbvio, é tudo evidente. Vejam as notícias mais populares das eeção de economia do Telegraph de hoje: a criação de crédito nos EUA bate records negativos, com o multiplicador monetário atingindo apenas 0,81; a União Europeia "pune" a Grécia restringindo sua soberania, impedindo-a de votar medidas que também a concernem e que entrarão em pauta no próximo mês, na maior humilhação já imposta a um estado-membro; Soros investe em ouro, ativo por ele mesmo chamado anteriormente de "a última bolha".
Podem dormir tranquilos, com notícias com esse conteúdo a crise, finalmente, acabou!
Links relacionados:

http://www.telegraph.co.uk/finance/financetopics/financialcrisis/7252288/Greece-loses-EU-voting-power-in-blow-to-sovereignty.html
http://www.telegraph.co.uk/finance/economics/7259323/US-bank-lending-falls-at-fastest-rate-in-history.html
http://www.telegraph.co.uk/finance/personalfinance/investing/gold/7259161/George-Soros-buys-gold-despite-dubbing-it-ultimate-bubble.html
CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
18 de fevereiro de 2010
Coluna das quintas

A GRÉCIA PÕE
A EUROPA
EM QUESTÃO

Por Enéas de Souza


O ABSURDO DA GRÉCIA

A crise grega colocou mais economia na política, mais privado no público. E de uma forma assustadora. Uma forma onde a vigarice penetrou profundamente no setor estatal e fez do Estado fonte de rendimento, fonte de especulação, fonte de expansão das finanças e fonte de desmoralização do próprio Estado. A situação da Grécia é imensamente grave e suntuosamente absurda, a tal ponto que o que está em jogo não é apenas a credibilidade de um país; pôs na reta, e em perspectiva de crise, o euro. E no limite, jogou a questão no colo da União Européia. Isto sem contar que apareceu, de novo, como um leme inacreditável, a revelação da audácia, da impunidade e do descontrole das entidades financeiras. Elas mantêm, sem perder a irracionalidade, ainda, um cenário de contundente instabilidade na economia mundial.E no fundo dos bastidores do caso grego, emerge a indisfarçável presença de um capital predador, o Goldman Sachs, para confirmar a fotografia dos gestos contemporâneo preferido das finanças.

ESTÁ NA HORA DO RETORNO DA POLÍTICA

De onde surgiu esta impressionante desenvoltura das finanças, que passou pela produção da crise grega? Primeiro: surgiu por causa do avanço triunfal do capital financeiro, que fez do Estado um ente visivelmente a seu serviço, liberando os capitais no seu movimento e desregulamentando a economia. Segundo: surgiu porque o Estado esteve sempre de prontidão com seus bancos centrais para resguardar a política monetária e financeira definida ou imposta pelas finanças. E, portanto, para salvar as instituições bancárias e não bancárias de colapsos e bancarrotas em suas fantasiosas aplicações. Um exemplo vivo: os bailouts e as linhas de liquidez do FED durante a crise americana. Terceiro: surgiu por efeito de uma cisão operada no Estado, que separou na sua figura o ente financeiro e o ente político. Assim, ao ser financiado pelas finanças, o Estado poderia ser tratado ambiguamente. De um lado, os títulos públicos eram valorizados por terem garantia estatal, mas de outro lado, estes ativos eram operados de modo semelhante aos papéis do setor privado, títulos que entravam no carrossel especulativo, pelo fato de serem submetidos à securitização. Assim, se ligarmos os itens 1,2 e 3, fica registrado que, por via do endividamento público, as finanças tornaram-se uma ameaça a estabilidade e a integridade do Estado. Ponha-se então na quadra o caso grego. Ele é exemplar da absoluta delinqüência com que atuou a corporação financeira. E com isso chegamos ao quarto ponto. Para comprovar o afirmado acima, sabemos que o setor privado tem uma expertise na forma de manobrar nesses mercados de auto-regulação e mal supervisionados. Com essa experiência, o Goldman Sachs ajudou a Grécia a lançar títulos, para colocá-los, em seguida, na voragem da especulação, atuando, via CDS, contra o citado país. Mas foi além e fez pior. Deu consultoria para a burla decisiva: com sua experiência contábil financeira ajudou ao Estado grego na maquiagem da contabilidade pública. Com isso, colaborou com o governo conservador da Grécia no ludibrio à comunidade européia, justamente por ocasião do ingresso nesta daquele país. O que evidenciou, também é óbvio, a fragilidade da UE no controle fiscal das Estados participantes.

