terça-feira, março 10, 2009

NACIONALIZAR É PRECISO!
Por Enéas de Souza


A questão da nacionalização dos bancos nos Estados Unidos está tão mal compreendida, principalmente, porque existe um debate ideológico e um debate econômico conjugados. O debate ideológico é obviamente lançado pelas finanças para anular o verdadeiro debate. Comecemos, para tentar esclarecer.


Deter as ações é deter o comando dos bancos?

Há uma fatia de escritores econômicos, de banqueiros, inclusive ex-banqueiros do Banco Central, que dizem que o Estado já detém a maioria das ações e que, portanto, estes bancos já estão nacionalizados. “Nacionalização branca” é a expressão do momento. Ora, isto é um ardil ideológico, uma manobra de despiste. Porque a compra das ações não significa nacionalização como se entende, ou seja, o controle, a posse, a definição e a execução de uma nova estratégia nas trajetórias das instituições financeiras por parte do Governo. E obviamente, isto nada tem a ver com estatização. A “nacionalização branca” significa apenas que os bancos têm a sua propriedade acionária dominada pelo Estado, sob forma de ações preferenciais e não ordinárias; elas não têm voto, portanto não decidem nada. Estes aportes, estes “bailouts”, funcionam na melhor das hipóteses como uma aplicação ou um aporte de capital do Governo. Mas, a realidade continua a mesma, os bancos navegando para retornar ao sistema antigo, o da auto-regulação, o que é impossível. E por isso, a demora da nacionalização é uma demora da busca da esfera financeira encontrar uma saída, nem que seja a permanência das finanças zumbis, uma prolongada hibernação do sistema financeiro e da economia.

É preciso entender isto inclusive dentro da forma da “governança corporativa” (corporate governance). Pois a governança tem dentro de si uma fissura, uma divisão, uma cisão, entre o proprietário da ação e os executivos. E foi desta fenda que surgiram, como um espinho surpreendente, os múltiplos conflitos nas corporações. Pois, se de um lado os proprietários querem o maior rendimento possível das suas aplicações, de outro, os executivos tem, além dos interesses empresariais, interesses pessoais que não batem necessariamente com os objetivos dos proprietários. E como estão no comando do negócio dia a dia, suas decisões tem um grau de autonomia quase completa.


Por onde passam as mudanças

E aqui está o fulcro da questão. Ao deter as ações, as orientações do Governo não têm a obrigação de serem seguidas, mesmo porque quem sabe dos negócios são efetivamente aqueles que estão no leme do barco, que estão no temporal da manhã ou da tarde. Por isso, o fundamental da nacionalização não é ter a propriedade das ações. É nomear as direções, é assumir as operações, é tentar solucionar as questões do modus operandi destas instituições, é decidir o atendimento de normas e orientações do FED, é reformular a sua estratégia no mercado financeiro. Esta é apenas uma parte. Pois a nacionalização é mais que isto: é o Estado tomar na mão, alguns grandes bancos e começar a reformar o sistema financeiro. Como assinalou com precisão Martin Wolf, do Financial Times, os quatro maiores bancos comerciais – JPMorgan, Citigroup, Bank of América e Wells Fargo – possuem 64 por centro dos ativos dos bancos comerciais americanos. É aqui que principia a reforma das finanças. Do contrário, é obviamente postergação, protelação. No vulgar: empurrar com a barriga a solução das finanças. (Nós, brasileiros, conhecemos bem esta estratégia, não conhecemos?)

E a pergunta é: nacionalizar para fazer o que? Para fazer a construção de um novo sistema financeiro, re-posicionando o banco central; fazendo uma nova regulação; definindo uma divisão entre entidades financeiras bancárias e não bancárias; decidindo e fiscalizando um novo nível de alavancagem; tratando das possibilidades e limites da securitização e de multiplicação dos produtos, etc. E finalmente, dar um sentido claro para o crédito e para o sistema bancário. Isto é regular, ou seja, colocá-los ao serviço da produção e da sociedade. Do contrário, é manter o sistema atado à especulação, fazendo do sistema financeiro uma vasta máquina de transferência de renda da população, das empresas, para a esfera financeira. O que é manter o trambique pelo trambique, e estender a paralisia da sociedade a uma elasticidade insuportável. A nacionalização serve para combater esse desastre.


Vamos diferenciar os caminhos?

Há por fim que distinguir nacionalização de estatização. A nacionalização supõe que o Estado assuma a propriedade e as funções de direção, portanto anule, ao menos temporariamente, a fissura que falamos no início do artigo. E depois, aqui a diferença da nacionalização e da estatização. A nacionalização é apenas consertar os equívocos do sistema capitalista, o Estado em apoio do capital para devolvê-lo aos investidores com dinheiro efetivo. Porque os bancos como estão não tem capacidade de aglutinar em torno de si nenhuma re-capitalização adequada. Basta observar os níveis de capitalização do Citi, mais de 75 bilhões de dólares, entre aportes privados e públicos, e suas ações na semana passada valeram menos de 1 dólar. Ou seja, a incapacidade é total. Nacionalizar é preciso.

Finalmente para esclarecer: a estatização é quando o Estado assume definitivamente para si a propriedade e a operação das instituições financeiras. É um passo mais forte do que a nacionalização. Mas, mesmo assim, não é socialismo. Ou estamos pensando que Obama e o governo dos Estados Unidos não são liberais? Convém também dar uma olhada na China. A estatização difere da nacionalização porque esta forma conduziria os bancos a ficarem definitivamente com o Estado. No limite, neste caso, o que teríamos seria um capitalismo de Estado, o que é impensável na cultura política, econômica e social americana. Este jogo e estas confusões fazem parte de um combate desesperado entre as forças sociais, em conflito quase aberto. As finanças perderam o passo, mas ainda não perderam a mão. Ainda tem, no Estado, representantes como Geithner, Bernanke em postos de decisão, que lutam para consertar o tumulto. Mas, a ação convergente da produção e da massa ainda informe, já instaura a necessidade de transformação. Uma solução viável, a separação entre bancos bons (good banks) e bancos ruins (bad banks) também não serve para os atuais comandantes, nem para os proprietários de ações, pois se o governo ficasse com o lado podre, o lado bom teria que ser vendido e estes perderiam tanto a propriedade como os postos da aristocracia dirigente bancária. Então, sabe de uma coisa, o melhor é lutar pelos bancos eternamente fantasmas. Contra essas manobras nossa posição é, lembrando Fernando Pessoa, nacionalizar é preciso!

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