Sinta o leitor, a ousadia da fraude e a falta de caráter político do governo conservador e corrupto de Costas Caramanlis na Grécia, permitindo que o Goldman Sachs fosse o seu conselheiro de estrada e de enganação financeira. Se os conservadores não fossem batidos por Papandreou a gravidade da situação levaria ainda algum tempo a ser conhecida. E o que se conclui desse processo de absoluta privatização do Estado? É que ele deve dar a oportunidade a um recomeço de um movimento político, cuja finalidade deve ser a de transformar as relações entre o público e o privado. Mas, não só na Grécia. Também na Europa como no resto do mundo.

OS CAMINHOS DA EUROPA

1
- A Europa está sofrendo uma ameaça econômica e política complexa. É preciso atentar para a sua realidade. Ela é uma entidade social com corpo e sem cabeça. Ou seja, tem moeda, mas não tem Estado. Gere uma política monetária e financeira, mas não gere uma política fiscal. Na verdade, cada país tem a sua própria e a Europa não tem nenhuma. Portanto, não há integração dos fiscos. Por essa razão, emerge uma motivação fundamental. Este processo da Grécia está pedindo que a União Européia dê mais um passo na direção de um Estado europeu. Esse Estado está longe de acontecer. Mas, a solução da crise grega tem que se dirigir para lá. De um modo ou de outro, a Comunidade deve encontrar mecanismos para alcançar uma nova etapa. O ponto que está visível é a busca de uma coordenação econômica que assegure um mínimo de coerência no campo da fiscalidade coletiva. E esta coordenação vai ser um degrau a mais para a integração das finanças públicas dos Estados membros. Dito claramente: esta coordenação pode esboçar no futuro a criação de um Tesouro europeu. Ao mesmo tempo, que será uma nova baliza no rumo da constituição de um Estados Unidos da Europa ou de uma verdadeira União política européia. Se este não for o itinerário, certamente uma trajetória de longo prazo, a Europa estará ameaçada não só de ficar inerte, como ameaçada de regredir profundamente. E não esqueçamos que além da crise grega temos pela frente a possibilidade de crises fiscais em Portugal, na Itália e na Espanha, etc. Não há escolha. O caminho das decisões, o objetivo estratégico prioritário de ampla duração, deve rumar para a construção de um Estado europeu, na forma preferida e negociada entre os seus participantes.

2- Cada vez fica mais claro, que a Europa foi ultrapassada pela China. Portanto, para se firmar e retornar ao jogo precisa fazer movimentos políticos amplos, e muito difíceis, de busca de unidade dos seus Estados membros. Precisa desenvolver no mínimo uma união econômica de ordem monetária, financeira e fiscal. Precisa elaborar uma estratégia de construção de um Estado, onde a Comissão, o Conselho e o Parlamento europeu, possam de fato ter plenas condições para definir, para os habitantes da região, metas de caráter político, econômico, militar, social e cultural. E, sobretudo, há que encontrar força, portanto poder, para fazê-las cumprir. O primeiro passo principia agora, nesse momento: dar solidariedade ao Estado grego para a solução de seus problemas financeiros. Em benefício da comunidade européia e da sociedade grega. Para tal, será preciso estabelecer um plano adequado de solução da dívida (em 12,7% do PIB quando a permitida pela legislação da Europa é 3%). Contudo, a União Européia não pode parar aí, deve continuar a sua trajetória. Deve estabelecer uma relação institucional de verificação dos dados econômicos dos países membros com segurança. Deve prosseguir com uma política de coordenação fiscal, tanto com a finalidade de solucionar este caso, como de preparar-se para resolver outros que porventura apareçam. E obviamente, estabelecer uma estratégia de unificação política. Cada vez fica mais claro que esse é o caminho a seguir. A Europa ultrapassa a questão shakesperiana. Se recuar, morre. Pois o seu dilema não é ser ou não ser. O seu dilema é ser ou ser. Não há saída - eis a questão!

segunda-feira, fevereiro 15, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: Goldman Sachs por trás do desastre grego

Demorou, mas veio à tona. Mais uma vez a Goldman Sachs tem um papel obscuro em uma crise financeira maior. Conta a lenda (real nesse caso) que a GS teria feito um swap de divisas com o governo grego, invisível contabilmente, quando da ascensão da Grécia à Zona do Euro (2002, data de criação da moeda única europeia). Esse empréstimo disfarçado teria sido essencial para que as contas públicas gregas pudessem alcançar as exigências da União Europeia de aderência ao euro. Um certo Mario Draghi (atual presidente do Banco Central da Itália e candidato à sucessão de Jean Claude Trichet como presidente da BCE), então empregado da Goldman, teria sido o intermediário utilizado para a concretização do acordo secreto...

Mais uma vez se misturam burocratas poderosos, governos e a Goldman Sachs em transações mais que nebulosas e que permitem ao banco de investimentos de Nova York lucrar posteriormente a partir de inside information, utilizada inclusive contra seus próprios clientes.

Até quando?

quinta-feira, fevereiro 11, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL: Vencedor moral?

O resgate da UE pra os gregos mais se parece a um presente de grego: estão dando "apoio moral" às medidas de ajuste fiscal do governo grego. Se comprometem, em caso de agravamento da situação, a tomarem medidas concretas, desde que o governo grego tenha implementado um plano de ajuste crível.
Eessa história toda parece, para nós brasileiros, aquela conversa da Copa de 1982, ainda hoje de má memória: o Brasil foi o "vencedor moral" da Copa. Não ganhou, mas merecia ter ganho. Os gregos não levaram nada, mas tem o "apoio moral" da União Européia. Para agirem direitnho.
No futuro veremos do acerto dessa inação em um contexto onde os rastilhos da desconfiança já se espalharam à Portugal, Espanha, Itália e Irlanda. Num mundo que conta com a pesença de aproximadamente 10.000 hedge funds alavancados, não agir é um convite para maiores turbulências "lucrativas" no futuro próximo. E a economia realizada pela recusa do bail-out aos gregos pode se transformar em mais um gigantesco prejuízo a ser atacado de urgência no futuro, em um filme já reprisado dezenas de vezes.
Links relacionados:
CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
11 de fevereiro de 2010
Coluna das quintas

A SINFONIA
INACABADA
DA CRISE
Por Enéas de Souza

PASSAMOS AO COMPASSO FISCAL

Dando uma volta no mundo, a gente percebe que a crise é como aquele fogo lento que vai comendo uma erva aqui, desamparando uma árvore ali, subindo numa parede mais adiante e devorando uma folha de jornal, logo depois da esquina. E assim, o movimento da chama trabalha o seu passo inexorável. Contudo, um item é claro: não podemos ter como parâmetro para a crise atual a crise dos anos 30. Os desabamentos do capitalismo não são os mesmos. Ele sempre tomba, mas cada vez com um tombo diferente. Dito de outra forma: a configuração das crises não tem nunca o mesmo perfil, cada vez o seu retrato é diferente. Hoje, a foto de lado está mostrando uma profunda crise financeira e produtiva. Mas, já estamos flagrando o desdobramento dela, que vai se dando na península do Estado. Surgiu uma crise fiscal de corpo inteiro, a começar pela Grécia. De mais a mais, são candidatos fortes também Portugal, Espanha, Itália, Irlanda. Ponha-se igualmente a câmera sobre os Estados Unidos: uma dívida enorme, um déficit fiscal alentado, com o governo procurando controlar o orçamento. (E não estamos descrevendo a luta aberta entre as Finanças e Obama.) Mas, voltando à crise fiscal, não podemos negar que os investidores em títulos gregos, além de estarem forçando aumento de taxas para novas aplicações, estão jogando “proteção” contra os referidos ativos através do CDS. O que nos faz pensar que algum rombo nesta área pode levar a crise fiscal a por mais fogo na crise financeira. Ou seja, estamos vendo o começo de uma nova etapa da mesma crise que principiou em 2007?
(Comentário lateral: crise lenta tem este tom! Não termina só porque jornalistas e empresários e economistas dizem que a crise já passou e que estamos no pós-crise. Esta é uma crise que não se decifra num manual de economia matematizado ou no vai que vai de um financista voluntarioso).

O ELÁSTICO DA CRISE

1
- Olhando a anatomia da crise vemos que ela não fica somente nos elementos de uma parte do corpo. O rosto, por exemplo, que poderiam representar as finanças. O rosto com seus olhos que calculam a potencialidade pecuniária dos títulos. Ao contrário, ela revela que este corpo ocupa um lugar no conjunto do espaço e do mundo. E que este espaço e este mundo também estão empoeirados, estão bichados, estão devastados. Olhe só um pouquinho: o planeta atravessa uma crise ecológica sem precedentes, que afeta tanto a realidade rural como a urbana. E neste último aspecto, fala-se pouco, mas aqui o trauma é lancinante. Caos de transporte, caos de circulação, caos de distribuição de espaços, caos de moradias, caos de prevenções as mais diversas, caos de acessibilidade. E toda esta bagunça descortina na moldura das cidades, expressivas neves, temporais assustadores, terríveis abalos sísmicos, tempestades dementes, desaforados temporais e tsunamis terroristas. Dizendo rapidamente: uma série de catástrofes. Longamente anunciadas pelos ambientalistas, pelos ecologistas, pelos urbanistas, pelos arquitetos. E se a gente olha atrás deste panorama, há como que uma fiel companheira, mais guia do que seguidora, uma robusta crise de valores, cuja dança termina numa crise da civilização. Parece que estamos cortejando o pessimismo. Mas, Tarkovski, não terá razão quando diz que o pessimista é um otimista bem informado?

2 - Veja-se a crise de 30. A expectativa, não confirmada, era que havia a esperança de uma mudança para o socialismo, onde tudo seria diferente. Esta utopia que começava a fazer plantão já na guerra de 1914, atravessou a segunda guerra mundial, e esvaiu-se na praia e na queda dos muros dos anos 90. Hoje, na verdade, esta crise não tem utopia, tem o rosto de Medusa. Porque além se ser uma crise muito feia, as pessoas ficaram amnésicas; buscam saídas imaginárias, fantasiosas, de um otimismo prá cima. E não chegam a sentir que há de fato uma tremenda crise. No fundo, no fundo, esta amnésia mostra a máscara de um outro rosto, o rosto da impotência. A crise de fato está se autonomizando. Escapou das finanças, escapou da produção. E ameaça escapar do Estado. Falam que a verdadeira ameaça é o niilismo, como diria Nietzsche, que segue comandando este declínio americano e este tumulto da contemporaneidade. Com a barbárie dando vivas aos seus maiorais, a crise mergulha na noite dos crimes e dos medos. Bósnia, Bagdá, não são apenas nomes. Mas esperemos a inversão dialética: toda barbárie tem um quê de civilização. E que esta possa mudar o sinal da dinâmica social. E o tempo é uma questão chave. A crise dos anos 30 só inverteu o caminho da destruição depois da segunda guerra mundial. Uma guerra não é inexorável, porque os conflitos não necessariamente se solucionam apenas através da devastação bélica. Pois, a política está aí para isso. Mas, a pergunta, que vai ao ar, indaga: como a barbárie toma o míssil da civilização?

O TEMPO REI

1 - A temporalidade desta crise é complexa. Ela não é linear e, ao contrário daquela dos anos 30, não tem uma perspectiva fora do sistema capitalista. O capitalismo se mostra vulnerável, mas não parece estar numa crise terminal. Portanto, há que examinar e pensar a sua temporalidade. Crise financeira e crise produtiva chegaram juntas. A crise fiscal vem atravessando a rua e pode dar um novo choque na crise financeira e produtiva. Usando uma idéia schumpeteriana, o mundo tem um caminho de evolução que passa pela maturidade da trajetória das novas tecnologias de informação e pela busca de um novo paradigma energético. Mas, estes pontos estão apenas vislumbrados para daqui a pouco, no futuro da temporalidade. Fazem parte da resolução da crise. No entanto, eles habitam a beira da margem, ainda escura, deste rio. Há que clarear o horizonte para que eles naveguem. Não se pode deixar de ter cuidados, pois com o capitalismo se tornando cada vez mais companheiro do crime (desde o narcotráfico às empresas militares privadas), o trânsito do tempo em busca de uma nova perspectiva, inclusive de civilização, tem um longo caminho a percorrer. Thiago de Mello sempre teve razão: faz noite, mas eu canto.

2 – O atencioso leitor cético deve se questionar e inquirir: porque a sociedade se recusa a enfrentar todos esses personagens do apocalipse? (Que para muitos não são quatro como pensava Minelli, são muito mais. Guerra, peste, fome, corrupção, traição, predação, dizimação, genocídio, etc.) Daí, mesmo na sombra, com um olhar mais avantajado, passamos à pergunta seguinte: porque as festas do consumo, o gozo da guerra, a destruição do corpo do outro, a busca da escravidão, o assassinato como forma de política e de sociabilidade, etc. continuam a vigorar com uma intensidade perigosamente alta? Vamos assim de Ruanda ao Haiti, da máfia chinesa às finanças, do tráfico de drogas ao tráfico de pessoas, do consumo de drogas pesadas às “notícias de uma guerra particular”? Se a nuvem da ideologia é rompida, o mundo parece tenebroso. E estas facetas são coisas tão ativas que fazem do mundo atual a hora de uma sinfonia inacabada, por excesso de barulho e de bandoleiros. Mas, a temporalidade da crise continua avançando enquanto o celular da detonação está sendo ativado. O tempo, no entanto, continua rei, se transforma dando as cartas. A equação está pronta corretamente: de um lado a crise tende a sua explosão; de outro, a humanidade só é capaz de colocar os problemas que pode resolver. Como é que, então, se tira a cabeça do prêmio?

quinta-feira, fevereiro 04, 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
04 de fevereiro de 2010
Coluna das quintas

DONOS DO PODER
E SEUS
LANCES DE DADOS

Por Enéas de Souza


I - A SUPREMA CORTE DECIDE A FAVOR DE QUEM?

1 - A primeira coisa que está complicando, fazendo um certo rombo na turma do Obama, é um forte ataque dos conservadores, dos financistas e dos grandes empresários contra o controle da democracia. Poucos estão se dando conta desta decisão da Suprema Corte (5 a 4) que definiu pela não-limitação dos recursos que as corporações podem dar nas contribuições pecuniárias à política. Não interessa os artifícios que sustentaram esta aprovação (absurdos como este argumento de igualar corporações a pessoas, afirmando que todos devem ter liberdade para manifestar sua opinião). O que importa, verdadeiramente, é que, através do judiciário, o Estado americano tomou uma decisão favorável à presença mais intensa e sem limites dos setores produtivos, financeiros e mercantis – enfim, empresariais – na arena da política.

2 - Ora, obviamente, isto é uma dupla ameaça para Obama. De um lado, a abertura para o capital financeiro dando-lhe uma poderosíssima arma: usar todos os seus recursos com a finalidade de derrotar qualquer pretensão de organização, por parte do Estado, da arquitetura financeira. Continua a vontade predadora de bancos e entidades financeiras, seja na propaganda, seja nos lobbies, seja no volume de dispêndio, seja na própria atividade econômica. E, no fundo, no fundo, uma derrota para a justiça e para a democracia americanas. E, por extensão, um revés para a população pobre, um bloqueio evidente com a finalidade de deter as transformações sociais. De outro lado, não há dúvida: estão se abrindo perspectivas para gastos favoráveis, seja à promoção do retorno à velha especulação financeira, seja à atuação bélica, cujo orçamento praticamente não foi cortado. São os perdedores da guerra do Iraque, entre elas as empresas de construção de infra-estrutura, que retornam pela porta do tribunal. Ou seja, o setor financeiro e o setor bélico se unem para se abraçarem no declínio dos Estados Unidos, mas não sem resistirem e não sem atuarem fortemente na cadência de uma melodia de baixa qualidade, em nome da democracia para, pensamos nós, destruir a democracia. E pensar que os Estados Unidos, na Segunda Guerra Mundial, foram os campeões da liberdade. Certamente, Machado de Assis diria: mudou o Natal!

3 - Obama está novamente em cheque. Estão gostando dele como alvo. Esta decisão da Suprema Corte dá armas aos seus adversários e está contra a maioria do povo americano, que votou e aceitou a proposta de Obama. O problema é que não basta um governante ser eleito, existem instituições e estruturas sociais e governamentais que impedem um presidente de dar curso aos seus projetos. Anulou-se a grande amplitude do healthcare e busca-se impedir o controle das finanças, via lobbies e ações financeiras. E as forças adversárias mandaram um recado ao presidente: nós vamos usar a justiça e na justiça não vai ser fácil. E é verdade, a batalha está se deslocando do econômico para o campo político, mas com colorações jurídicas. Pois vejam, além desta medida da Suprema Corte, as finanças ameaçam entrar em campo no judiciário contra a taxação dos 50 maiores bancos por terem causado prejuízos aos contribuintes na crise financeira recente. Uma lei que seria aprovada no Congresso. E os 50 bancos ajuizariam contra ela, por ela ser uma lei discriminadora dos 50 bancos (sic!). Por tudo isso, Obama vai estar este ano sob forte ameaça de temporais e perigosos deslizamentos, portanto não apenas um cerco, mas estocadas visando a paralisia do Estado. Senão, a conversão para o conservadorismo da direita. Como o presidente não deu o golpe de morte logo que assumiu o governo, agora, depois de vitaminadas, elas, as finanças, jamais aceitarão a bênção de um projeto de ampliação da democracia, via controle das finanças e da guerra, um projeto de criação de um sistema de proteção da saúde.

II - VOLTAMOS A SER QUINTAL?

1 - Eis uma segunda coisa que está complicando: é preciso sentir uma mudança geral dos Estados Unidos em relação à América Latina. Primeiro Objetivo: apossar-se da Venezuela sob forma política, ideológica e militar. Como ação: desmoralizar o projeto bolivariano e, com isso, derrotar Chaves. E ameaçar e isolar Evo Morales. Claro o objetivo fundamental é econômico, obter o petróleo venezuelano, cujas reservas estão notavelmente expressivas, sobretudo, depois da descoberta das reservas do Orinoco. Portanto, retorna o objetivo predador do grupo bélico e petroleiro. Tudo à moda Texas. Será que a Venezuela vai ser mais comodamente o Iraque que este grupo não teve?

2 - Segundo objetivo: desvincular a crescente presença do Brasil na liderança da América Latina. Naturalmente, que não está em questão forçar um golpe no país, como em 1964. Isso seria uma incompetência no momento, mesmo porque o Brasil cresceu econômica e politicamente. Apenas, se trata de botar o Brasil, esta aspiração de liderança, no seu lugar. Episódios como de Honduras e do Haiti mostram isso. E como a vulnerabilidade brasileira é militar, nada melhor do que a Quarta Frota para mostrar um pouco das garras da águia americana. O interesse dos Estados Unidos continua sendo dividir o controle da América Latina com o Brasil, mas sob a sua estrita obediência. Mas, não somos mais como antigamente. Crescemos e pretendemos ser uma potência média mundial O problema é que o Brasil é muito pequeno diante da primeira nação do mundo. Deve, portanto, frente as últimas manifestações do nosso parceiro, responder, desde agora, com uma certa flexibilidade no campo diplomático. Depois de tanto capital acumulado, as manobras tem que visar não sofrer derrotas contundentes.

3 – E, em segundo lugar, buscar rapidamente essa associação com a França, para estabelecer uma mínima capacidade bélica, seja para se atuar nestas situações como a do Haiti e não sair lascado; seja, inclusive, para proteger nossas riquezas como a Amazônia, como a água, como o petróleo. Não podemos nos enganar: o quadro tem mudado. Olhe-se o episódio de Honduras e o deslocamento “humanitário” que os americanos fizeram no Haiti, e perceba-se o novo eixo Uribe-Piñeyra, além da ampliação das bases americanas na região. Os meteorologistas detectaram que os ventos dos anos 60 estão retornando. Enquanto Bush e Cheney pensavam no Iraque, as coisas estavam bem; agora que Obama pensa na América Latinas, as coisas pioraram. Não se enxerga na oficina do Pentágono algo de novo? Não haverá uma busca de propor ao Brasil uma lição de conflito para que ele se situe, no mundo e na América do Sul, sob o insofismável comando americano? Um Brasil alinhado ajudaria a reconversão venezuelana. Mas há uma pergunta que diplomatas brasileiros conservadores, como nos falava num artigo José Luis Fiori, não ousam perguntar: um pouco de independência para o país não faz bem? (Mas, não é verdade também, como escrevia Florestan Fernandes, que há gente no Brasil que prefere a submissão voluntária e proveitosa para comerciar à sombra do guarda-chuva do irmão maior?)